segunda-feira, 3 de abril de 2023

CD Um banquete para a loucura/Capitão Bourbon - Por Luiz Domingues

Foi com alegria que eu recebi a notícia de que o grupo de Rock, "Capitão Bourbon", lançara um novo álbum em 2023. Em 2017, eu já havia publicado a resenha com a minha análise sobre o trabalho anterior da banda (CD "Terra em Transe", leia a resenha através do link: http://luiz-domingues.blogspot.com/2017/11/capitao-bourbon-cd-terra-em-transe-por.html).

Ressalvo que antes de apresentar o CD "Terra em Transe", o grupo já havia lançado um EP em 2012, portanto, este novo trabalho é o terceiro álbum da discografia do Capitão Bourbon.

"Um banquete para a loucura" é portanto o seu novo trabalho e mostra uma sonoridade fortemente influenciada pelo melhor da psicodelia e garage Rock da década de sessenta em termos de Rock clássico, mas com pitadas de outras vertentes, incluso. Ao contrário do disco anterior que pendeu para o Blues-Rock em profusão, desta feita o som mergulhou na lisergia, no surrealismo via Acid-Rock e na loucura total, no melhor espírito sessentista.

         Foto promocional do Capitão Bourbon. Click: Ju Juliete

Mediante um grupo de canções inspiradas, a performance da banda soa vibrante da primeira à última faixa, fiel aos princípios que a norteiam, ou seja, a banda imprime as boas vibrações dos anos sessenta com doses maciças de comprometimento com aquele espírito desbravador que foi tão marcante em tal década, porquanto essa foi a fase de ouro da história do Rock, na qual foi proibido proibir, como se pichou nos muros de Paris em 1968, sob um sentido amplo.

Nesses termos, a banda encarnou ao máximo esse espírito de liberdade artística total e assim exerceu o tropicalismo tupiniquim de mãos dadas com o surrealismo, abriu as portas da percepção para exercer o "open mind" total, consultou Don Juan sobre qual caminho a levaria à Ixtlan, foi para Millbrook para experimentar todas as possibilidades aventadas por Tim Leary, misturou Guernica com João Cabral de Melo Neto e exultou a garota "papo firme" da Jovem Guarda. 

Em suma, o Capitão Bourbon elaborou um cocktail riquíssimo de influências culturais & contraculturais a favor da sua música super sessentista, com aquela sonoridade que remete ao que muitas bandas  produziam ao longo da Sunset Boulevard de Los Angeles nos idos de 1966, e sejamos justos, em muitos bairros de São Paulo (e em tantas outras localidades ao redor do planeta), concomitantemente nessa época. 

Bem, só por tais dados arrolados, já denota que o Capitão Bourbon esteja de parabéns na minha opinião, por apresentar algo tão fora da curva desse momento de 2023, no qual tais referências absolutamente incríveis não ecoem entre os jovens atuais e neste caso, somente por esse inusitado dado, já destoa da mesmice em voga, no entanto, a banda vai muito além, no sentido de que o caldo rico que produziram, com tantos adendos sensacionais, credencia tal trabalho de uma forma muito proeminente para quem estiver com as portas da percepção devidamente escancaradas para absorver tal carga.

Sobre a arte gráfica do disco, a ilustração assinada pelo próprio guitarrista da banda, Vander Bourbon, investiu no surrealismo total. São muitos signos inseridos em uma ambientação muito louca, na qual os membros da banda estão retratados em meio a um autêntico jardim psicodélico e nota-se que muitas dessas referências tem a ver com as músicas em si, portanto, é surreal na essência, porém, não casual, a deixar claro haver um sentido deliberado.

Talvez se a ilustração fosse colorida, passasse a ideia da lisergia de uma forma mais contundente, todavia, a opção de Vander Bourbon como ilustrador, em conjunto com JW Lobo, que assinou o projeto gráfico, ao fechar com o conceito do preto & branco, tenha investido propositalmente dessa forma não esperada, exatamente para fugir do que se esperava e por conseguinte, a romper mais uma vez com o usual, a dita "zona de conforto". Mas isso é uma mera conjectura minha, devo salientar.

Vale a pena tecer mais alguns comentários, desta feita a respeito das músicas, particularmente.

1) "Um Banquete para a Loucura"
O link do YouTube:
https://www.youtube.com/watch?v=2zn-VozGnNM

A guitarra munida de um "fuzz" deliciosamente sessentista, atua de forma intermitente, pontuada por um órgão que se coloca de forma bastante percussiva durante as partes cantadas. Os solos são ótimos, tanto da guitarra, quanto do teclado. Ao final, a música soa muito bem, absorta naquela predisposição de bandas que fizeram a transição da psicodelia para o Rock Progressivo sob o viés do Space-Rock ao final da década de sessenta e início dos anos setenta (bandas da escola de Canterbury da Inglaterra, bem entendido).

2) "Além Mar"
O link do YouTube:
https://www.youtube.com/watch?v=_6pRisreqeo

Há bastante influência da Jovem Guarda nessa canção, através da sua formulação geral, porém, há também a incidência de outras boas referências. A mudança de tom para o solo de guitarra lembrou-me demais o som do "Iron Butterfly". Gostei do final com os vocais muito loucos, mediante um sentido experimental bem delineado.  

3) "Espinhos"
O link do YouTube:
https://www.youtube.com/watch?v=BY7J0T6EIoQ

É sensacional a ambientação sonora dessa canção, por evocar ao máximo o som das garage bands sessentistas em todos os sentidos.

4) "Insônia daquela menina na jovem guarda"
O link do YouTube:
https://www.youtube.com/watch?v=zf805ud0oR0

A letra desta canção é bastante interessante, pois dá a entender uma mensagem de amor bem típica do ideário da maioria dos artistas que participaram do movimento gerado pela Jovem Guarda sessentista da televisão, no entanto, às avessas, ou seja, a conter uma dose sutil de escárnio que denota o deboche criativo e bem típico de bandas que foram muito além, como Os Mutantes em sua primeira fase, por exemplo, a criticar de forma velada a postura dessa vertente popularesca que tal movimento também revelou de forma intrínseca.  
Dessa forma, veja um trecho: "
Hoje eu só quero um alguém perto de mim/as lágrimas secaram/e a insônia teve um fim/a cabeça erguida/passarinhos a cantar/não lembram nem de longe aquela bomba nuclear".

Na sonoridade, o som do órgão a la Lafayette, o baixo seco e sem ressnância, a bateria orgânica quase sem reverber e a guitarra limpa na base e com fuzz no solo, é a representação mais fiel e genial de um estilo marcante daquela década e empolga, naturalmente. 

Sutil, mas eu acho que percebi, o baixo faz um menção à "Gimme Some Lovin" do Spencer Davis Group, quase ao final e se acaso eu tenha acertado na minha dedução, que legal isso! 

5) "Mais Duro que a Pedra"
O link do YouTube:
https://www.youtube.com/watch?v=mxhGnunxbEk

Nesta faixa, a psicodelia mais aguda se pronuncia. A entrada com um órgão misterioso já deixa isso claro. Mesmo quando a canção avança para um tipo de formulação mais tradicional, ainda assim a loucura a permeia. Gostei muito do solo e do arranjo que o amparou como base.

6) "Labirintos da Mente"
O link do YouTube:
https://www.youtube.com/watch?v=e6wjgKrq_Jc

E como loucura pouca é bobagem, eis aqui uma canção que a evocou com requinte. Lembra bastante o som de Arthur Brown e seu "Crazy World", incendiário como ele só. Gostei muito do timbre do baixo e das evoluções dos teclados, incluso um piano bem colocado. Há pitadas de Rock Progressivo muito bem inseridas, igualmente. 

7) "Cocaína"
O link do YouTube:
https://www.youtube.com/watch?v=wecJjiDAwg0

Opa, um temática pesada, sem dúvida e ainda mais pelo fato da banda apresentar um estilo de canção doce a buscar o contraste, e que lembrou o "madrigal" da música clássica, misturado com influências muito interessantes, até a beber na fonte da mpb antiga e do Rock Progressivo. É muito bom o trabalho de vocais e também dos teclados nessas partes amenas que imprimem muita docilidade.  

Gostei da parte mais pesada, quando aí sim o experimentalismo atuou de forma muito incisiva. E encerra no madrigal doce, com ótima vocalização.

Eis um trecho da letra: "O silêncio que eu escuto é a razão/que me pede para seguir a reta ação/mas a força que me move até você/é um pretexto só pra te satisfazer"

8) "Cactus"
O link do YouTube:
https://www.youtube.com/watch?v=7zwlZkSi7dU

Psicodelia em alta dose se apresenta nessa música. A construção da linha melódica não deixa nenhuma dúvida sobre essa influência.
Há um trecho até com balanço mediante alto teor Pop, imposto principalmente pela guitarra e que lembra o trabalho do "The Hassles", em certo aspecto, mas claro, a se tratar de uma percepção pessoal minha, tão somente, não posso afirmar que a banda tenha tido tal influência. 

9) "Morte e Vida Severina"
O link do YouTube:
https://www.youtube.com/watch?v=VRaz67KfqJM

Nesta faixa, a banda enlouqueceu de vez. Psicodelia elevada ao cubo, abre caminho para ao experimentalismo onde tudo é possível. Até o samba avant-garde aparece e a lembrar bastante o trabalho de Jards Macalé em seus dias mais inspirados. 

Eis que surge uma voz a declamar sob uma atmosfera sombria e brilhante. João Cabral de Melo Neto em um disco do "Captain Beefheart?" Não, aqui é Capitão Bourbon!

Antes de encerrar a minha análise, eu gostaria de esclarecer ao leitor que o Capitão Bourbon tem um mérito a mais, no sentido de fazer parte de uma cena, ou movimento propriamente dito, que une uma série de outras bandas, envolve também uma trupe cultural que produz inúmeros eventos (que vão dos shows de Rock à performances de stand up comedy), produção cinematográfica, sim, porque lançam filmes e cultuam o cinema dito "udigrudi", pois são cinéfilos inveterados e toda essa movimentação ocorre no ambiente de uma vídeo locadora, a denotar um ponto de resistência em dose dupla, haja vista que manter vídeo locadora aberta nos dias atuais é para os fortes, realmente, e fazer desse ponto de encontro um oásis contracultural na zona leste de São Paulo, o Centro Cultural Charada (Rua José Antônio Fontes, 62 - Vila Tolstói - próximo à estação Vila Tolstói do metrô), é um ato heroico. 

Ainda a se destacar o programa de rádio, "Jardim Psicodélico" que é mantido pelo baixista do Capitão Bourbon, Eduardo Osmedio, a se revelar como um braço forte dessa movimentação toda, a tocar o som dessas bandas que ali gravitam, além do melhor da produção sessenta-setentista no Rock brasileiro e internacional, predominantemente. Anote: https://jardimpsicodelico.com/

De volta à resenha, eu recomendo muito a audição do CD "Um banquete para a loucura", um trabalho muito inspirado do bom grupo de Rock, Capitão Bourbon.

Capitão Bourbon
CD Um banquete para a loucura
Gravado no Cirilo's Studio entre setembro de 2021 e maio de 2022
Técnico de áudio (captura):  Sergio Basseti
Técnico de mixagem e masterização: Uly Nogueira
Capa (ilustração): Vander Bourbon
Projeto gráfico: JW Lobo
Lançamento do Jardim Psicodélico Selo e Rádio
Produção geral: Capitão Bourbon e Uly Nogueira

Capitão Bourbon:
Vander Bourbon: Voz e guitarra
Eduardo Osmédio: Baixo e voz
Fabio Batista: Bateria e voz
Rafael Cirilo: Teclados, voz e percussão

Músico convidado:
Mariô Onofre: Backing vocals e percussão

Participação especial:
Roberto Santos (professor Betinho): declamação na faixa, "Morte e Vida Severina" 

Para conhecer melhor o trabalho do Capitão Bourbon, acesse:

Facebook:
https://www.facebook.com/profile.php?id=100063485923077

Soundcloud:
https://soundclolud.com/apitaoourbonficial 

Canal do YouTube:
https://www.youtube.com/@capitaobourbonoficial

Spotify:
https://open.spotify.com/artist/4HevXa2tVB6bCooH0M5OUC

Instagram:
https://www.instagram.com/capitaobourbon/

Onerpm:
https://onerpm.link/686982000102

Contato direto com a banda:
capitaobourbon@hotmail.com

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