Neste ano de 2015, completou-se cem
anos do lançamento oficial de um longa metragem que entrou para a história do
cinema : “The Birth of a Nation” (“O Nascimento de uma Nação”). Uma super produção para os padrões dos
anos dez, do século passado, tal filme gerou números impressionantes; inovou tecnológica
e esteticamente em inúmeros aspectos; apresentou atores e atrizes que fariam
longa carreira posteriormente (tais como Lilian Gish; Mae Marsh; Donald Crisp,
e Walter Long, entre outros tantos), além de solidificar a carreira do diretor,
D.W. Griffith, por elevá-lo à condição de um mito, doravante.
Todavia, o filme foi além de tudo isso, e
gerou muita controvérsia.
Isso porque a película tem como pano de
fundo a Guerra de Secessão, portanto, um assunto que causa melindres entre os
norteamericanos, até hoje.
Como se não bastasse isso, Griffith foi
fundo na questão da segregação racial, e aí sim, o filme gerou uma polêmica
incrível na época em que foi lançado. Em seu enredo, “The Birth of a Nation”
mostra os acontecimentos através da ótica de duas famílias envolvidas com o
conflito, diretamente, uma nortista, e a outra sulista.
Em meio às mazelas do Pós-Guerra, a
questão racial torna-se explícita, quando cenas a mostrar homens negros a tentar
estuprar mulheres brancas, causam revolta generalizada, e daí justifica-se a
criação de uma entidade abominável, chamada, Ku Klux Klan.
No filme, tal instituição é tratada como uma
organização “heroica”, por resguardar a segurança da sociedade ariana, e em
contrapartida, retratar os negros como verdadeiras bestas demoníacas, e
incontroláveis. Se tal visão chocou naquela época,
imagine cem anos depois, com a consciência sociocultural que temos hoje em
dia...
Em meio aos protestos veementes, e também
demonstrações de apoio explícitas, o filme foi proibido em ser exibido em
algumas cidades norteamericanas, na época. O fato, é que após o seu lançamento, a Ku
Klux Klan ganhou força durante o governo de Thomas Woodrow Wilson. Ele mesmo, foi
contraditório em relação ao filme, pois teria pronunciado-se chocado com o seu
teor, mas ao mesmo tempo, era um defensor de ideias segregacionistas.
Houve até registro de morte, com um
rapaz branco a matar um negro a sangue frio, logo após ter saído de uma sala de
cinema, em Lafayette / Indiana, ou seja, o filme causou um furor e tanto, para acirrar
ânimos. Como peça cinematográfica, é um filme
histórico e revolucionário, não resta dúvida.
Inovou em muitos aspectos técnicos e
estéticos. Por exemplo :
- Foi o primeiro longa-metragem da história, e
na época, havia um temor enorme por isso, por conta dos produtores duvidar
ser possível que as pessoas suportassem assistir uma película tão longa, em uma sala de cinema.
Todavia, o sucesso retumbante provou o contrário, e abriu o caminho para o cinema formatar-se de outra maneira, doravante.
- Os atores negros, na verdade eram
brancos maquiados, ou seja, a segregação começou no próprio set de filmagem,
mas por outro lado, a questão foi : que ator negro aceitaria participar, em ao considerar-se o teor do enredo ?
- Griffith inovou tecnicamente, em
muitos aspectos. Entre eles, a questão do close, uma novidade para o padrão da
época. Também o uso excessivo de fumaça nas cenas de batalhas, para abrandar a
violência, mas nesse quesito, convenhamos, o choque maior ficou por conta da
retratação dos negros como bestas sexuais incontroláveis, uma afronta à
humanidade, certamente.
- O valor do ingresso cobrado nas salas
de cinema para assistir-se “The Birth of a Nation”, causou escândalo, pois o preço de
U$ 2, foi considerado astronômico para a época. Mesmo assim, o sucesso estrondoso gerou uma
renda inacreditável para Griffith, e quem mais associou-se nessa produção.
- Em Los Angeles, foi exibido com o
título alternativo : “The Clansman” (aliás, trata-se do título do livro de onde Grifith, baseou-se para produzir esse filme), e foi banido, sumariamente, a seguir.
Pelo seu mote, é muito controverso e
abominável pela opção racista.
Griffith ganhou uma fortuna
inimaginável para os padrões da época, que nem em seus mais loucos devaneios
poderia conceber, ou seja : cerca de três milhões de dólares. Mas também ficou bastante atordoado
moralmente, com a saraivada de críticas que o filme recebeu. A sua providência foi conceber em seu
próximo filme, uma espécie de “desculpa”, ao tentar amenizar a sua imagem.
Em “Intolerance”, lançado em 1916, Griffith fez
outro longa, desta feita ainda mais histriônico, com cenários megalomaníacos; centenas de figurantes em cena etc. Dividido em quatro histórias
ambientadas em épocas muito distantes uma da outra (antiguidade da Babilônia; antiguidade
judaica; renascença francesa, e uma história moderna (para 1916, é claro),
ao enfocar luta de classes.
A sua intenção foi provar que os
conflitos são normais desde o início da civilização, e o que move o ódio no
mundo, seria a ”intolerância”. Nessa obra, que tornou-se também um
clássico, e por conseguinte, considerada uma super produção para a época, Griffith abusou de
sutilezas subliminares, para reforçar a tese de que fora mal interpretado em “The
Birth of a Nation”, mas convenhamos, embora seja uma argumentação plausível, a
polêmica nunca dissolveu-se, e até hoje, eleva a temperatura quando o assunto
vem à baila, com opiniões pró e contra.
Independente disso, “The Birth of a
Nation” tem o seu lugar garantido na história. Cem anos para comemorar, em termos de
história do cinema. Cem anos para lamentar-se, enquanto
manifesto pró-Ku Klux Klan.
Matéria publicada inicialmente no Jornal eletrônico Cinema Paradiso, nº 377, em 2015