Este filme
tem a proposta de mostrar a vida de John Lennon de um certo ponto de sua
adolescência, até o início do sucesso dos Beatles. Ou seja, trata-se de mais
uma obra a abordar tal período. Este em específico, foi uma produção de 2000, contudo,
anteriormente tal abordagem praticamente em torno do mesmo período já houvera
ocorrido com o filme, “Backbeat” e alguns anos depois, outro filme seria
lançado com a mesma proposta, através de, “Nowhere Boy”. Bem, há alguma
diferença entre os três filmes, então? Sim, certamente. Primeiramente, é óbvio
que existem diferentes nuances na roteirização, linha de direção e atuação dos
atores. Outro ponto importante, apesar de ser quase o mesmo período da
biografia de John Lennon, cada filme recua ou avança um pouco mais na
cronologia a valorizar sutis aspectos diferentes.
Neste caso, “In
His Life”, o filme mostra o então ainda pouco conhecido grupo, The Beatles a tocar no Cavern Club de Liverpool, por
volta de 1962, logo no início, ainda a exibir os caracteres de apresentação do
filme. Corte para um ponto futuro bem adiante, com o primeiro violão de John
Lennon em leilão e sob um valor exorbitante: cento e quarenta mil libras. Novo
corte a volta brusca ao passado, em algum momento dos anos cinquenta, quando o então
adolescente, John Lennon (interpretado por Philip McQuillan), analisa um
anúncio de jornal de uma loja de instrumentos musicais, a oferecer um violão por
um preço incomensuravelmente mais barato que tal instrumento de segunda mão
alcançaria no futuro, pela força das circunstâncias óbvias em torno do que
Lennon viria a tornar-se na história da música.
A primeira
constatação estética sobre esse filme, não é boa, no entanto, pois chama a
atenção que a presença do ator escalado para viver John Lennon, não foi
exatamente adequada para o papel, por conta da diferente faixa etária. E nesse
caso, não dá para relevar como uma licença poética o fato de que o ator,
nitidamente mais maduro do que a personagem de um adolescente que ele defendeu,
cause uma estranheza desde o início da obra. A ação prossegue e a menção à
idolatria que o adolescente Lennon nutria pela atriz francesa, Brigitte Bardot
(considerada por muitos como a garota mais bonita do mundo na ocasião), parece
meramente secundária, mas eu penso que a intenção foi situar o espectador a
compreender a formação do adolescente, Lennon.
A seguir, surgem
algumas cenas da vida escolar tumultuada dele a gerar confusões e ser
sistematicamente repreendido por professores e pelo diretor, até que é indicado
que ele mude de colégio e busque algo mais a ver com o campo progressista e
assim, Lennon é matriculado em uma escola de artes. Esse ponto não seria muito
explorado em “Nowhere Boy”, outro filme similar lançado anos depois, e nem
mesmo em “Backbeat”, onde pelo contrário, a intenção primordial foi realçar a
participação de Stuart “Stu” Sutcliffe, mas a explorar a sua vida com a banda
na excursão promovida à Hamburgo, na Alemanha. Em “In His Life”, Stu Sutcliffe
foi interpretado pelo ator, Lee Williams. A sua participação na história da
banda, nos primórdios dos Beatles, como o “quinto” membro, é valorizada ao mostrar-se
a maneira pela qual Lennon e Stu conheceram-se, ou seja, na tal escola de
artes. Pois é neste filme portanto, “In His Life” que essa faceta particular da
amizade de ambos, é melhor explorada.
Dessa forma,
Lennon e Stu são retratados nesse ambiente da escola de artes, portanto um
ponto bom para o filme ao mostrar uma faceta importante da vida do
cinebiografado em questão. Ocorre então um salto sutil para 1957 e muitas cenas são usadas a
retratar o cotidiano de Lennon por Liverpool, inclusive com direito à epifanias
certamente arquitetadas para implementar emoção ao filme, que foram acrescidas,
como por exemplo as conversas a mencionar Strawberry Fields. John conhece Paul
McCartney (interpretado por Daniel McGowan), e nesse ponto a encenação segue a
verdade histórica mais ou menos e coaduna-se com os filmes similares a retratar
o mesmo fato.
Pois é, John era bastante ousado, para não usar outro adjetivo e
foi grosso com Paul que mostrava-se como um menino mais comedido, sem o mesmo
ímpeto. Passa um tempo e com John e Paul mais entrosados, surge a ideia de mais
um guitarrista, quando Paul traz um amigo seu, um adolescente ainda mais novo
que eles, chamado, George Harrison (interpretado por Mark Rice-Oxley). Lennon
reage com um certo desprezo por considerá-lo novo em demasia, mas rende-se à
evidência que este garoto era mais técnico à guitarra que ele e Paul, portanto,
não haveria sentido recusar a sua entrada na banda, e muito pelo contrário,
seria uma péssima estratégia não reforçar o grupo com a entrada desse menino
talentoso.
A questão
mais pessoal do conflito familiar que ele enfrentou, é abordada com bastante
parcimônia neste filme. Bem rapidamente, a questão da relação de Lennon com a
sua mãe, é mostrada e também em relação ao pai. Como por exemplo o fato de que
Julia Lennon (interpretada por Christine Cavanagh), ensinou banjo para Lennon e
portanto, mesmo sem ter a noção da dimensão desse singelo ato, certamente, Julia
foi a responsável indireta pelo estopim de uma revolução na música, pode-se
afirmar.
Tia Mimi
(interpretada por Blair Brown), que de fato criou John, não gosta que o seu
sobrinho-filho envolva-se com a música, mas tal conflito, neste filme não é
melhor esmiuçado, assim como ocorreria em “Nowhere Boy”.
Interessante,
Stu é mostrado como um talentoso desenhista. Ele vende uma obra, a denotar que
teria futuro como artista plástico, mas Lennon o convence a usar o dinheiro
ganho com tal venda para comprar um contrabaixo e que ele entrasse na banda.
Stu gostava de acompanhar o Rock’n’ Roll em voga, como Lennon e os demais
colegas, mas nunca aspirou tornar-se um músico. A sua vocação fora mesmo
direcionada às artes plásticas, no entanto, Stu foi persuadido pelo amigo,
Lennon, e de fato, a banda “The Quarrymen”, que havia metamorfoseado-se em “Johnny
and the “Moondogs” e a seguir em The Silver Beetles”, não conseguia arrumar um
baixista. Ele não sabia tocar nenhuma nota, mas John insistiu que ele poderia
estudar e que seria tolerado por todos, o período mínimo de aguardo pelo seu
desenvolvimento ao instrumento.
Em 1958, a
morte trágica de sua mãe verdadeira, Julia Lennon, gerou dor, naturalmente.
John aparece a cantar o clássico que imortalizara-se na voz de Elvis Presley,
“Love me Tender”, canção que a sua mãe gostava de ouvir.
Uma conversa
surge com um empresário de pequeno porte, que oferece à banda a chance para
realizar uma turnê bem modesta pela Escócia, mediante cachê baixo e impõe uma
condição desagradável, mas realista. Ao notar que Stu Sutcliffe é um músico
incipiente ao ponto de denegrir a performance da banda, o sujeito é taxativo em
exigir a sua substituição e de forma enfática, alega ter à sua disposição, baixistas
profissionais para indicar. John insiste na determinação de que sem Stu a banda
não aceita participar e após muita discussão, o homem mal-humorado concorda que
Stu permaneça na banda, desde que esforce-se para atingir uma condição técnica
melhor.
Uma nova
mudança de nome para a banda é ventilada e segundo o filme, veio de Stu a ideia
em forjar um neologismo através da junção das palavras “Beetle” (besouro) e
“Beat” (batida), para criar a palavra: “Beatles”. Não tenho conhecimento se
Stu realmente foi o inventor dessa ideia, mas se isso é um fato verdadeiro da
história, eis aí uma grande colaboração que ele deixou para a história do Rock
e do mundo, certamente.
A história
avança, com Lennon a namorar uma bonita garota da escola, Cynthia Lennon
(interpretada por Gillian Kearney), cuja personalidade conservadora mostrava-se
antagônica à de Lennon. A banda avança e em um show ainda em Liverpool, Stu
comete a imprudência de flertar acintosamente com uma garota da plateia. O
namorado da moça enfurece-se, mas Stu não se intimida e além do mais, a moça
estava a corresponder, mesmo com o seu namorado ao seu lado. Bem, durante a
alta madrugada, a banda estava a carregar o equipamento no carro, quando o tal
rapaz ultrajado aparece com amigos e tal bando aplica uma surra em Stu, que
estava sozinho a acomodar os volumes no automóvel, nesse instante. Os demais
membros da banda aparecem e o ajudam, entretanto, essa cena que parece ter sido
algo secundário no roteiro, revela, independente de ter sido algo fidedigno da
biografia, uma ocorrência que é bastante comum para qualquer banda, principalmente
as que militam no patamar mais baixo da música, a apresentar-se em casa
noturnas modestas.
Surge o
convite para a banda realizar uma turnê em Hamburgo, na Alemanha. Trata-se de
um circuito “barra pesada”, a tocar em casas noturnas do cais do porto ou a
trocar em miúdos, na zona do meretrício daquela cidade germânica. Tudo bem,
fora um avanço para a banda e isso foi o que importou naquele momento. Os
jovens alemães, Klaus Voorman (ator não creditado) e Astrid Kirchherr
(interpretado por Paline Jonsdottir), são introduzidos na história. Klaus
Voorman, que não foi uma pessoa que passou rapidamente na vida dos Beatles e
pelo contrário, foi amigo pessoal da banda e mais que isso, tocou com quase
todos eles, em suas respectivas carreiras solo, pós-Beatles e foi o autor da
capa do LP “Revolver” dos Beatles, lançado em 1966.
No caso da
fotógrafa, Astrid Kirchherr, que foi namorada de Stu Sutcliff, ela é bem melhor
retratada no filme “Backbeat”, que teve a proposta em mostrar o início dos
Beatles sob a ótica desse quinto membro, no caso Stu e nesse caso, Astrid foi
uma personagem protagonista da história, contada sob tal ângulo, por formar um
casal com Stu.
A história
da banda é mostrada nessa temporada na Alemanha, com menção às muitas aventuras
loucas que o quinteto ali viveu. Incluso a histórica gravação dos Beatles a
acompanhar o cantor, Tony Sheridan, e o posterior lançamento do compacto a
conter a regravação do canção: “My Bonnie”. A prisão de George Harrison e
posterior deportação pele fato dele ainda ser menor de idade nessa época,
flagrado a tocar profissionalmente em uma boite, é explorada, mas como
salientei, no filme, “Backbeat”, tal fase da banda é muito melhor retratada.
De volta à
Liverpool, um estranho, porém fundamental fenômeno, ocorre: o tal compacto com
The Beatles e Tony Sheridan a interpretar a canção, “My Bonnie” está nas
prateleiras da loja de discos, “Nems” em Liverpool. Tal estabelecimento é propriedade
de uma família de origem judaica e administrada por um de seus membros, o
senhor, Brian Epstein (interpretado por Jamie Glover). Alguns adolescentes
entram na loja e pedem cópias dessa gravação e assim, o senhor Epstein
demonstra interesse em investigar essa procura súbita por tal artista. Ele
recebe a informação que a tal banda é oriunda da cidade e costuma apresentar-se
em uma casa noturna conhecida como : “Cavern Club”. Brian prontifica-se a investigar
tal fenômeno e lá comparece. Tal cena é bastante edulcorada, pois mostra Brian
deslumbrado e ao buscar conhecer os rapazes, fica uma insinuação sobre Brian,
que era gay de fato, a mostrar-se encantado com Lennon.
Nesse
ínterim, mostra-se Stu Sutcliffe, que deixara a banda para assumir ficar com
Astrid na Alemanha e seguir em seu esforço para firmar-se como artista
plástico. Infelizmente, a fatalidade ocorre e Stu morre, muito precocemente,
vítima de um tumor cerebral. Astrid comunica o fato aos remanescentes membros
dos Beatles, agora a apresentar-se como um quarteto e com Paul McCartney a
assumir o baixo.
Uma cena que
é plasticamente bonita, mostra a banda, ainda em 1962 a atravessar a famosa,
Abbey Road, em direção ao estúdio homônimo, para simular a famosa foto da capa
do LP Abbey Road, que só gravariam em 1969.
O produtor
de estúdio, George Martin (não creditado no filme), não gosta do baterista,
Pete Best e sugere a troca do músico. Curiosamente e sem intenção em
estabelecer um julgamento moral de minha parte, os demais membros não brigam
com ele para bancar a permanência do companheiro, como houvera acontecido em
situação anterior, em relação ao baixista, Stu. Bem, devemos levar em conta que
a situação nova ganhara uma dimensão gigantesca. Seria preservar a lealdade
interna entre os membros ou perder a chance da vida, portanto foi compreensível
pelo peso da situação, embora não tenha sido nada ético.
Cynthia fica
grávida e não apenas a tia Mimi fica escandalizada. Agora, em uma banda em
plena ascensão, o empresário, Brian Epstein exige que os seus comandados sejam considerados
solteiros, exatamente para alimentar a fantasia ingênua do público feminino que o admira e certamente deseja um algo a mais de seus ídolos.
Portanto, Lennon é pressionado pela sua tia Mimi a casar-se com a moça e simultaneamente,
é instruído profissionalmente pelo seu empresário, Brian Epstein, a ocultar o
seu estado civil como se fosse um segredo de estado.
A questão da
mudança de visual, é mostrada, como algo importante da biografia dos Beatles.
Eles são persuadidos por Brian a deixar o figurino de couro que gostavam de
usar (por sentirem-se mais Rockers norte-americanos), em prol de terninhos e
botas de cano curto, como um uniforme a ser adotado, doravante.
Cynthia vai
dar a luz e Lennon alega que não pode acompanhar o parto de seu filho, por
conta de compromissos e isso choca a tia Mimi. O filme avança e pula muitas
etapas do meteórico sucesso que a banda atingiu em 1963. Um pequeno período de
férias é anunciado e Lennon declara que viajará para a Espanha, acompanhado por
Brian Epstein. Isso suscita uma maledicente suspeita em face do fato de Brian
ser gay. Essa passagem, inclusive, é
retratada com maiores detalhes em um filme lançado inclusive, anteriormente,
chamado: “The Hours and Times”, em 1991. Aqui, em “In His Life”, Lennon fica furioso
quando ouve comentários maliciosos sobre tal viagem significar uma relação
homossexual entre ele e Brian.
A banda
alcança o primeiro posto nas paradas de sucesso dos Estados Unidos, com a
canção: “I Wanna Hold Your Hand” e recebe o convite para apresentar-se no
programa ultra popular de TV, Ed Sullivan Show. Lennon visita a tia Mimi e
dá-lhe como presente, uma inscrição com o dizeres: “você nunca irá ganhar
dinheiro com uma guitarra”, frase lapidar que ela proferira anos antes, em
sinal de preocupação com o entusiasmo dele para com a música. O filme
encerra-se com uma sucessão de cenas aceleradas a sugerir uma retrospectiva do
tudo o que Lennon vivera até ali e frisa em uma “still” a conter a foto dele,
John e a sua mãe, Julia, juntos.
Em resumo,
repito o que eu já escrevi em outras resenhas sobre filmes a narrar a história
dos Beatles e também individualmente de seus componentes, ou seja, falta ainda
(2019, quando escrevi esta resenha), um filme mais bem acabado e que retrate a história inteira dos Beatles,
à sua altura. Em meio a tantos filmes já lançados ao narrar períodos em
específico e não a história completa, eu vejo um lado positivo no entanto, em
tantos filmes pontuais, pois inevitavelmente, um resulta em mostrar ou realçar,
aspectos que os demais não mostraram. Portanto, melhor que nada, é ter a mesma
história contada sob diferentes visões.
Neste caso,
creio que “In His Life” não compromete, tem os seus pontos positivos,
certamente, mas não chega a empolgar. “Backbeat” é melhor acabado, “Nowhere
Boy”, é mais profundo pelo aspecto dramatúrgico e “John and Yoko: A Love Story”,
apesar de ser dirigido a uma outra cronologia da vida de Lennon, porta-se melhor
por ter arregimentado muito mais informação sobre a carreira e vida pessoal do
artista.
Outros
atores que participaram para ser citados: Kristian Ealey (como Ringo Starr),
Scot Williams (como Pete Best) e Paul Usher (como Freddie Lennon, pai de John),
além de outros não creditados.
A música
ficou sob a supervisão de Dennis McCarthy. As cenas das bandas preliminares que
culminou na formação dos Beatles e mesmo as do Fab Four em si, são curtas, mas
não comprometem. Ouve-se bastante material cinquentista, de ótima qualidade a
configurar os artistas que John e seus colegas gostavam em escutar, mas com
muito maior parcimônia que em relação aos outros filmes citados.
Foi escrito
por Michael O’Hara e dirigido por David Carson. O filme foi lançado em dezembro
de 2000. Fez um relativo sucesso quando exibido na Rede NBC, que o produziu nos
Estados Unidos e rapidamente entrou no circuito das reexibições em outros
canais ao redor do mundo. Existe em formato DVD, à venda nos sites e lojas do
ramo e é encontrado com facilidade no YouTube, em versão integral.
Não é o melhor filme sobre essa fase da
biografia de John Lennon, mas também não pode ser considerado um filme ruim.
Esta resenha faz parte do livro: "Luz; Câmera & Rock'n'Roll" em seu volume II, a partir da página 288.
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