segunda-feira, 30 de janeiro de 2023

Filme: Oz, A Rock'n' Roll Road Movie - Por Luiz Domingues

Eis aqui um bom exemplo de um filme obscuro que compensou a sua falta de uma maior visibilidade em termos de grande público, com a aura adquirida a posteriori, no sentido da obra ter torna-se um objeto de culto para colecionadores, entusiastas da contracultura e cinéfilos em geral.

A ideia para tal produção foi buscar a inspiração direta na história contada no livro escrito em 1900, por L. Frank Bum e popularizado muito mais pelo advento do filme produzido em 1939, sob direção de Victor Fleming, onde a cantora/atriz, Judy Garland brilhou, sem dúvida, no papel de Dorothy: “The Wizard of Oz” (O Mágico de Oz).

No caso de “Oz, A Rock’n’ Roll Road Movie”, este filme de origem australiana, lançado em 1976, a opção por um misto de conceitos foi grande. Primeiramente pelo aspecto em manter a história próxima do Rock. O segundo ponto para ser observado, foi sobre a clara intenção de imprimir uma aura em torno de uma obra tipicamente versada pelo padrão de um Road Movie. E o terceiro aspecto, também por uma questão de opção, em torno de um aparato visual bem rústico. Os pilares da história original são observados sutilmente, pois tirante o par de sapatos vermelhos e reluzentes que a personagem, Dorothy, usa ao longo da história e os momentos inspirados na estética do Glam-Rock, que são pontuais, toda a ambientação é rústica, dentro da perspectiva de um Road Movie e nesse aspecto, é óbvio que o fato do filme ser australiano, auxilia-o em termos visuais, visto que as cenas de estrada, mostram uma ambientação árida, que muito assemelha-se, geograficamente a analisar-se, aos desertos do oeste norte-americano.

Outro ponto importante, o filme tem uma produção muito simples, no entanto, observa em seu bojo, alguns surpreendentes aspectos positivos. A música, por exemplo, mostra qualidade. Tal trilha que garante essa boa sonoridade foi composta por membros do grupo, Daddy Cool, que foi razoavelmente famoso na Austrália, no início dos anos setenta, e também por algum material de um outro grupo, derivado do primeiro citado, chamado, Jo Jo Zep and the Falcons.

A história inicia-se com duas garotas que aproximam-se de uma banda de Rock bastante incipiente, que apresenta-se em um salão localizado em algum lugar remoto de beira de estrada. Ambas são nitidamente groupies em busca de aventuras sexuais com os componentes do grupo. Enquanto a banda toca, observa-se o ambiente praticamente vazio e entre as poucas pessoas presentes, três ou quatro apenas a demonstrar estar a gostar da apresentação. Tal grupo fictício, chama-se: Wally and The Falcons, formado por quatro componentes que serão identificados ao longo do filme, como alguns dos principais personagens a interagir mais incisivamente na história. A banda toca muito mal, no entanto, e sendo assim, é claramente uma ação proposital para o desenvolvimento da história. Trata-se de um Rock rude, a flertar com o indefectível Punk-Rock e a beirar a cacofonia explícita.

As garotas flertam com os músicos, acintosamente e assim, quando a apresentação, termina, ajudam a banda a alojar o equipamento na Kombi dos artistas, e em seguida, partem junto com eles. Um acidente ocorre e aparentemente todos morrem (ou desmaiam, isso não fica claro). Dessa forma, em meio aos escombros, uma das garotas, que chama-se: Dorothy (interpretada por Joy Dunstan), para seguir a sua inspiração explícita na história clássica, acorda e em meio ao torpor, após verificar que todos estão desmaiados ou mortos em meio aos destroços, sai a caminhar e chega então a uma cidade. O filme adquire um aspecto misterioso que poderia sugerir o advento do estilo terror ou do Sci-Fi, visto que a cidade aparenta estar abandonada e nesses termos, a garota a caminhar ali, poderia encontrar múltiplos perigos.

Então ela chega a uma boutique, que visualmente parece ser uma loja toda decorada sob uma atmosfera hippie. Eis que o dono da loja surge a configurar-se como um homossexual bastante afetado e claramente inspirado na estética do Glam-Rock setentista. Trata-se da personagem: Glin, The Good Fairy (interpretado por Robin Ramsay), ou seja, a fada boa, Glinda, da história original, que oferece roupas para Dorothy e também os famosos sapatos vermelhos, com poderes mágicos, que ela prontamente aceita por ter perdido os seus, no acidente. Subitamente, uma pequena multidão formada por idosos surge na porta da boutique, a denotar desaprovar a presença de Dorothy na localidade, mas Glin, o dono da boutique, minimiza e continua a tratar bem a moça. 

Eis que um homem rude surge a fazer uma acusação grave, ao dar conta que o acidente em que Dorothy esteve envolvida, gerou a morte de seu irmão. Ele apresenta-se como o “caminhoneiro” e que aliás, também fora o segurança da casa de espetáculo ao início da história (neste filme, interpretado por um ator creditado como: “Ned Kelly”). Ora, que delírio se isso foi proposital para evocar um ícone da cultura australiana ou por haver tratado-se de uma mera coincidência do ator em questão, ter esse nome, pois Ned Kelly foi um famoso bandido australiano que viveu no século XIX, e que ao enfrentar o governo, ficara com a sua imagem glamorizada perante a opinião pública de sua época, mais ou menos como Billy The Kid experimentara o mesmo feito no velho oeste da América do Norte e Lampião, no nordeste do Brasil. Há inclusive, um filme lançado em 1970, chamado exatamente, “Ned Kelly” e que tem como ator a interpretar o próprio, Ned Kelly, ninguém menos que Mick Jagger, o grande astro e vocalista dos Rolling Stones. 

Ainda na loja, Glin adverte Dorothy que ela precisa buscar o que procura com um outro personagem, “The Wizard”, que na trama, é retratado como um cantor de Glam-Rock, andrógino, ao estilo de David Bowie. Ele mostra a imagem do cantor para Dorothy, que está afixada na parede mediante um pôster e fica claro que esse “The Wizard” é interpretado pelo mesmo ator que aparecera no começo do filme, como o cantor da banda Punk, Wally and the Falcons (interpretado por Graham Matters). Aliás, tal ator faz outros papéis no decorrer do filme.

A moça sai da tal loja e ao enveredar por um estrada, encontra um rapaz que aparenta estar desolado, pelo fato do pneu do seu automóvel estar murcho. Apesar de ser um rapaz com porte físico, denota em seu modo de portar-se, estar inseguro e assim, por incrível que pareça, Dorothy, que é mulher e seguramente tem a metade do seu tamanho, é quem o ajuda a trocar o pneu. O rapaz é um personagem que já houvera participado anteriormente, ao ter interpretado o baixista da banda Wally and The Falcons. Desta feita, ele é apresentado simplesmente como o “surfista” (interpretado por Bruce Spence), a carregar uma prancha na capota de seu automóvel. E certamente a representar simbolicamente o personagem do homem de palha, desprovido de inteligência, representado na história original. É neste momento que o filme adquire de fato uma roupagem como Roadie Movie, pois Dorothy sai com ele ao aceitar a carona e daqui em diante, as cenas de estrada regadas a Rock’n’Roll, serão constantes.

Em um posto de gasolina remoto ao longo da estrada, o surfista estaciona o carro para abastecer. Enquanto Dorothy e o surfista entram na lanchonete para comer algo, eis que surge o homem rude que a abordara a culpá-la por ter provocado a morte de seu irmão. Mas ele não quer apenas isso, pois fica explícito que pretende estuprá-la, ao tornar a fantasia supostamente com teor infantil, bem mais pesada, digamos. Ela consegue desvencilhar-se e sem que o surfista perceba a gravidade da situação, o induz a entrar rapidamente no carro e fugir dali. Naturalmente que tal personagem representa, Baba Yaga, a bruxa malvada do livro original.

Neste ponto, tornou-se óbvia a referência ao filme: “Duel” (“Acossado”), de Steven Spielberg, e lançado em 1971, visto que o tal caminhoneiro passa a perseguir a moça pela estrada, a bordo dos seu caminhão, tal como no filme de Spielberg.
Em outra parada na estrada, o surfista e Dorothy param em um posto onde o mecânico de plantão, sabota o carro do casal para forçar a efetuação do serviço ou por pura maldade. Trata-se do personagem do mecânico (interpretado por Michael Carman), que também fora o baterista da banda no início da história. Ao parecer um sujeito desalmado, logicamente faz as vezes do personagem do espantalho sem sentimentos, do filme original e que necessitava adquirir um coração para poder adquirir o sentido da empatia. Surge mais um personagem, um motociclista todo cheio de agressividade, mas que na verdade, mostra-se um completo covarde, e certamente a representar o leão medroso da história clássica. Tal personagem é o “motociclista”, que fora também o guitarrista do começo do filme e foi interpretado por Gary Wadell.
Em meio a diálogos rudes, a realçar os arquétipos de cada personagem, mas em linguajar pleno de gírias e a denotar uma atitude Rocker, eis que Dorothy percebe apavorada, a aproximação do caminhão de seu perseguidor e assim, não reluta e entra no carro do mecânico a convoca-lo a sair rapidamente do posto. Eles seguem na estrada e o Blues-Rock contido da trilha sonora mais uma vez pontua as boas cenas do carro a trafegar por uma pista vazia, em meio ao deserto australiano. No entanto, lastimavelmente, o radiador do carro vintage do mecânico, esquenta e ele parece não importar-se em ter ficado no meio do deserto com um carro inutilizado, somente amparado pelo fato de possui muita cerveja a bordo. O que não deixa por suscitar o raciocínio do espectador em torno do paradoxo, pois é lógico que a cerveja vai acabar em algum momento próximo e assim, reforça-se a ideia de que ele não pensa em outro fator, a não ser em seu prazer imediato.
Dorothy segue a caminhar, pois tem em mente que precisa cumprir a sua missão em dirigir-se à cidade das esmeraldas e encontrar-se com o mago. Inverossímel, certamente, mas ela sai resoluta a caminhar pelo asfalto tórrido, cercada pelo deserto e sob o sol escaldante. Entretanto, logo aparece a assustadora imagem do caminhão do seu perseguidor e por sorte, o motoqueiro que encontrara no posto aparece de súbito e a resgata. Segue uma cena onde param para refrescar-se em uma praia; andam por dunas e fumam maconha. Glin (a fada), no caso, o dono da boutique, aparece e reafirma os propósitos de Dorothy. Ela vê o caminhoneiro a caminhar pelas dunas de areia da praia e logicamente se apressa em evadir-se do local. A moto quebra em um momento a seguir, mas eis que o carro do surfista chega com o mecânico em sua companhia e todos seguem juntos no mesmo automóvel então, rumo à cidade grande, que no caso é Melbourne. Ali na loucura urbana, vê-se o caminhão a segui-los.

Dorothy sai em sua busca, a pé, e ao encontrar uma loja de discos, onde pensa que encontrará, “The Wizard”, tem o azar em ter chegado no horário em que a loja estava fechada, fora do seu expediente. O dono da loja, é novamente o ator que interpretara o cantor do começo, Graham Matter. Ela entra em um bonde a seguir e o cobrador da passagem deste veículo público, é novamente o mesmo ator. O caminhoneiro não desiste e é visto sempre em seu encalço.
Ela adentra então o ambiente do Palais Theater e o porteiro não deixa que os seus amigos entrem consigo, apenas ela. O porteiro é mais uma vez interpretado por Graham Matters. Finalmente ela vê o mago, pois o show em questão é do The Wizard. Cem por cento inspirado em estética Glitter-Rock, o cantor, The Wizard, que novamente é interpretado pelo ator, Graham Matter é absolutamente inspirado em David Bowie, com androginia total e a evocar motivações em torno da cultura Pop Sci-Fi. A banda que o acompanha trata-se de um trio e é formada pelos três atores que também compunham a banda do início e que interpretaram respectivamente, o surfista; o mecânico e o motociclista. 
 
Desta feita, ao contrário do início do filme, interpretam uma outra banda e tocam muito bem, com um som vigoroso em torno do Glam-Rock setentista e a conter sutis insinuações ao Space Rock, inspiradas por bandas reais como o Soft Machine, Pink Floyd e Hawkwind. O número musical surpreende muito pelos efeitos; boa execução musical; performance e figurino dos músicos, mas também pelo uso de efeitos psicodélicos nas imagens, muito interessantes. Proposital, certamente, pois o diretor do filme, Chris Löfvén, e a co-produtora, Lyne Helms (Chris também produziu), adoravam a estética do Glam-Rock britânico e tal influência fora uma escolha natural para ambos. 
 
Há por registrar-se que a cena do show ao vivo foi filmada com um equipamento de som & luz e público verdadeiro, no Myer Music Bowl em Melbourne, e o show em questão foi do AC-DC, que não apareceu no filme, mas emprestou toda a sua infraestrutura, incluso o seu público, para aproveitar-se a atmosfera de um show de Rock genuíno.
Dorothy assiste a desmontagem do palco, exatamente como fizera no início do filme ao assistir o show do grupo Wally and The Falcons. Na saída do teatro, uma briga ocorre entre capangas do caminhoneiro e os amigos de Dorothy e os meliantes a sequestram. O caminhoneiro a tranca em um quarto cujas paredes estão forradas por posters a exibir mulheres nuas. Sob um torpor, ela vê o rosto do cantor, “The Wizard, em um aparelho de TV desligado. Bem, o clima esquenta, pois o caminhoneiro exige que ela se dispa, e mediante o “poder” conferido pelo uso do seu sapato vermelho mágico, ela chuta as partes baixas do sujeito, e desvencilha-se do seu ataque. Convenhamos, um chute desferido com vigor em tal parte da anatomia masculina, nem precisa ser realizado mediante o uso de algum sapato mágico, para gerar um estrago e tanto.

Os amigos de Dorothy a resgatam e todos vão imediatamente para um saguão de hotel ou coisa que o valha, onde um cocktail com várias convidados está a acontecer em homenagem ao cantor, The Wizard. É notório tratar-se de um ambiente gay, dado a grande profusão de pessoas andróginas ali presentes. A moça que acompanhava Dorothy, logo no começo do filme, Jane (interpretada por Paula Maxwell), está ali como uma groupie a servir sexualmente o tal, The Wizard.

Quando Dorothy tira o sapato vermelho mágico, ela também inicia uma relação sexual com o cantor, The Wizard, porém os sapatos são arremessados para quebrar um espelho e daí o encanto encerra-se e ela volta à cena do acidente da Kombi, com os personagens iniciais a reanimá-la no local onde desmaiara. Fim da aventura.

Graham Matters também era cantor na vida real e isso explica a sua boa interpretação como vocalista de Rock. A atriz, Joy Dunstan era bem nova na ocasião, mas tinha uma certa experiência pregressa, inclusive no teatro a encenar musicais. Bruce Spence fez carreira internacional como ator ao participar de filmes famosos, com “Jaws” (Tubarão); “Star Wars III” e “Mad Max” entre muitos outros. Com quase dois metros de altura, chama a atenção por interpretar personagens mais truculentos geralmente, em outras produções, mas aqui em “OZ”, curiosamente interpretou um sujeito dócil, o arquétipo do homem de palha, sem inteligência, do Mágico de OZ original. Michael Carman também construiu uma longa carreira nos Estados Unidos, com muitos filmes no currículo. O mesmo caso de Gary Wadell, que possui muitos filmes em seu portfólio. Robin Ramsay ficou mais restrito à produção australiana, mas a sua filmografia é significativa. E o diretor, Chris Löfvén, fez mais alguns filmes, mas a sua atuação posterior centrou-se muito mais no universo dos vídeoclips para servir artistas da música em geral, porém a observar as bandas de Rock em predomínio.  

Enfim, a fábula segue quase ipsis litteris a cronologia do livro e do filme clássico de 1939, entretanto a alimentar inúmeras modificações para imprimir uma visão em torno do Rock e da estética do Road Movie com ares contraculturais. Sob direção de Chris Lövén, foi lançado em 1976, e nas salas de cinema não foi bem na época. Recebeu no entanto, boas críticas, por incrível que pareça, pois a tendência seria o contrário, pois arriscou bastante ao ter inspirado-se em um clássico da literatura infantil e sobretudo pela comparação inevitável com o filme de 1939, que é considerado intocável, por motivos óbvios. 

Portanto, foi uma surpresa não ter sido sumariamente destruído pela crítica, tendo em vista que a tendência seria ter sido considerado como uma peça grotesca. Dois anos depois, em 1978, o cinema norte-americano peso pesado, via Hollywood, cometeu outra versão inspirada no Mágico de Oz, desta feita com o filme, “The Wiz”, inteiramente amparado musicalmente na estética da Black Music e a conter astros como Michael Jackson e Diana Ross entre os principais atores.  

“Oz, A Rock’n’n Roll Road Movie”, surpreende pelos aspectos arrolados ao longo desta resenha e certamente que vale a pena ser assistido por tais detalhes. Obscuro nos dias atuais, tal filme é encontrado no entanto em versão DVD, e está disponível para ser assistido na íntegra, através do YouTube.
Esta resenha foi escrita para fazer parte do livro: "Luz, Câmera & Rock'n' Roll" em seu volume III e está disponível para a leitura a partir da página 35.

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