Eis aqui um
bom exemplo de um filme obscuro que compensou a sua falta de uma maior
visibilidade em termos de grande público, com a aura adquirida a posteriori, no
sentido da obra ter torna-se um objeto de culto para colecionadores,
entusiastas da contracultura e cinéfilos em geral.
A ideia para
tal produção foi buscar a inspiração direta na história contada no livro
escrito em 1900, por L. Frank Bum e popularizado muito mais pelo advento do
filme produzido em 1939, sob direção de Victor Fleming, onde a cantora/atriz,
Judy Garland brilhou, sem dúvida, no papel de Dorothy: “The Wizard of Oz” (O
Mágico de Oz).
No caso de “Oz,
A Rock’n’ Roll Road Movie”, este filme de origem australiana, lançado em 1976,
a opção por um misto de conceitos foi grande. Primeiramente pelo aspecto em
manter a história próxima do Rock. O segundo ponto para ser observado, foi sobre
a clara intenção de imprimir uma aura em torno de uma obra tipicamente versada
pelo padrão de um Road Movie. E o terceiro aspecto, também por uma questão de
opção, em torno de um aparato visual bem rústico. Os pilares da história original
são observados sutilmente, pois tirante o par de sapatos vermelhos e reluzentes
que a personagem, Dorothy, usa ao longo da história e os momentos inspirados na
estética do Glam-Rock, que são pontuais, toda a ambientação é rústica, dentro
da perspectiva de um Road Movie e nesse aspecto, é óbvio que o fato do filme
ser australiano, auxilia-o em termos visuais, visto que as cenas de estrada,
mostram uma ambientação árida, que muito assemelha-se, geograficamente a
analisar-se, aos desertos do oeste norte-americano.
Outro ponto
importante, o filme tem uma produção muito simples, no entanto, observa em seu
bojo, alguns surpreendentes aspectos positivos. A música, por exemplo, mostra
qualidade. Tal trilha que garante essa boa sonoridade foi composta por membros do
grupo, Daddy Cool, que foi razoavelmente famoso na Austrália, no início dos
anos setenta, e também por algum material de um outro grupo, derivado do
primeiro citado, chamado, Jo Jo Zep and the Falcons.
A história
inicia-se com duas garotas que aproximam-se de uma banda de Rock bastante
incipiente, que apresenta-se em um salão localizado em algum lugar remoto de
beira de estrada. Ambas são nitidamente groupies em busca de aventuras sexuais
com os componentes do grupo. Enquanto a banda toca, observa-se o ambiente praticamente
vazio e entre as poucas pessoas presentes, três ou quatro apenas a demonstrar
estar a gostar da apresentação. Tal grupo fictício, chama-se: Wally and The
Falcons, formado por quatro componentes que serão identificados ao longo do
filme, como alguns dos principais personagens a interagir mais incisivamente na
história. A banda toca muito mal, no entanto, e sendo assim, é claramente uma
ação proposital para o desenvolvimento da história. Trata-se de um Rock rude, a
flertar com o indefectível Punk-Rock e a beirar a cacofonia explícita.
As garotas
flertam com os músicos, acintosamente e assim, quando a apresentação, termina, ajudam
a banda a alojar o equipamento na Kombi dos artistas, e em seguida, partem
junto com eles. Um acidente ocorre e aparentemente todos morrem (ou desmaiam,
isso não fica claro). Dessa forma, em meio aos escombros, uma das garotas, que
chama-se: Dorothy (interpretada por Joy Dunstan), para seguir a sua inspiração
explícita na história clássica, acorda e em meio ao torpor, após verificar que
todos estão desmaiados ou mortos em meio aos destroços, sai a caminhar e chega
então a uma cidade. O filme adquire um aspecto misterioso que poderia sugerir o
advento do estilo terror ou do Sci-Fi, visto que a cidade aparenta estar
abandonada e nesses termos, a garota a caminhar ali, poderia encontrar
múltiplos perigos.
Então ela chega a uma boutique, que visualmente parece ser
uma loja toda decorada sob uma atmosfera hippie. Eis que o dono da loja surge a
configurar-se como um homossexual bastante afetado e claramente inspirado na
estética do Glam-Rock setentista. Trata-se da personagem: Glin, The Good Fairy
(interpretado por Robin Ramsay), ou seja, a fada boa, Glinda, da história
original, que oferece roupas para Dorothy e também os famosos sapatos
vermelhos, com poderes mágicos, que ela prontamente aceita por ter perdido os
seus, no acidente. Subitamente, uma pequena multidão formada por idosos surge
na porta da boutique, a denotar desaprovar a presença de Dorothy na localidade,
mas Glin, o dono da boutique, minimiza e continua a tratar bem a moça.
Eis que
um homem rude surge a fazer uma acusação grave, ao dar conta que o acidente em
que Dorothy esteve envolvida, gerou a morte de seu irmão. Ele apresenta-se como
o “caminhoneiro” e que aliás, também fora o segurança da casa de espetáculo ao
início da história (neste filme, interpretado por um ator creditado como: “Ned
Kelly”). Ora, que delírio se isso foi proposital para evocar um ícone da
cultura australiana ou por haver tratado-se de uma mera coincidência do ator em
questão, ter esse nome, pois Ned Kelly foi um famoso bandido australiano que
viveu no século XIX, e que ao enfrentar o governo, ficara com a sua imagem glamorizada
perante a opinião pública de sua época, mais ou menos como Billy The Kid
experimentara o mesmo feito no velho oeste da América do Norte e Lampião, no
nordeste do Brasil. Há inclusive, um filme lançado em 1970, chamado exatamente,
“Ned Kelly” e que tem como ator a interpretar o próprio, Ned Kelly, ninguém
menos que Mick Jagger, o grande astro e vocalista dos Rolling Stones.
Ainda na loja, Glin adverte Dorothy que ela precisa
buscar o que procura com um outro personagem, “The Wizard”, que na trama, é
retratado como um cantor de Glam-Rock, andrógino, ao estilo de David Bowie. Ele
mostra a imagem do cantor para Dorothy, que está afixada na parede mediante um
pôster e fica claro que esse “The Wizard” é interpretado pelo mesmo ator que
aparecera no começo do filme, como o cantor da banda Punk, Wally and the
Falcons (interpretado por Graham Matters). Aliás, tal ator faz outros papéis no
decorrer do filme.
A moça sai
da tal loja e ao enveredar por um estrada, encontra um rapaz que aparenta estar
desolado, pelo fato do pneu do seu automóvel estar murcho. Apesar de ser um rapaz
com porte físico, denota em seu modo de portar-se, estar inseguro e assim, por
incrível que pareça, Dorothy, que é mulher e seguramente tem a metade do seu
tamanho, é quem o ajuda a trocar o pneu. O rapaz é um personagem que já houvera
participado anteriormente, ao ter interpretado o baixista da banda Wally and
The Falcons. Desta feita, ele é apresentado simplesmente como o “surfista”
(interpretado por Bruce Spence), a carregar uma prancha na capota de seu
automóvel. E certamente a representar simbolicamente o personagem do homem de
palha, desprovido de inteligência, representado na história original. É neste
momento que o filme adquire de fato uma roupagem como Roadie Movie, pois
Dorothy sai com ele ao aceitar a carona e daqui em diante, as cenas de estrada
regadas a Rock’n’Roll, serão constantes.
Em um posto
de gasolina remoto ao longo da estrada, o surfista estaciona o carro para abastecer.
Enquanto Dorothy e o surfista entram na lanchonete para comer algo, eis que
surge o homem rude que a abordara a culpá-la por ter provocado a morte de seu irmão.
Mas ele não quer apenas isso, pois fica explícito que pretende estuprá-la, ao
tornar a fantasia supostamente com teor infantil, bem mais pesada, digamos. Ela
consegue desvencilhar-se e sem que o surfista perceba a gravidade da situação,
o induz a entrar rapidamente no carro e fugir dali. Naturalmente que tal
personagem representa, Baba Yaga, a bruxa malvada do livro original.
Neste ponto,
tornou-se óbvia a referência ao filme: “Duel” (“Acossado”), de Steven
Spielberg, e lançado em 1971, visto que o tal caminhoneiro passa a perseguir a
moça pela estrada, a bordo dos seu caminhão, tal como no filme de Spielberg.
Em outra
parada na estrada, o surfista e Dorothy param em um posto onde o mecânico de
plantão, sabota o carro do casal para forçar a efetuação do serviço ou por pura
maldade. Trata-se do personagem do mecânico (interpretado por Michael Carman),
que também fora o baterista da banda no início da história. Ao parecer um
sujeito desalmado, logicamente faz as vezes do personagem do espantalho sem
sentimentos, do filme original e que necessitava adquirir um coração para poder
adquirir o sentido da empatia. Surge mais um personagem, um motociclista todo
cheio de agressividade, mas que na verdade, mostra-se um completo covarde, e
certamente a representar o leão medroso da história clássica. Tal personagem é
o “motociclista”, que fora também o guitarrista do começo do filme e foi
interpretado por Gary Wadell.
Em meio a
diálogos rudes, a realçar os arquétipos de cada personagem, mas em linguajar pleno
de gírias e a denotar uma atitude Rocker, eis que Dorothy percebe apavorada, a
aproximação do caminhão de seu perseguidor e assim, não reluta e entra no carro
do mecânico a convoca-lo a sair rapidamente do posto. Eles seguem na estrada e o
Blues-Rock contido da trilha sonora mais uma vez pontua as boas cenas do carro
a trafegar por uma pista vazia, em meio ao deserto australiano. No entanto,
lastimavelmente, o radiador do carro vintage do mecânico, esquenta e ele parece
não importar-se em ter ficado no meio do deserto com um carro inutilizado,
somente amparado pelo fato de possui muita cerveja a bordo. O que não deixa por
suscitar o raciocínio do espectador em torno do paradoxo, pois é lógico que a
cerveja vai acabar em algum momento próximo e assim, reforça-se a ideia de que
ele não pensa em outro fator, a não ser em seu prazer imediato.
Dorothy
segue a caminhar, pois tem em mente que precisa cumprir a sua missão em dirigir-se
à cidade das esmeraldas e encontrar-se com o mago. Inverossímel, certamente,
mas ela sai resoluta a caminhar pelo asfalto tórrido, cercada pelo deserto e
sob o sol escaldante. Entretanto, logo aparece a assustadora imagem do caminhão
do seu perseguidor e por sorte, o motoqueiro que encontrara no posto aparece de
súbito e a resgata. Segue uma cena onde param para refrescar-se em uma praia;
andam por dunas e fumam maconha. Glin (a fada), no caso, o dono da boutique,
aparece e reafirma os propósitos de Dorothy. Ela vê o caminhoneiro a caminhar
pelas dunas de areia da praia e logicamente se apressa em evadir-se do local. A
moto quebra em um momento a seguir, mas eis que o carro do surfista chega com o
mecânico em sua companhia e todos seguem juntos no mesmo automóvel então, rumo
à cidade grande, que no caso é Melbourne. Ali na loucura urbana, vê-se o
caminhão a segui-los.
Dorothy sai
em sua busca, a pé, e ao encontrar uma loja de discos, onde pensa que
encontrará, “The Wizard”, tem o azar em ter chegado no horário em que a loja
estava fechada, fora do seu expediente. O dono da loja, é novamente o ator que
interpretara o cantor do começo, Graham Matter. Ela entra em um bonde a seguir
e o cobrador da passagem deste veículo público, é novamente o mesmo ator. O
caminhoneiro não desiste e é visto sempre em seu encalço.
Ela adentra então
o ambiente do Palais Theater e o porteiro não deixa que os seus amigos entrem
consigo, apenas ela. O porteiro é mais uma vez interpretado por Graham Matters.
Finalmente ela vê o mago, pois o show em questão é do The Wizard. Cem por cento
inspirado em estética Glitter-Rock, o cantor, The Wizard, que novamente é
interpretado pelo ator, Graham Matter é absolutamente inspirado em David Bowie,
com androginia total e a evocar motivações em torno da cultura Pop Sci-Fi. A
banda que o acompanha trata-se de um trio e é formada pelos três atores que
também compunham a banda do início e que interpretaram respectivamente, o
surfista; o mecânico e o motociclista.
Desta feita, ao contrário do início do
filme, interpretam uma outra banda e tocam muito bem, com um som vigoroso em
torno do Glam-Rock setentista e a conter sutis insinuações ao Space Rock,
inspiradas por bandas reais como o Soft Machine, Pink Floyd e Hawkwind. O
número musical surpreende muito pelos efeitos; boa execução musical;
performance e figurino dos músicos, mas também pelo uso de efeitos psicodélicos
nas imagens, muito interessantes. Proposital, certamente, pois o diretor do
filme, Chris Löfvén, e a co-produtora, Lyne Helms (Chris também produziu),
adoravam a estética do Glam-Rock britânico e tal influência fora uma escolha
natural para ambos.
Há por registrar-se que a cena do show ao vivo foi filmada
com um equipamento de som & luz e público verdadeiro, no Myer Music Bowl em
Melbourne, e o show em questão foi do AC-DC, que não apareceu no filme, mas emprestou
toda a sua infraestrutura, incluso o seu público, para aproveitar-se a
atmosfera de um show de Rock genuíno.
Dorothy
assiste a desmontagem do palco, exatamente como fizera no início do filme ao
assistir o show do grupo Wally and The Falcons. Na saída do teatro, uma briga
ocorre entre capangas do caminhoneiro e os amigos de Dorothy e os meliantes a
sequestram. O caminhoneiro a tranca em um quarto cujas paredes estão forradas
por posters a exibir mulheres nuas. Sob um torpor, ela vê o rosto do cantor, “The
Wizard, em um aparelho de TV desligado. Bem, o clima esquenta, pois o
caminhoneiro exige que ela se dispa, e mediante o “poder” conferido pelo uso do
seu sapato vermelho mágico, ela chuta as partes baixas do sujeito, e
desvencilha-se do seu ataque. Convenhamos, um chute desferido com vigor em tal
parte da anatomia masculina, nem precisa ser realizado mediante o uso de algum
sapato mágico, para gerar um estrago e tanto.
Os amigos de
Dorothy a resgatam e todos vão imediatamente para um saguão de hotel ou coisa
que o valha, onde um cocktail com várias convidados está a acontecer em
homenagem ao cantor, The Wizard. É notório tratar-se de um ambiente gay, dado a
grande profusão de pessoas andróginas ali presentes. A moça que acompanhava
Dorothy, logo no começo do filme, Jane (interpretada por Paula Maxwell), está
ali como uma groupie a servir sexualmente o tal, The Wizard.
Quando
Dorothy tira o sapato vermelho mágico, ela também inicia uma relação sexual com
o cantor, The Wizard, porém os sapatos são arremessados para quebrar um espelho
e daí o encanto encerra-se e ela volta à cena do acidente da Kombi, com os
personagens iniciais a reanimá-la no local onde desmaiara. Fim da aventura.
Graham
Matters também era cantor na vida real e isso explica a sua boa interpretação
como vocalista de Rock. A atriz, Joy Dunstan era bem nova na ocasião, mas tinha
uma certa experiência pregressa, inclusive no teatro a encenar musicais. Bruce
Spence fez carreira internacional como ator ao participar de filmes famosos,
com “Jaws” (Tubarão); “Star Wars III” e “Mad Max” entre muitos outros. Com
quase dois metros de altura, chama a atenção por interpretar personagens mais
truculentos geralmente, em outras produções, mas aqui em “OZ”, curiosamente
interpretou um sujeito dócil, o arquétipo do homem de palha, sem inteligência,
do Mágico de OZ original. Michael Carman também construiu uma longa carreira
nos Estados Unidos, com muitos filmes no currículo. O mesmo caso de Gary
Wadell, que possui muitos filmes em seu portfólio. Robin Ramsay ficou mais
restrito à produção australiana, mas a sua filmografia é significativa. E o
diretor, Chris Löfvén, fez mais alguns filmes, mas a sua atuação posterior
centrou-se muito mais no universo dos vídeoclips para servir artistas da música
em geral, porém a observar as bandas de Rock em predomínio.
Enfim, a
fábula segue quase ipsis litteris a cronologia do livro e do filme clássico de
1939, entretanto a alimentar inúmeras modificações para imprimir uma visão em
torno do Rock e da estética do Road Movie com ares contraculturais. Sob direção
de Chris Lövén, foi lançado em 1976, e nas salas de cinema não foi bem na
época. Recebeu no entanto, boas críticas, por incrível que pareça, pois a
tendência seria o contrário, pois arriscou bastante ao ter inspirado-se em um
clássico da literatura infantil e sobretudo pela comparação inevitável com o
filme de 1939, que é considerado intocável, por motivos óbvios.
Portanto, foi
uma surpresa não ter sido sumariamente destruído pela crítica, tendo em vista
que a tendência seria ter sido considerado como uma peça grotesca. Dois anos
depois, em 1978, o cinema norte-americano peso pesado, via Hollywood, cometeu
outra versão inspirada no Mágico de Oz, desta feita com o filme, “The Wiz”,
inteiramente amparado musicalmente na estética da Black Music e a conter astros
como Michael Jackson e Diana Ross entre os principais atores.
“Oz, A Rock’n’n
Roll Road Movie”, surpreende pelos aspectos arrolados ao longo desta resenha e
certamente que vale a pena ser assistido por tais detalhes. Obscuro nos dias
atuais, tal filme é encontrado no entanto em versão DVD, e está disponível para
ser assistido na íntegra, através do YouTube.
Esta resenha foi escrita para fazer parte do livro: "Luz, Câmera & Rock'n' Roll" em seu volume III e está disponível para a leitura a partir da página 35.
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