quarta-feira, 15 de setembro de 2021

Filme: In His Life (John Lennon, o Mito) - Por Luiz Domingues

Este filme tem a proposta de mostrar a vida de John Lennon de um certo ponto de sua adolescência, até o início do sucesso dos Beatles. Ou seja, trata-se de mais uma obra a abordar tal período. Este em específico, foi uma produção de 2000, contudo, anteriormente tal abordagem praticamente em torno do mesmo período já houvera ocorrido com o filme, “Backbeat” e alguns anos depois, outro filme seria lançado com a mesma proposta, através de, “Nowhere Boy”. Bem, há alguma diferença entre os três filmes, então? Sim, certamente. Primeiramente, é óbvio que existem diferentes nuances na roteirização, linha de direção e atuação dos atores. Outro ponto importante, apesar de ser quase o mesmo período da biografia de John Lennon, cada filme recua ou avança um pouco mais na cronologia a valorizar sutis aspectos diferentes.

Neste caso, “In His Life”, o filme mostra o então ainda pouco conhecido grupo, The Beatles a tocar no Cavern Club de Liverpool, por volta de 1962, logo no início, ainda a exibir os caracteres de apresentação do filme. Corte para um ponto futuro bem adiante, com o primeiro violão de John Lennon em leilão e sob um valor exorbitante: cento e quarenta mil libras. Novo corte a volta brusca ao passado, em algum momento dos anos cinquenta, quando o então adolescente, John Lennon (interpretado por Philip McQuillan), analisa um anúncio de jornal de uma loja de instrumentos musicais, a oferecer um violão por um preço incomensuravelmente mais barato que tal instrumento de segunda mão alcançaria no futuro, pela força das circunstâncias óbvias em torno do que Lennon viria a tornar-se na história da música.

A primeira constatação estética sobre esse filme, não é boa, no entanto, pois chama a atenção que a presença do ator escalado para viver John Lennon, não foi exatamente adequada para o papel, por conta da diferente faixa etária. E nesse caso, não dá para relevar como uma licença poética o fato de que o ator, nitidamente mais maduro do que a personagem de um adolescente que ele defendeu, cause uma estranheza desde o início da obra. A ação prossegue e a menção à idolatria que o adolescente Lennon nutria pela atriz francesa, Brigitte Bardot (considerada por muitos como a garota mais bonita do mundo na ocasião), parece meramente secundária, mas eu penso que a intenção foi situar o espectador a compreender a formação do adolescente, Lennon.

A seguir, surgem algumas cenas da vida escolar tumultuada dele a gerar confusões e ser sistematicamente repreendido por professores e pelo diretor, até que é indicado que ele mude de colégio e busque algo mais a ver com o campo progressista e assim, Lennon é matriculado em uma escola de artes. Esse ponto não seria muito explorado em “Nowhere Boy”, outro filme similar lançado anos depois, e nem mesmo em “Backbeat”, onde pelo contrário, a intenção primordial foi realçar a participação de Stuart “Stu” Sutcliffe, mas a explorar a sua vida com a banda na excursão promovida à Hamburgo, na Alemanha. Em “In His Life”, Stu Sutcliffe foi interpretado pelo ator, Lee Williams. A sua participação na história da banda, nos primórdios dos Beatles, como o “quinto” membro, é valorizada ao mostrar-se a maneira pela qual Lennon e Stu conheceram-se, ou seja, na tal escola de artes. Pois é neste filme portanto, “In His Life” que essa faceta particular da amizade de ambos, é melhor explorada.

Dessa forma, Lennon e Stu são retratados nesse ambiente da escola de artes, portanto um ponto bom para o filme ao mostrar uma faceta importante da vida do cinebiografado em questão. Ocorre então um salto sutil para 1957 e muitas cenas são usadas a retratar o cotidiano de Lennon por Liverpool, inclusive com direito à epifanias certamente arquitetadas para implementar emoção ao filme, que foram acrescidas, como por exemplo as conversas a mencionar Strawberry Fields. John conhece Paul McCartney (interpretado por Daniel McGowan), e nesse ponto a encenação segue a verdade histórica mais ou menos e coaduna-se com os filmes similares a retratar o mesmo fato. 

Pois é, John era bastante ousado, para não usar outro adjetivo e foi grosso com Paul que mostrava-se como um menino mais comedido, sem o mesmo ímpeto. Passa um tempo e com John e Paul mais entrosados, surge a ideia de mais um guitarrista, quando Paul traz um amigo seu, um adolescente ainda mais novo que eles, chamado, George Harrison (interpretado por Mark Rice-Oxley). Lennon reage com um certo desprezo por considerá-lo novo em demasia, mas rende-se à evidência que este garoto era mais técnico à guitarra que ele e Paul, portanto, não haveria sentido recusar a sua entrada na banda, e muito pelo contrário, seria uma péssima estratégia não reforçar o grupo com a entrada desse menino talentoso.

A questão mais pessoal do conflito familiar que ele enfrentou, é abordada com bastante parcimônia neste filme. Bem rapidamente, a questão da relação de Lennon com a sua mãe, é mostrada e também em relação ao pai. Como por exemplo o fato de que Julia Lennon (interpretada por Christine Cavanagh), ensinou banjo para Lennon e portanto, mesmo sem ter a noção da dimensão desse singelo ato, certamente, Julia foi a responsável indireta pelo estopim de uma revolução na música, pode-se afirmar.


Tia Mimi (interpretada por Blair Brown), que de fato criou John, não gosta que o seu sobrinho-filho envolva-se com a música, mas tal conflito, neste filme não é melhor esmiuçado, assim como ocorreria em “Nowhere Boy”. 
Interessante, Stu é mostrado como um talentoso desenhista. Ele vende uma obra, a denotar que teria futuro como artista plástico, mas Lennon o convence a usar o dinheiro ganho com tal venda para comprar um contrabaixo e que ele entrasse na banda. Stu gostava de acompanhar o Rock’n’ Roll em voga, como Lennon e os demais colegas, mas nunca aspirou tornar-se um músico. A sua vocação fora mesmo direcionada às artes plásticas, no entanto, Stu foi persuadido pelo amigo, Lennon, e de fato, a banda “The Quarrymen”, que havia metamorfoseado-se em “Johnny and the “Moondogs” e a seguir em The Silver Beetles”, não conseguia arrumar um baixista. Ele não sabia tocar nenhuma nota, mas John insistiu que ele poderia estudar e que seria tolerado por todos, o período mínimo de aguardo pelo seu desenvolvimento ao instrumento.

Em 1958, a morte trágica de sua mãe verdadeira, Julia Lennon, gerou dor, naturalmente. John aparece a cantar o clássico que imortalizara-se na voz de Elvis Presley, “Love me Tender”, canção que a sua mãe gostava de ouvir.

Uma conversa surge com um empresário de pequeno porte, que oferece à banda a chance para realizar uma turnê bem modesta pela Escócia, mediante cachê baixo e impõe uma condição desagradável, mas realista. Ao notar que Stu Sutcliffe é um músico incipiente ao ponto de denegrir a performance da banda, o sujeito é taxativo em exigir a sua substituição e de forma enfática, alega ter à sua disposição, baixistas profissionais para indicar. John insiste na determinação de que sem Stu a banda não aceita participar e após muita discussão, o homem mal-humorado concorda que Stu permaneça na banda, desde que esforce-se para atingir uma condição técnica melhor.

Uma nova mudança de nome para a banda é ventilada e segundo o filme, veio de Stu a ideia em forjar um neologismo através da junção das palavras “Beetle” (besouro) e “Beat” (batida), para criar a palavra: “Beatles”. Não tenho conhecimento se Stu realmente foi o inventor dessa ideia, mas se isso é um fato verdadeiro da história, eis aí uma grande colaboração que ele deixou para a história do Rock e do mundo, certamente.
A história avança, com Lennon a namorar uma bonita garota da escola, Cynthia Lennon (interpretada por Gillian Kearney), cuja personalidade conservadora mostrava-se antagônica à de Lennon. A banda avança e em um show ainda em Liverpool, Stu comete a imprudência de flertar acintosamente com uma garota da plateia. O namorado da moça enfurece-se, mas Stu não se intimida e além do mais, a moça estava a corresponder, mesmo com o seu namorado ao seu lado. Bem, durante a alta madrugada, a banda estava a carregar o equipamento no carro, quando o tal rapaz ultrajado aparece com amigos e tal bando aplica uma surra em Stu, que estava sozinho a acomodar os volumes no automóvel, nesse instante. Os demais membros da banda aparecem e o ajudam, entretanto, essa cena que parece ter sido algo secundário no roteiro, revela, independente de ter sido algo fidedigno da biografia, uma ocorrência que é bastante comum para qualquer banda, principalmente as que militam no patamar mais baixo da música, a apresentar-se em casa noturnas modestas.
 

Surge o convite para a banda realizar uma turnê em Hamburgo, na Alemanha. Trata-se de um circuito “barra pesada”, a tocar em casas noturnas do cais do porto ou a trocar em miúdos, na zona do meretrício daquela cidade germânica. Tudo bem, fora um avanço para a banda e isso foi o que importou naquele momento. Os jovens alemães, Klaus Voorman (ator não creditado) e Astrid Kirchherr (interpretado por Paline Jonsdottir), são introduzidos na história. Klaus Voorman, que não foi uma pessoa que passou rapidamente na vida dos Beatles e pelo contrário, foi amigo pessoal da banda e mais que isso, tocou com quase todos eles, em suas respectivas carreiras solo, pós-Beatles e foi o autor da capa do LP “Revolver” dos Beatles, lançado em 1966.

No caso da fotógrafa, Astrid Kirchherr, que foi namorada de Stu Sutcliff, ela é bem melhor retratada no filme “Backbeat”, que teve a proposta em mostrar o início dos Beatles sob a ótica desse quinto membro, no caso Stu e nesse caso, Astrid foi uma personagem protagonista da história, contada sob tal ângulo, por formar um casal com Stu.

A história da banda é mostrada nessa temporada na Alemanha, com menção às muitas aventuras loucas que o quinteto ali viveu. Incluso a histórica gravação dos Beatles a acompanhar o cantor, Tony Sheridan, e o posterior lançamento do compacto a conter a regravação do canção: “My Bonnie”. A prisão de George Harrison e posterior deportação pele fato dele ainda ser menor de idade nessa época, flagrado a tocar profissionalmente em uma boite, é explorada, mas como salientei, no filme, “Backbeat”, tal fase da banda é muito melhor retratada.  

De volta à Liverpool, um estranho, porém fundamental fenômeno, ocorre: o tal compacto com The Beatles e Tony Sheridan a interpretar a canção, “My Bonnie” está nas prateleiras da loja de discos, “Nems” em Liverpool. Tal estabelecimento é propriedade de uma família de origem judaica e administrada por um de seus membros, o senhor, Brian Epstein (interpretado por Jamie Glover). Alguns adolescentes entram na loja e pedem cópias dessa gravação e assim, o senhor Epstein demonstra interesse em investigar essa procura súbita por tal artista. Ele recebe a informação que a tal banda é oriunda da cidade e costuma apresentar-se em uma casa noturna conhecida como : “Cavern Club”. Brian prontifica-se a investigar tal fenômeno e lá comparece. Tal cena é bastante edulcorada, pois mostra Brian deslumbrado e ao buscar conhecer os rapazes, fica uma insinuação sobre Brian, que era gay de fato, a mostrar-se encantado com Lennon. 

Nesse ínterim, mostra-se Stu Sutcliffe, que deixara a banda para assumir ficar com Astrid na Alemanha e seguir em seu esforço para firmar-se como artista plástico. Infelizmente, a fatalidade ocorre e Stu morre, muito precocemente, vítima de um tumor cerebral. Astrid comunica o fato aos remanescentes membros dos Beatles, agora a apresentar-se como um quarteto e com Paul McCartney a assumir o baixo.

Uma cena que é plasticamente bonita, mostra a banda, ainda em 1962 a atravessar a famosa, Abbey Road, em direção ao estúdio homônimo, para simular a famosa foto da capa do LP Abbey Road, que só gravariam em 1969.

O produtor de estúdio, George Martin (não creditado no filme), não gosta do baterista, Pete Best e sugere a troca do músico. Curiosamente e sem intenção em estabelecer um julgamento moral de minha parte, os demais membros não brigam com ele para bancar a permanência do companheiro, como houvera acontecido em situação anterior, em relação ao baixista, Stu. Bem, devemos levar em conta que a situação nova ganhara uma dimensão gigantesca. Seria preservar a lealdade interna entre os membros ou perder a chance da vida, portanto foi compreensível pelo peso da situação, embora não tenha sido nada ético.

Cynthia fica grávida e não apenas a tia Mimi fica escandalizada. Agora, em uma banda em plena ascensão, o empresário, Brian Epstein exige que os seus comandados sejam considerados solteiros, exatamente para alimentar a fantasia ingênua do público feminino que o admira e certamente deseja um algo a mais de seus ídolos. Portanto, Lennon é pressionado pela sua tia Mimi a casar-se com a moça e simultaneamente, é instruído profissionalmente pelo seu empresário, Brian Epstein, a ocultar o seu estado civil como se fosse um segredo de estado.

A questão da mudança de visual, é mostrada, como algo importante da biografia dos Beatles. Eles são persuadidos por Brian a deixar o figurino de couro que gostavam de usar (por sentirem-se mais Rockers norte-americanos), em prol de terninhos e botas de cano curto, como um uniforme a ser adotado, doravante. 

Cynthia vai dar a luz e Lennon alega que não pode acompanhar o parto de seu filho, por conta de compromissos e isso choca a tia Mimi. O filme avança e pula muitas etapas do meteórico sucesso que a banda atingiu em 1963. Um pequeno período de férias é anunciado e Lennon declara que viajará para a Espanha, acompanhado por Brian Epstein. Isso suscita uma maledicente suspeita em face do fato de Brian ser gay.  Essa passagem, inclusive, é retratada com maiores detalhes em um filme lançado inclusive, anteriormente, chamado: “The Hours and Times”, em 1991. Aqui, em “In His Life”, Lennon fica furioso quando ouve comentários maliciosos sobre tal viagem significar uma relação homossexual entre ele e Brian.

A banda alcança o primeiro posto nas paradas de sucesso dos Estados Unidos, com a canção: “I Wanna Hold Your Hand” e recebe o convite para apresentar-se no programa ultra popular de TV, Ed Sullivan Show. Lennon visita a tia Mimi e dá-lhe como presente, uma inscrição com o dizeres: “você nunca irá ganhar dinheiro com uma guitarra”, frase lapidar que ela proferira anos antes, em sinal de preocupação com o entusiasmo dele para com a música. O filme encerra-se com uma sucessão de cenas aceleradas a sugerir uma retrospectiva do tudo o que Lennon vivera até ali e frisa em uma “still” a conter a foto dele, John e a sua mãe, Julia, juntos.

Em resumo, repito o que eu já escrevi em outras resenhas sobre filmes a narrar a história dos Beatles e também individualmente de seus componentes, ou seja, falta ainda (2019, quando escrevi esta resenha), um filme mais bem acabado e que retrate a história inteira dos Beatles, à sua altura. Em meio a tantos filmes já lançados ao narrar períodos em específico e não a história completa, eu vejo um lado positivo no entanto, em tantos filmes pontuais, pois inevitavelmente, um resulta em mostrar ou realçar, aspectos que os demais não mostraram. Portanto, melhor que nada, é ter a mesma história contada sob diferentes visões.

Neste caso, creio que “In His Life” não compromete, tem os seus pontos positivos, certamente, mas não chega a empolgar. “Backbeat” é melhor acabado, “Nowhere Boy”, é mais profundo pelo aspecto dramatúrgico e “John and Yoko: A Love Story”, apesar de ser dirigido a uma outra cronologia da vida de Lennon, porta-se melhor por ter arregimentado muito mais informação sobre a carreira e vida pessoal do artista.

Outros atores que participaram para ser citados: Kristian Ealey (como Ringo Starr), Scot Williams (como Pete Best) e Paul Usher (como Freddie Lennon, pai de John), além de outros não creditados.

A música ficou sob a supervisão de Dennis McCarthy. As cenas das bandas preliminares que culminou na formação dos Beatles e mesmo as do Fab Four em si, são curtas, mas não comprometem. Ouve-se bastante material cinquentista, de ótima qualidade a configurar os artistas que John e seus colegas gostavam em escutar, mas com muito maior parcimônia que em relação aos outros filmes citados.
Foi escrito por Michael O’Hara e dirigido por David Carson. O filme foi lançado em dezembro de 2000. Fez um relativo sucesso quando exibido na Rede NBC, que o produziu nos Estados Unidos e rapidamente entrou no circuito das reexibições em outros canais ao redor do mundo. Existe em formato DVD, à venda nos sites e lojas do ramo e é encontrado com facilidade no YouTube, em versão integral. 
 
Não é o melhor filme sobre essa fase da biografia de John Lennon, mas também não pode ser considerado um filme ruim.
 
Esta resenha faz parte do livro: "Luz; Câmera & Rock'n'Roll" em seu volume II, a partir da página 288.

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