quarta-feira, 11 de junho de 2014

Ao Educar-se o Cidadão - Por Luiz Domingues

Vivemos em sociedade, em meio à inúmeras demandas. As necessidades estruturais são múltiplas para que possamos viver com conforto; bem estar; segurança e sobretudo a usufruir do meio ambiente e de suas reservas naturais. Contudo, essa equação é dificílima para fechar-se, na medida em que tudo, absolutamente tudo, depende do dinheiro para ser movimentado.

Pareço óbvio ao falar sobre isso, mas pense bem : se tudo depende do dinheiro, torna-se justo que cada um forneça uma contribuição pessoal para que providencie-se obras fundamentais, ao visar suprir as necessidades de interesse comum. Cáspite, outra obviedade. Isso existe desde a antiguidade, quando ainda nas civilizações mais rudimentares, percebeu-se que sem tal esforço coletivo, nenhuma providência para o bem estar do grupo, poderia ser cumprida.

Concomitantemente, a tentação em desviar o dinheiro arrecadado pela coletividade, constituiu-se em um caminho aberto para o ego humano desenvolver essa patologia chamada, "corrupção", e assim a humanidade pôs-se a caminhar, ao manter essa relação pouco saudável dentro da sociedade. Todavia, esta matéria não é sobre ética, apesar de ser inevitável mencionar a questão da lisura, quando fala-se a questão do erário público; tributação & gerência governamental. O que eu desejo enfocar nesta matéria, é a formação do cidadão, sob o ponto de vista educacional.


Evidentemente que a sociologia engloba o assunto de uma forma muito ampla, ao distribuir entre várias vertentes das ciências sociais, tais estudos ajuda-nos a entender os meandros da organização social como um todo. O que é público e o que é privado, como complementam-se etc. Mas como formar o cidadão comum, no básico, é a questão, pois parece ineficaz considerar que tal estudo restrinja-se aos estudantes das Ciências Sociais. Independente de quem aspire seguir esse caminho acadêmico e assim a especializar-se em suas múltiplas graduações, o cidadão médio deveria saber o básico sobre o funcionamento da máquina pública, ao meu ver. E essa máquina, é gigantesca, repleta por subdivisões e por que não dizer, contradições.

Se para um estudante de sociologia; economia; ou direito, já é complexo tentar compreender as entranhas dessa máquina monstruosa (o "monstruosa" aqui, tem duplo sentido, eu sei), imagine para o cidadão comum. Só que existe um detalhe nessa predisposição, que eu considero fundamental : estamos no século XXI, e ante tal constatação, não tem cabimento que o cidadão que paga impostos (e tudo o que consome é tributado, fora os impostos por bens, renda e serviços), não saiba como esse dinheiro é usado, nem com funciona a máquina pública.
Já estou a imaginar alguns leitores a considerar-me um tremendo ingênuo por escrever isso, pois há séculos que o modus operandi das autoridades, baseai-se na prática contrária, ou seja, em não explicar nada, e assim não favorecer nenhuma ação que propicie transparência sobre o funcionamento da máquina. Eu sei disso. Falo sobre o que seria ideal, não sobre o que é errado desde que a humanidade começou a organizar-se. Quando o governo autoritário, aumentou o seu poder de influência repressiva, após a promulgação do AI-5, tais autoridades baixaram decreto a instituir a obrigatoriedade da matéria : "Educação Moral e Cívica" no ensino fundamental (ainda ao final da era do curso primário e posterior curso ginasial); "OSPB" (Organização Social e Política Brasileira"), no ensino médio e "EPB" (Estudo dos Problemas Brasileiros"), no ensino superior, além de militarizar as aulas de educação física, com a obrigatoriedade em fazer uso da "ordem unida".

No discurso, ou desculpa para falar o português claro, a ideia foi ensinar as crianças e adolescentes a conhecer o funcionamento da sociedade, mas tal prerrogativa não foi a mais correta. O objetivo foi outro, com a exaltação do nacionalismo, sob um viés a incutir valores religiosos quase explícitos, sendo que o estado deveria ser laico, e o pior de tudo, ao desestabilizar a capacidade de reflexão, e assim instituir a obediência cega como o valor máximo a ser observado.

Para corroborar com tal estratégia, os militares instituíram licenciaturas de curta duração nos cursos superiores, ao quebrar os cursos de História & Geografia, e assim a incentivar a formação de professores muito despreparados para ministrar as aulas de Educação Moral e Cívica nas escolas, o mais rápido que pode ser estabelecido.
Quando a repressão acabou, tais cursos foram suspensos, enfim. Não sou professor, portanto não tenho elementos para opinar com profundidade sobre a pedagogia. odavia, tenho em mente, que o cidadão tem o direito em entender o  funcionamento da máquina governamental que rege a sociedade, desde o ensino básico, pois é condição básica do exercício da cidadania.


Se alguém joga um papel de bala na calçada, precisa ter a consciência do dano ambiental que aquilo causa à coletividade. Por exemplo, se as pessoas tivessem a consciência de que é errado jogar lixo nas ruas, quanto economizaríamos com as enchentes que atormentam as cidades a cada temporal ? Se não houvesse a ocorrência de  enchentes, quanto economizar-se-ia em saúde pública, ao considerar-se que uma enchente é na prática, um caldo asqueroso, a constituir-se em uma sopa infecta, repleta por bactérias ? Quanto o departamento de zoonose gastaria menos, se não houvesse a proliferação de insetos; ratos e baratas que tal sujeira proporciona ? 

 Esse exemplo do papel de bala, é só um item dessa equação. Quantas outras questões de civilidade não poderiam ser tratadas em sala de aula, desde a tenra infância ? E a máquina em si, como funciona ?


O que faz exatamente o prefeito; o governador e o presidente ? Como é arrecadados os montates fabulosos vindos através dos impostos e como distribui-se tais parcelas entre as três instâncias ?

Qual é o papel do legislativo ? Para que serve um vereador; deputado estadual;, deputado federal e senador ? O que são as secretarias que servem o poder executivo ? Para que servem os ministérios ? O que é o tribunal de contas ?

Quem define as prioridades da saúde; agricultura; segurança pública ? Quem traça os planos da educação; infraestrutura; abastecimento, energia ?

O que é o Ministério Público, o que é defensoria ?


O que são autarquias ? 

Aposto que 95 % (ou mais), das pessoas que foram ás ruas na onda de protestos de 2013, não sabem responder essas perguntas, infelizmente. E se no bojo, pela essência, eu reconheça que os protestos tiveram a legitimidade democrática em de demonstrar a insatisfação generalizada, tais protestos pareceu uma briga de bêbados no escuro, tamanha a confusão que denotou, com pessoas a protestar sem um critério adequado, assim cobrar reivindicações para as autoridades que nem tratou dos itens que estavam a  levantar como bandeiras. Isso sem mencionar que a manipulação por trás de tais manifestações foi enorme, daí a mostrar-se muito relativa a maneira pela qual foi apresentada.

Nesses termos, ao pedir para o prefeito abaixar o preço das hortaliças nos supermercados ou para o presidente cuidar da segurança pública, ou mesmo que o governador tome providências sobre o mau estado das estradas federais, são alguns exemplos clássicos de confusão que as pessoas estabelecem sobre a atribuição de cada instância. E não para por aí. Cobra-se posturas dos parlamentares, como se fossem do executivo e vice-versa. Cobram da polícia providências que são concernentes ao judiciário etc. Portanto, sou a favor da matéria de estudos sociais, nas escolas fundamentais e médias, mas sem aquele ranço observado por radicais de outrora, ao observar interesses escusos da parte de grupos elitistas da sociedade, mas sim a criar um conteúdo onde fosse explicado aos jovens, como funciona a rés pública e como devemos ser solidários para que possamos obter o melhor convívio possível, e assim conduzir o país, enfim, para o padrão de uma nação do primeiro mundo.


Fazê-los entender que a cidade é uma extensão de nossa residência, é fundamental. Quebrar o paradigma de que a rua não merece consideração porque "não é de ninguém", além de contribuir para transformar a cidade em uma lata de lixo decadente, é um caminho permanente para a roubalheira da corrupção (sei que existe outros fatores e não é só isso que acabaria com a corrupção). Quando cada cidadão considerar a rua como parte da sua própria residência, de fato, a mentalidade generalizada vai ser a de  manter tudo limpo, o tempo todo. Logradouros públicos bem iluminados; com equipamento em perfeito funcionamento e isso a gerar como consequência, a baixa criminalidade; ausência de vandalismo; solidariedade, fraternidade etc. Utópico em primeira leitura, eu sei. Mas se em países como a Nova Zelândia; Dinamarca; Finlândia; Canadá; Alemanha; Austrália; Bélgica; França, e outros, isso que descrevi é quase uma realidade, penso que o segredo é a educação e troca de paradigma.

Talvez demore para chegarmos nesse patamar, mas não acho impossível. Veja o exemplo da Coréia do Sul e o salto que deu quando passou a investir pesado na educação. A própria revitalização de Seul, com a despoluição do rio Han, é um exemplo. Até bem pouco tempo atrás, tratava-se de um rio putrefato como o Tietê, com o povo acostumado a jogar detritos nele, como se não importasse com a sua morte inevitável. Quando o rio passou a ser encarado como um patrimônio da cidade, tudo mudou. 

 A transformação da sociedade começa na mudança individual do cidadão. Mesmo porque, se eu não ligo para a minha cidade ( e por extensão, estado ou país), abro o caminho para que as autoridades também pensem igual, e com aquela montanha de dinheiro arrecadado nos cofres públicos, a tentação em desviá-lo será enorme.

E tem um dado a mais : de onde vem os políticos ? De onde saem os funcionários públicos de carreira ? De onde saem os parlamentares, e os membros do judiciário ? Pois, são pessoas como nós, do mesmo povo. E se a mentalidade do povo pauta-se em não considerar o bem público, por quê você acha que eles pensariam diferente, se são pessoas da mesma formação cultural; educacional e nacional ? O que adianta cobrar seriedade e lisura, se você continua a passar incólume pelo semáforo a indicar a cor vermelha; acha normal jogar lixo na rua; não economiza água; desperdiça comida; não respeita filas; destrata pessoas humildes e idosos etc ?


Matéria publicada anteriormente no Blog Planet Polêmica, em 2014

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