Eis aqui uma
tentativa boa em empreender uma cinebiografia de uma banda, que se não foi uma
mega estrela incontestável na história do Rock, ao menos teve o seu momento com
razoável exposição, ainda que tenha sido curto e além disso, o artista
retratado apresenta alguns méritos musicais e artísticos, sem dúvida. Falo
sobre o grupo de Rock, The Runaways, que teve o seu início e apogeu na segunda
metade dos anos setenta.
Para início de conversa, não é correto afirmar-se que
foi o primeiro grupo inteiramente feminino na história do Rock, pois outras
bandas e inclusive bem mais consistentes, musicalmente a falar, já haviam
construído carreiras robustas, caso por exemplo dos grupos: Pleasure Seekers, Ladybirds, Birtha e
do Fanny (estas duas últimas bandas citadas, aliás, foram espetaculares e que perdoem-me os
fãs das Runaways, mas não há termos de comparação). Isso sem deixar de mencionar que contemporânea do The Runaways, a banda britânica, Girlschool, também chamou a atenção nesse sentido (e com um som ainda mais pesado, no limiar do Heavy-Metal), e claro, Suzi Quatro não pode ser esquecida nesse bojo, embora fosse o caso de uma mulher a atuar com homens em uma banda unissex e nesse sentido, a lista é enorme de exemplos a serem citados, nos mesmos moldes.
Bem, The
Runaways teve o mérito de ter sido formada por meninas muito jovens, é bem
verdade. Ali na média entre quinze anos de idade, não posso deixar de dizer que
a sua formação e ascensão não tenha sido meritória, certamente, mesmo com a
proposta da banda em ater-se ao Rock mais básico, sem nenhum voo musical mais
sofisticado. As meninas mostraram firmeza e foram para o palco com coragem, não
é possível negar-se esse fato histórico e talvez resida aí o seu grande feito, além
de ter revelado o talento individual das guitarristas, Joan Jett e Lita Ford,
quando ambas obtiveram carreira solo mais sólidas, quando adultas, no decorrer
dos anos 1980, em diante.
Sobre o
filme, existem algumas informações interessantes para embasá-lo. O primeiro
ponto é a sua referência como roteiro, que deu-se com o livro autobiográfico da
vocalista, Cherrie Currie, chamado: “Neon Angel” (The Cherie Currie Story).
Outro ponto crucial para a elaboração do roteiro foi que a guitarrista, Joan
Jett, tomou as rédeas dessa assessoria direta, ao assumir a produção do filme.
Nesses termos, Joan manipulou bastante o roteiro, para contar a história em
comum com as suas ex-companheiras, no entanto a valorizar a sua visão dos fatos
e mais do que isso, diminuir bastante a importância das demais e por
conseguinte, enaltecer acintosamente a sua presença na história da banda.
O terceiro
ponto interessante, dá-se com a figura do empresário das Runaways, responsável
pelo seu recrutamento; preparação para enfrentar as agruras de uma banda de
Rock em início de carreira (sobretudo por tratar-se de meninas em meio a um
mundo super masculinizado e misógino/sexista quase que inteiramente). Muito
bem, esse empresário teve de fato esse papel na carreira da banda, mas no
filme, ele não é retratado à altura de sua real importância, e quem não tem
maiores conhecimentos da história do Rock, não tem como imaginar que o
empresário, Kim Fowley, quando conheceu essas meninas, já acumulava muita
história nos bastidores do show business, mundo fonográfico e radiofônico e
fora empresário de inúmeros artistas expressivos.
Para ir além, digo que Kim
Fowley merece ter uma cinebiografia exclusiva e não ficar apenas restrito à
imagem de um freak excêntrico que inventou as Runaways, como passa a sua imagem
neste filme. Somente para resumir e não fugir do assunto, Kim era filho de
atores Hollywoodeanos famosos (Douglas Fowley e Shelby Payne); foi assistente
do famosíssimo radialista, Alan Freed, em 1959; atravessou os anos sessenta a
produzir artistas (o mega sucesso Pop, “Papa-Oom-Mow-Mow” do The Rivingstones,
foi uma de suas produções, por exemplo); trabalhou com Phill Spector e também com
The Byrds, PJ Proby, The Lancasters, Cat Stevens, Frank Zappa and The Mothers
of Invention, The Seekers, Soft Machine e já no avançar dos anos setenta, com
Alice Cooper; Kiss e Leon Russell, portanto, a ostentar uma enorme profusão de
trabalhos realizados.
Bem, o filme
começa com um pequeno perfil de Cherrie Currie (interpretada por Dakota Fanning,
a atriz prodígio), como uma fanática fã de David Bowie, a sonhar em imitá-lo.
Ela pinta-se como como o Bowie retratado na capa do LP Alladin Sane e canta em
um festival escolar a dublar a canção: “Lady Grinning Soul”, do grande
camaleão britânico. Apesar de um pouco hostilizada pela petizada da escola, ela
segue corajosamente em sua imitação singela. Joan Jett (interpretada por
Kristen Stewart, desta feita a criar uma personagem bem mais forte do que a
menina frágil da saga “Crepúsculo”, e que fica indecisa entre namorar um
vampiro ou um lobisomem...), por sua vez, mostra-se bem mais agressiva, a usar
roupas de couro e não ter vergonha de exibir a sua masculinidade recôndita em
público e sendo assim, sonha em ser uma Rocker a la Suzi Quatro, com atitudes
como cuspir na rua igual aos meninos e que tais.
Joan toma coragem e aborda o
empresário, Kim Fowley, a dar a entender que sabe de sua importância no meio,
mas no filme, como eu já alertei sobre tal fato, essa informação não passa
adequadamente como um dado histórico. Ela afirma-lhe que deseja tocar em uma
banda de Rock, mas ele, apesar de certamente tê-la considerado como uma mera pirralha,
gosta da sua atitude e lembra-se que conhece uma garota da mesma idade de Joan,
que toca bateria e também quer formar uma banda, na figura de Sandy West
(interpretada por Stella Maeve). Eis que o estopim foi acionado e Fowley (que é
interpretado por Michael Shannon), passa a orientar as meninas e logo arruma
uma segunda guitarrista e uma baixista. A banda encorpa, e só falta achar uma
vocalista com voz, carisma & atitude para assumir a importante posição de
"frontwoman" da banda.
Nesse ponto, mais uma observação é importante: a
guitarrista, Lita Ford (interpretada por Scout Taylor Comptom), é retratada de
uma forma quase desrespeitosa na trama. Ou seja, Lita Ford parece uma
componente secundária na banda, quando na verdade, na prática da vida real, foi
a melhor musicista da banda e teve uma importância muito maior. No entanto,
cabe explicar que por ocasião do lançamento do livro de Cherrie, Lita já havia
protestado e quando o filme entrou em processo de produção, ela recusou-se a
dar o seu aval, inteiramente contrariada com a forma pela qual seria retratada,
baseada no que já lera no livro.
E convenhamos, na vida real, Lita nutria muita
insatisfação com as ex-companheiras, desde sempre. Outra questão, a baixista da
banda, chamada no filme como: “Robin” (interpretada por Alia Shawkat), foi uma
personagem fictícia a representar simbolicamente as várias baixistas que
passaram pela formação real da banda. De fato, a primeira baixista, Susan Nancy
Thomas, mais conhecida pelo seu apelido, “Michael Steele” (e que nos anos
oitenta seria componente do grupo, também feminino, “The Bangles”), ficou muito
pouco na banda. Jackie Fox veio a seguir e ficou mais famosa na formação “quase”
original e a sua imagem é a que mais marcou nas fotos da banda, no tempo áureo
da carreira. E outra garota, Laurie McAllister, figurou nos tempos finais da
fase boa da banda, até 1979. Enfim, em meio a essa confusão que a banda teve em
sua biografia oficial, a solução em inventar uma baixista fictícia para atuar
no filme e passar despercebida na trama, foi mais uma maneira para jogar a
história real para debaixo do tapete e assim, valorizar-se ainda mais as
figuras de Joan Jett, em uma primeira instância e Cherrie Currie,
posteriormente.
Cenas
engraçadas e perpetradas pelo nada convencional empresário, são boas para
garantir a parte humorística do filme. A presença de um banda de garotos pré
adolescentes e contratados por Kim Fowley para hostilizar as meninas durante o
ensaio, é tratado como um treinamento pelo empresário, para supostamente
preparar as meninas para a vida dura na estrada. Enquanto elas tocam, os
garotos arremessam dejetos nojentos e as xingam, sem parcimônia.
Bem daí em
diante, o filme segue o padrão de uma Rock cinebiografia tradicional, a mostrar
os tempos iniciais difíceis e de fato, a tratar-se de uma marca comum para
qualquer artista, salvo as raríssimas exceções. Alguns pontos interessante são
mostrados, como por exemplo a primeira turnê com as meninas a sofrer todo o
tipo de desconforto na estrada, a tocar em um circuito minúsculo; viajar com um
carro comum e ter pouco apoio de uma equipe técnica semi profissional, tocar em
espeluncas e claro, serem hostilizadas por serem mulheres, muito novas e
inexperientes.
Há uma passagem significativa quando brigam em um trabalho de
soundcheck vespertino e são bastante intimidadas pela banda maior que seria o
headliner da noite. Boatos dão conta de que essa banda possivelmente tenha sido
o "Rush" na vida real, mas essa informação não é confirmada e convenhamos, pelo
que conhece-se da biografia dessa boa banda canadense, não há em princípio,
menção ao tal ocorrido e causa estranheza também, na medida em que os componentes
desse Power-Trio canadense, são reconhecidos pelo padrão de educação pela qual
tratam as pessoas em geral, em via de regra e por conseguinte não adotam o
estilo de Rockers toscos.
Bem, o filme
segue e advém a surpreendente ascensão e de fato, é compreensível que o som
mais rude das Runaways tenha alcançado tal patamar de popularidade naqueles
anos de 1977 em diante, de acordo com o enaltecimento da estética rude imposta pelo Punk Rock em voga.
Isso fica claro quando as meninas parecem coadunar-se com os ventos que vieram
da Inglaterra e soltaram os seus gritos em manifestação de ode aos "Sex Pistols"
e sobretudo por conta das suas ideias em torno do Rock a ser relegado ao ultraje
puro e simples. Que a verdade seja dita, as Runaways soavam muito melhor que os
Sex Pistols, ao praticar um Rock bem cru, mas não deliberadamente mal tocado, portanto, muito
mais próximo da sonoridade do "New York Dolls", um grupo contemporâneo seu.
A reboque,
vem o deslumbramento, crises de ego, drogas & bebedeiras a granel e sim,
sexo, incluso a prática homossexual entre componentes da banda (Joan e Cherrie),
pois essas meninas não furtaram-se aos típicos excessos do mundo do Rock,
somente por serem representantes do sexo feminino e muito pelo contrário, mergulharam
com tudo nessas tentações hedonistas, todas.
Uma parte importante
da carreira da banda é mostrada quando viaja ao Japão para uma turnê e lá, o
sucesso delas mostrara-se retumbante. De fato, isso correspondeu à realidade,
portanto, que bom que foi mostrado.
Entretanto,
o ego falou mais alto e quando uma percebeu que poderia ganhar mais dinheiro do
que as outras e não apenas pela questão musical, tudo arruinou-se. Cherrie era
bonita (Lita, mais ainda, embora no filme essa faceta não seja realçada e creio
que propositalmente para não enaltecê-la). E assim, mediante uma proposta para
realizar um ensaio sensual para uma revista masculina, as demais não gostaram
nem um pouco da atitude tomada pela sua vocalista, sem uma consulta prévia e sobretudo a considerar
o quanto isso refletir-se-ia negativamente na imagem da banda. Em meio às gravações de um
novo álbum, as meninas brigam também por conta de arranjos e maior ou menor
crédito pela autoria das canções. Cherrie surta e sai da banda.
Cherrie
volta para a sua casa, onde vai cuidar de seu pai seriamente doente, junto à
sua irmã gêmea. Ela também sofre por conta das drogas e passa por um
tratamento. Um lapso de tempo não mostra como a banda prosseguiu mais um pouco,
mediante uma troca de formação a arrastar-se aos trancos e barrancos, mas
apenas propõe um salto para oito anos no futuro. Cherrie agora trabalha
humildemente como uma funcionária de uma confeitaria e um dia ouve a canção: ”I
Love Rock’n Roll” oriunda de um disco solo de Joan Jett, a tocar no rádio e
descobre que Joan ficara ainda mais famosa e naquele instante estava presente no
estúdio da emissora para uma entrevista. Cherrie tem o impulso em telefonar para o estúdio da emissora e conversa
ao vivo com Joan, no entanto, o diálogo é muito esquisito, pelo completo
constrangimento generalizado e isso mesmo com o locutor tendo reconhecido a voz
de Cherrie e feito uma introdução calorosa pelo inusitado dessa situação
espontânea.
E fica por
aí o filme, sem muito a acrescentar além de que Cherrie Currie largou tudo e
Joan Jett triunfou em carreira solo, doravante. Ou seja, Lita Ford foi mais uma
vez ignorada e também a baterista, Sandy West, além das baixistas todas que
passaram pela banda, mais ainda. Conclusão, o filme é sobre a carreira das
Runaways, mas toda a glória foi montada para enaltecer Joan Jett, por sua
condução nada isenta como produtora.
O filme,
apesar de tais distorções nada elogiáveis, tem o seu mérito em mostrar as cenas
musicais bem produzidas, na medida das suas necessidade cênicas, o elenco é bom
e a trilha sonora com o som das Runaways e alguns artistas de época (David
Bowie, The Stooges, Sex Pistols e outros), agradável. Tirante as ressalvas que
eu arrolei ao longo da resenha, creio que é válido e merece ser assistido.
Tal obra
teve relativo sucesso em termos de público, entretanto, a crítica foi mais dura
pelo aspecto cinematográfico em si, em detrimento das falhas na biografia da
banda, pois insistiu que a então estreante diretora, Floria Sigismondi, foi
muito pouco ousada, ao fazer uso de uma direção conservadora, no sentido de
seguir a cartilha das cinebiografias típicas para Rock Stars. Isso é verdade e
eu concordo com tal observação, no entanto, há por descontar-se o fato notório
que o roteiro baseado no livro de Cherrie e sobretudo a mão pesada de Joan Jett,
em pessoa, não permitiu que a diretora fosse mais arrojada.
Canções
clássicas do repertório da banda estão ali representadas, como “Cherry Bomb” e
louva-se o esforço das atrizes em aprender a segurar adequadamente os
instrumentos e assim conferir uma fidedignidade mínima à credibilidade das
cenas de shows; ensaios ou sessões de gravação. A maioria das versões são
originais da banda, mas as atrizes, Dakota Fanning e Kristen Stewart, também
cantaram algumas, com um bom resultado.
Além dos
atores já citados, acrescento: Tatum O’Neal (como Marie Harmon); Brett Cullen (como
Mr. Currie, o pai de Cherrie) e outros. Foi dirigido por Floria Sigismondi e
lançado em 2010.
O filme foi disponibilizado nas versões em DVD & Blue Ray e rapidamente seguiu a cadeia tradicional da peregrinação pelas TV’s fechada e aberta. É encontrado com facilidade igualmente no You Tube.
Esta resenha foi escrita para fazer parte do livro: "Luz; Câmera & Rock'n' Roll", através de seu volume II e está disponível para a leitura a partir da página 223
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