quinta-feira, 24 de julho de 2014

DVD SãoChico/Quiçá, se Fosse - Por Luiz Domingues

O Rio Grande do Sul sempre foi um celeiro forte de talentos artísticos, em todas as modalidades. A sua cultura popular multifacetada, em que se observam peculiaridades não exatamente tropicais como acontecem em outros estados brasileiros, lhe confere nuances exclusivas, isso é indiscutível.
Por exemplo, o “Folk” gaúcho tem muita similaridade com a música latino-americana, por afinidades múltiplas a começar pela geografia parecida. Os pampas, o frio e o vento, forjaram uma alma parecida, que nem mesmo a diferença entre lusófanos e hispânicos foi capaz de separar.
 
Outro ponto importante entre os gaúchos e esses povos oriundos de países sul-americanos (principalmente os vizinhos do cone sul: Argentina, Uruguai & Chile), se deu no apreço que os gaúchos nutrem pelo Rock. São Paulo foi assim também antigamente, contudo, infelizmente perdeu essa identidade Rocker, há décadas.
Em meio à essa soma de ótimas influências, o Rio Grande do Sul, há décadas tem lançado artistas muito inspirados, ao apresentar no bojo, uma MPB diferente, com aquele pé no Folk da música campeira gaúcha, a se mesclar à moderna música urbana de Porto Alegre e o Rock em várias vertentes, da psicodelia ao progressivo, do Hard-Rock ao Pop. 
 
Pois foi baseado nesse caldeirão cultural dos pampas que um duo extremamente criativo vem a construir uma carreira sólida no panorama da moderna MPB, ao meu ver, ainda que esteja fora dos holofotes do mainstream, pelo menos por enquanto e eu torço para que alcance esse caminho.
Trata-se do duo: “Quiçá, se Fosse”, formado por André Paz e Róger Wiest, dois jovens compositores, cantores e multi-instrumentistas.

Como se não bastassem tantos atributos, ainda há a questão da poética, na qual ambos demonstram esmero na composição das suas letras, ao buscarem inspiração em nomes do quilate de Fernando Pessoa, por exemplo, além de observarem bem as tradições de Mário Quintana, Érico Veríssimo e outras canetas fortes da literatura gaúcha.
Performáticos, mas não satíricos como a também dupla gaúcha “Tangos e Tragédias”, o Quiçá se Fosse tem o respaldo de deterem formação como atores e paralelamente à música, eles desenvolverem trabalhos regulares com grupos teatrais.
Toda essa criatividade e qualificação precisava se materializar além dos shows e vídeos que produzem e para tanto, em 2012, o duo lançou um DVD chamado: “SãoChico”, uma alusão à cidade gaúcha de São Francisco de Paula, aonde tal material foi filmado. 
 
A concepção do DVD foca na apresentação do duo a demonstrar toda a sua potencialidade criativa, mas de uma maneira extremamente despojada.
Filmado em uma cabana isolada no campo, longe do perímetro urbano da cidade citada, se mostram cenas do duo a executar as suas canções, com absoluta tranquilidade e sob uma aura leve, que impressiona muito positivamente. 
 
Recheado por cenas do cotidiano da dupla nesse processo de retiro, o DVD lembra muito a experiência da grande banda sessentista “The Band”, quando da gravação de seu álbum de estreia, o excepcional, “Music From Big Pink”.
Gostei muitíssimo do trabalho, ao ver o DVD e posteriormente muitos vídeos do duo, ao vivo. Achei encantadora a criatividade em usarem diversos instrumentos de cordas e percussão, para mesclar a linguagem do folk acústico ao Pop-Rock e à MPB urbana.
Em uma canção como: “Cada Dia Mais”, por exemplo, a sincronicidade dos músicos em gravarem bases ao vivo de percussão e intervenções vocais estratégicas, disparadas pelo "delay" e a interagir com o que continuaram a tocar por cima, ficou muito bonito.

Já em “Canção do Pó”, se engana quem apressadamente deduzir  que venha a se tratar de uma canção que faz uma apologia às drogas. Todavia, mediante uma divertida explicação prévia, o pó em questão é o grão de poeira, como se estivéssemos a assistir um documentário sobre o assunto, no Discovery Channel.
Para falar do projeto gráfico do DVD, é impossível não nos lembrarmos da capa do LP “Ummagumma” do Pink Floyd, com a perspectiva da metalinguagem infinita. Não sei se pensaram nisso, mas considerei sensacional a ideia do monitor de vídeo ligado, com a imagem de ambos a interagirem em paralelo. 
 
Os rapazes usam esse mesmo recurso também em: “Quem me Dera”, ao estabelecer um jogral anárquico e divertido.
E assim, outras canções se sucedem, sob uma atmosfera amena, muito agradável e poética.
Particularmente, pensei bastante na tal “casa no campo” que Zé Rodrix imortalizou como canção, ao nos levar a crer que o sonho hippie do artista a usufruir do seu recanto de paz em meio à natureza seria plausível, enfim.
Em suma, se trata de um DVD muito bem produzido, com a música sob muita qualidade perpetrada pelo duo, executada em performances a respeitar uma extrema felicidade sonora.
 
Além da qualidade artística do trabalho e da capacidade de ambos como multi-instrumentistas, existe uma boa dose de humor, embora não seja um trabalho satírico por excelência e também pelo bom gosto na ambientação da casa, fotografia e a conter um áudio com bastante qualidade.
Recomendo o trabalho, certamente, e deixo o link para o leitor conhecer melhor o trabalho do “Quiçá, se Fosse”, para visitar o seu Blog:
 http://www.quicasefosse.com.br/

2 comentários:

  1. Comentário inspirado e perspicaz sobre o trabalho desta dupla brilhante e invulgar. Um trabalho ainda criança, e que vai render muitos frutos no futuro! Quem ainda não teve contato com esta arte está perdendo o melhor da festa que rola aqui neste cantinho do Brasil.

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    1. Mas que bacana o seu comentário elogiando o texto !!

      De fato, o trabalho do "Quiçá, se Fosse", tem qualidade e inspiração, inquestionável.

      Tem muita gente boa espalhada por esse Brasil enorme e que não costuma dar oportunidade para artistas genuínos, que não fazem parte dos planos da máfia que domina a difusão cultural. Cabe a nós, fazermos o máximo para divulgar artistas desse quilate, ainda que através de um Blog humilde como o meu, uma mera gota d'água no oceano...

      Que prazer receber a sua visita, amigo, que tanto ajudou a Patrulha do Espaço em suas andanças sulistas e que por isso, tem nossa eterna gratidão !

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