quinta-feira, 30 de janeiro de 2025

Filme: Eddie and The Cruisers (Eddie, o Ídolo Pop) - Por Luiz Domingues

Lançado em 1983, o filme, “Eddie and the Cruisers” (“Eddie, o Ídolo Pop”), foi baseado em um romance do escritor, P.F. Kluge. Este escritor, por sua vez, já havia emplacado um dos seus livros para a adaptação ao cinema, no caso, o aclamado, “Dog Day Afternoon” (“Um Dia de Cão”, protagonizado pelo grande, Al Pacino), além de ter construído uma carreira com muitas outras obras, com “Biggest Elvis”, entre elas.
Bem, tal romance policial é ambientado no mundo da música e envolve uma trama em torno de uma morte misteriosa que conteria segredos e suspeitos, a dar margem para uma boa novela desse gênero, que aliás, costuma ser deveras menosprezado dentro do mundo da literatura. A despeito de tal preconceito literário (e que eu definitivamente não nutro e pelo contrário, gosto desse estilo, particularmente), e creio que tal mote deu margem para um bom filme em linhas gerais, pela trama em si e boa música da trilha, ainda que ressalvas importantes precisam ser mencionadas, em termos musicais e no tocante à produção da obra.
O roteiro foi montado acintosamente a imitar o filme, “Citizen Kane”, mas desta feita, ao menos o diretor, Martin Davidson que o escreveu em conjunto com Arlene Davidson (cuja informação sobre parentesco entre ambos eu desconheço, apenas sei que não formavam um casal), assumiu isso publicamente, ao contrário de outros que assinaram tantas outras obras sob tal “inspiração”, digo assim para não usar outro termo mais realista. Portanto, o filme transcorre em meio a uma frenética mudança a retratar duas épocas, o início dos anos 1960 (entre 1962 e 1963) e 1983, época da atualidade da produção para firmar a ideia do “presente”.
 
A meta do roteiro, tal como Citizen Kane, foi aludir a uma morte ocorrida no passado e o quanto as pessoas envolvidas com aquela pessoa desaparecida estavam ainda impactadas pela perda e sobretudo, pelos mistérios que levam a crer que houve algo em torno de algo além da suposto falecimento acidental, principalmente pelo fato de que o corpo do desaparecido, jamais foi encontrado. 
Muito bem, constrói-se uma boa trama policial, pronta inclusive para relembrar a tradição do cinema “noir” clássico dos anos quarenta, mas o ambiente não é o dos escritórios enfumaçados por conta de fumantes inveterados que procuram detetives particulares, mas sim, a ascensão de uma banda de Rock, no início dos anos sessenta.
Então devo anotar a minha primeira ressalva e que trata-se de algo significativo. Sei que a intenção inicial foi filmar um romance policial e a música, em tese, fosse mero pano de fundo, como uma trilha comum só para ilustrar, mas ao ganhar a proporção de um “Rock Movie”, é óbvio que a questão musical ganhou uma protagonismo, portanto, ao mostrar a criação de uma carreira, houve a boa preocupação da produção em dar substância, e isso foi feito. 
Entretanto, ao meu ver, apesar de reconhecer que as músicas compostas para essa trilha sejam boas, houve um desleixo imperdoável da produção em não estabelecer uma diferenciação sonora acentuada entre as épocas retratadas. Ou seja, as cenas da banda Eddie and The Cruisers a tocar em 1962/1963, soam como se fossem de 1983. Causa estranheza ao tratar-se de uma película norte-americana, justamente por levar-se em conta que o cinema norte-americano nunca erra nesse quesito de produção, ao denotar que talvez tenha sido uma intenção deliberada da parte da produção e do diretor a usar da licença poética, neste caso, bastante anacrônica.
Nesses termos, o som dessa banda parece muito o trabalho do guitarrista/cantor e compositor, Bruce Springsteen e a sua fiel banda a “E Street Band”. No release da produção, há a informação concreta de que quando contrataram o compositor, John Cafferty para compor algumas canções da trilha, houve uma mudança de ideia posterior, a fazer com que ele assumisse toda a trilha e que a gravasse com a sua banda, John Cafferty & The Beaver Brown Band. 
A justificativa fora que queriam mesmo a sonoridade do Bruce Springsteen, e John Cafferty e sua banda soavam assim, normalmente, por ser de Providence, Rhode Island, a mesma raiz sonora de Springsteen e na ficção, Eddie and The Cruisers é de New Jersey, ou seja, vizinhos próximos a falar as mesmas gírias, manter sotaque parecido etc.
 
Até então, tudo bem que nas cenas de 1983 a música soasse dessa forma, mas decepciona bastante ver a banda a tocar em 1962/1963 com tal sonoridade, inclusive na resolução de áudio, a denotar uma falha, visto que trata-se de uma impossibilidade tecnológica, visto que os padrões de gravação em 1962, eram muito diferentes.
A outra ressalva que eu faço, diz respeito à direção de arte. Nota-se, igualmente em relação à música, que não houve um grande esforço para demarcar bem as duas épocas distintas. Ou seja, a ambientação; direção de arte e figurinos, embaralha tudo e tem-se a impressão que o filme passa-se o tempo todo em 1983.
Fora dessas questões de produção, o filme funciona como trama; os personagens tem a sua dramaticidade e o mote do mistério todo em torno da morte do vocalista, Eddie, age como um fantasma a atormentar os demais que permaneceram vivos e arcaram com a frustração do fracasso da banda, gerado por tal ruptura dramática.
Nesses termos, o filme começa com uma repórter investigativa da TV que propõe uma reportagem para relembrar a misteriosa morte do vocalista, Eddie; o fim da banda e também o mistério sobre o desaparecimento das fitas do álbum inacabado. Em meio à sua pesquisa, ela aborda alguns ex-componentes da banda. O baterista e o saxofonista haviam falecido ainda nos anos oitenta, mas ainda sobrara o baixista, que foi o único que seguiu na música e mantém um relativo sucesso a tocar em uma banda “tributo” de si mesmo, a tocar em clubes pequenos; a backing vocalista que fora namorada de Eddie à época e que agora era uma coreógrafa e o antigo tecladista da banda, que formou-se como professor de literatura e ganha a vida a lecionar. E também a figura polêmica do empresário da banda, que nos dias atuais é um DJ de uma emissora de rádio ao estilo “College Radio”.
Entre as entrevistas que faz, a repórter ouve as histórias contadas por tais diferentes pontos de vista e logicamente são ilustradas pela visão dos fatos à época. Eddie é um rapaz talentoso, mas bastante altivo, com uma certa soberba por conta de ser carismático, bom guitarrista; cantor e compor bem. Como se não bastasse tais atributos musicais, ele tem um forte carisma e boa aparência, ao ponto de ser considerado um galã pelas meninas e diante desse quadro, traz atenção natural para a banda; gera ciumeiras internas e tudo piora por ele ser tão genioso. Por outro lado, em contraponto, a figura do tecladista mostra-se diametralmente oposta. Rapaz tímido; discreto e muito respeitador, só foi convidado a entrar na banda por conta de que por um mero golpe fortuito, demonstrou possuir uma erudição literária que nenhum outro membro da banda possuía, nem mesmo o convencido, Eddie. Dessa forma, por tocar piano, igualmente, tornou-se útil, doravante como músico e letrista das canções do grupo. 
Daí, vem a ascensão do grupo, a tocar em casas noturnas; festivais e angariar muitos fãs. As meninas descabelam-se por Eddie, mas muitos marmanjos igualmente encantam-se pela beleza e sensualidade da backing vocalista e os demais músicos são bons, a banda soa robusta, com arranjos bem feitos e as letras mostram-se poéticas, portanto, o sucesso parece inevitável.
Em um show que ocorreria no auditório de uma universidade, os componentes da banda chegam cedo e em meio a um passeio pelo campus, o tecladista e a backing vocalista, sentem-se atraídos um pelo outro e ocorre um beijo. Eddie, que namorava a garota, vê de longe e não faz nada, mas no momento do show, ele apresenta todos os membros da banda e ignora o tecladista, de propósito. Alguém da plateia o adverte que ele esquecera do tecladista e então, Eddie faz um comentário muito deselegante para humilhar o companheiro, notadamente por vingança por conta do beijo que este dera em sua namorada.
Gravam o primeiro disco e quando vão gravar o segundo, a pressão da gravadora é bem grande e um diretor déspota, veta as novas canções por não considerá-las comercialmente viáveis. Sim, as gravadoras tolhiam a criatividade dos artistas fortemente nessa época, era um jogo sujo em torno da chantagem do “pegar ou largar”. Ocorre que Eddie não suporta e briga com o diretor da gravadora e praticamente arruína-se tudo ali. Temperamental, sai de carro com a namorada e vistam um esconderijo que ele alega frequentar desde criança, a parecer um ferro velho abandonado. Deixa a moça perto de sua casa e vai embora, transtornado no volante do seu carro. No dia seguinte, sai a manchete na imprensa, o seu carro foi encontrado todo arrebentado em um lago, mas o corpo de Eddie nunca foi encontrado. Transtorno, estupefação e fim da carreira da banda.
Em 1983, a reportagem vai sendo costurada com esses elementos todos, e algo ocorre como um fato novo. Os ex-membros relatam ter tido as suas respectivas residências invadidas e a apresentar tudo revirado, como se alguém estivesse a procurar algo. É quando o tecladista, agora o professor, reencontra a backing vocalista e em meio às reminiscências que trocam, ela lembra-se do tal ferro velho abandonado que visitara com Eddie, vinte anos antes. Bingo, sob atmosfera misteriosa, na calada da noite, encontram as fitas master do disco inacabado da banda, ali alojadas por Eddie, há vinte anos atrás. Eles voltam então para a residência da moça e quando parece que tudo foi resolvido, um telefonema misterioso causa transtorno a ambos. 
O homem ao telefone alega ser Eddie e exige as fitas que ele sabe que foram resgatadas. Um encontro é marcado e o tecladista esconde-se para tentar surpreender Eddie e a moça observa o velho carro do vocalista chegar. O suposto Eddie abre a porta do passageiro e exige que ela entre com as fitas em mãos e o tecladista ataca e desmascara o rapaz ao arrancar-lhe um disfarce e este revela a presença do antigo empresário da banda, que arquitetara todos esse plano macabro para assustar os ex-membros e assim apossar-se das fitas. Tudo resolvido, até de uma forma ingênua, pois eis que as fitas são entregues e ambos até gostam da ideia do disco ser produzido tantos anos depois. Foi apenas isso, então, fim do filme ao estilo "Scooby-Doo", certo?
Eis que a reportagem é concluída e enquanto ela é exibida pela emissora, vê-se muitas pessoas aglomeradas em frente a uma vitrine de loja de aparelhos de TV, para assistir tal programa. Vemos a repórter a falar, da ponte onde o carro de Eddie despencara em 1963 e a concluir que o seu corpo nunca foi encontrado, embora ele houvesse sido declarado oficialmente morto. Clichê dos clichês, eis que em meio à multidão que dispersa após o fim da reportagem, pelo reflexo da vitrine, um rapaz barbudo destaca-se e ao aproximar-se a sua face na tela, vemos que trata-se de... Eddie.
 
O curioso foi que um segundo filme a esclarecer tal fato estarrecedor, só veio a ocorrer em 1989, ou seja, seis anos depois. De onde conclui-se que alguma dificuldade gerencial não permitiu que a sequência do filme fosse lançada imediatamente, ou, muito pelo contrário, a intenção inicial, foi terminar misteriosamente.
Sobre o elenco, com exceção do saxofonista, que realmente era músico e não por coincidência tocava na banda que deu sustentáculo à trilha, John Cafferty & The Beaver Brown Band (Michael “Tunes” Antunes, que interpretou, Wendell Newton), todos os demais eram apenas atores e não músicos, nem mesmo por hobby. Tom Beringer (que interpretou o tecladista, Frank Ridgeway), alegou inclusive, que nem preocupou-se em aprender um pouco do gestual e de fato, as suas cenas a tocar, são quase todas filmadas com o teclado à sua frente, para facilitar a sua atuação como não músico. 
Matthew Laurence (a interpretar o baixista, Sal Amato), foi o único que preocupou-se em aprender os rudimentos do instrumento e a sua performance a fingir tocar no filme, chega a ser convincente, pelo menos ao segurar o instrumento com uma desenvoltura. David Wilson interpretou o baterista, Kenny Hopkins, Joe Pantoliano fez a figura do empresário inapto, “Doc” Robbins e Helen Schneider interpretou a bela backing vocalista, Joann Carlino. Ellen Barkin, ainda não muita conhecida nessa época, interpretou a repórter, Maggie Foley. 
E finalmente, o astro protagonista, Eddie Wilson, foi defendido por um ator principiante, mas que cumpriu bem a sua missão, o ator chamado, Michael Paré.
 
Na época, o filme fracassou na bilheteria dos cinemas e não obteve boas críticas. Basicamente as mesmas queixas que eu formulei logo no início, foram observadas pelos críticos, à época, embora em meu caso, por ser músico, o anacronismo observado tenha incomodado-me ainda mais do que a um crítico de cinema tradicional, eu imagino. 
Logo a seguir, o filme foi lançado em formato VHS, mas foi quando ingressou na grade de canais a cabo norte-americanos, que o filme teve um resultado muito significativo, ao atingir, anos depois, uma outra faixa etária de adeptos que eram crianças por ocasião do lançamento nas salas de cinema e o filme tornou-se cultuado. A trilha sonora, igualmente, foi reconhecida quando chegou a galgar degraus nas paradas de sucesso e motivou uma boa vendagem de discos. Talvez tenha sido essa a resposta, para o questionamento que eu lancei alguns parágrafos atrás, pois eis aí o êxito que precipitou a produção do segundo filme, “Eddie and The Cruisers II/Eddie Lives!”, em 1989.
Existe em formato DVD/Blue Ray, passou com muita assiduidade na TV aberta, durante boa parte dos anos noventa, com muitas exibições nos canais da TV a cabo, igualmente. Infelizmente, no entanto, por conta de direitos autorais, não existe uma cópia integral no You Tube, mas apenas fragmentos do filme, geralmente a conter edições caseiras dos trechos musicais da obra, com a banda a tocar em simulações de shows ou ensaios. 
 
No portal, UK.RU, é possível assistir na íntegra, mas não posso dizer até quando. Não posso deixar de observar que essa mesquinharia em torno desse mercantilismo descabido que normatiza os ditos “direitos autorais”, é algo abominável. Senão vejamos: eu não sou contra a garantia dos direitos autorais preservados. Todos os envolvidos na produção, devem ganhar, sem dúvida alguma, pois a despesa foi grande e os profissionais envolvidos trabalharam honestamente para que a obra existisse, do escritor do livro original que motivou o filme, aos que dedicaram-se ao filme, propriamente dito. No entanto, esse filme, por exemplo, foi para as salas de cinema em 1983. Independente de ter podido ou não, gerar uma boa bilheteria (e não angariou, como já salientei anteriormente), o fato é que algum dinheiro entrou. Depois uma segunda receita foi gerada com o lançamento na TV. Depois disso, ganhou mais dinheiro através do lançamento em plataforma VHS. Mudou a tecnologia e veio a versão em Disc Laser; depois criou-se o DVD e a seguir, o Blue-Ray. Entrou na grade dos canais da TV a cabo e com inúmeras reprises na TV aberta, cada exibição, paga, naturalmente. 
Em suma, escrevo esta resenha em 2019, e desde 1983, o filme gerou inúmeras fontes de renda diferentes e muitas vezes em torno de um tipo de exploração predatória, visto que o consumidor não tem culpa se a tecnologia torna tudo obsoleto, rapidamente. Esta crítica, aliás, vale para todos os filmes que eu resenhei até aqui e na verdade, para qualquer um que tenha a sua exibição vetada em um portal popular como o YouTube, a denotar uma ganância descabida. Chega-se em um ponto, e não precisa ser um século, literalmente, como reza a Lei atual, em que a obra não pode mais ser cerceada ao grande público, isso é o mais justo, eu quero crer. 
 
Baseado na novela "Eddie and The Cruisers", escrita por P.F. Klunge e que segundo consta, teria inspiração na biografia do poeta francês do século XIX, Rimbaud. Escrita por por Martin e Arlene Davidson. Dirigido por Martin Davidson e Jean-Claude Lord e lançado em 1983.
Esta resenha faz parte do livro: "Luz; Câmera & Rock'n' Roll" em seu volume II e está disponível para a leitura a partir da página 195

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