sexta-feira, 21 de novembro de 2014

CD Cada Qual Com Seu Vício / Os Depira - Por Luiz Domingues




Nas minhas andanças pela estrada, nesses anos todos em que estou a atuar no ramo da música, eu pude conhecer inúmeras bandas a apresentar com trabalhos versados pela qualidade, e que necessariamente faz com que eu dê risada quando noto opiniões da parte de pessoas que afirmam que o Rock Brasileiro “morreu”. Pois trata-se de um ledo engano de quem apenas baseia-se no que a mídia mainstream divulga, ele existe aos borbotões, só não está visível aos olhos do povo.
É o caso da banda catarinense : “Os Depira”, que eu tive o prazer em conhecer no início dos anos 2000, quando visitei muitas cidades daquele belo estado sulista, como membro da Patrulha do Espaço, na ocasião. Como paulista / paulistano que sou, a primeira reação que tive ao deparar-me com o nome da banda foi no sentido em imaginar que seria uma banda de Piracicaba / SP, visto que os habitantes dessa pujante cidade paulista, costumam chamar a sua cidade, carinhosamente como : “Pira”, com aquele sotaque interiorano paulista, muito característico.
Mas o Brasil é enorme, e eu desconhecia o fato de que a belíssima cidade de Joinville mantivesse um distrito chamado : “Pirabeiraba”, de onde vieram os rapazes, e que portanto, “Os Depira”, observa uma outra conotação entre os catarinenses. Ao conversar com os seus componentes, todos simpaticíssimos, claro que estabelecemos amizade instantânea e doravante encontramo-nos várias vezes novamente, nas ocasiões em que a Patrulha do Espaço apresentou-se em Joinville, e também em uma ocasião posterior, em 2009, eu tive o prazer em dividir uma noite com "Os Depira", desta feita ao apresentar-me com o Pedra, um outro grupo em que atuei.
Foi com muita alegria portanto, que recebi recentemente uma cópia do último álbum da banda, denominado : “Cada Qual Com Seu Vício”. Lançado neste ano de 2014, trata-se de um trabalho inspirado, e recheado por detalhes agradabilíssimos, principalmente para um velho Rocker como eu, que tem adoração por inúmeros signos do Rock e da música em geral, produzida nas décadas de sessenta e setenta do século passado.
O disco abre com a música denominada : “Ancestrais”. Gostei muito da atmosfera Country-Blues onde mostra-se nítida a influência de bandas sessentistas norteamericanas  que utilizavam tal espectro musical em seus trabalhos. O guitarrista, Marcelo Rizzatti, explora bastante os desenhos rítmicos típicos do estilo Country, ao pontuar com o baixo muito criativo e sob excelente timbre, executado por Parfitt Jim Balsanelli. A parte "B" da canção, traz uma surpreendente guinada para um arranjo em stacatto, onde o piano propõe um diferencial, e que lembrou-me bastante o Brit Pop noventista, no que tal vertente teve de melhor, ou seja, o resgate do som dos anos sessenta, porém com o toque da então modernidade.
“Cada Qual Com Seu Vício”, vem a seguir. Com a responsabilidade em ser a faixa que também fornece o nome ao álbum, mostra-nos um Hard-Rock positivo, com influências nobres de bandas britânicas de primeira linha nos anos setenta, ou seja, contém o peso e o riff Rocker, mas também apresenta apelo pop. Gostei muito da linha de baixo, com frases contínuas em "loopings" que fez-me lembrar de muitos bons baixistas que atuaram tão bem naquela década. E falo isso sem medo de errar, visto que conheço bem as influências pessoais de Parfitt, em tantas conversas que tivemos nos bastidores de shows da Patrulha do Espaço em Joinville. E para falar em teclados, ao continuar a falar sobre tal canção, as intervenções do órgão, inclusive a usar e abusar de uma caixa Leslie em rotação acelerada, agradou-me bastante, além das bases muito criativas que Rizzatti executou com as suas dobras de guitarra.


A terceira faixa, “Devaneios”, impressionou-me pela beleza de sua melodia, onde aliás, destaca-se a voz rasgada de Nuno Albrecht.
Gostei da intervenção de um cravo, por fornecer a docilidade sessentista a La Beatles (fase “Rubber Soul”), e mais uma vez o guitarrista, Marcelo Rizzati, acertou a mão, ao elaborar um solo com versatilidade, onde usou muito bem o delay (lembrou-me  astante o som de David Gilmour, no Pink Floyd), e em outros momentos, ele criou um belo dueto ao pilotou o Wah-Wah, com extrema felicidade. 

A seguir, uma curiosa faixa curta, quase uma vinheta, “Formiga Gigante” traz em sua letra uma clara intenção psicodélica, ao sair um pouco da poética das demais, onde a preocupação em apresentar questionamentos psico-sociais fez-se mais proeminente.
E na questão da sonoridade, eu gostei bastante do Riff e das intervenções aos sintetizadores. Uma das melhores canções, ao meu ver, é a quinta faixa : “Lembranças de uma Tarde de Domingo”, onde a influência sessentista, mais uma vez, emociona. São vários os elementos a evocar tal atmosfera, a começar pelo uso do Mellotron, logo no início da canção e a entrada grandiloqüente do naipe de metais, que deu-lhe uma rica aura “BurtBacharahniana”, irresistível.
Tudo é bonito nessa música : da melodia à harmonia; o arranjo de metais; o solo sujo de guitarra, a reverenciar a memória de George Harrison; a providencial intervenção pontual do piano elétrico, e a boa sacada do "fade out" com os metais a sobrar, acompanhados de singelas palmas de mãos, como marcação percussiva. Ouvi-a como se estivesse em um parque londrino em 1966, preguiçosamente deitado na relva de uma tarde de domingo, a ouvir um disco do Small Faces na vitrolinha portátil... portanto, uma divagação esplêndida !

“Meses Tristes” tem uma letra dura, em tom de constatação da realidade e o som é compatível, por ser mais direto, no sentido  visceral. Um Rock sem firulas ou sutilezas, e a contrastarcom a docilidade da faixa anterior. Boa sacada, portanto, em escolhê-la para figurar nessa ordem como track.


“Nada Sobrou” tem um quê de música caribenha a temperá-la em termos de arranjo geral, com o Calypso a mesclar-se ao Rockabilly. Tal canção mantém boas intervenções de trompete e o solo de guitarra, lembrou-me guitarristas como Scotty Moore e James Burton em suas sutilezas observadas dentro da escola da Country Music in natura, oriunda de Nashville.
Ecletismo é uma marca registrada da banda, e a oitava faixa, “Rumo ao Sol”, é um blues pesado. A linha do baixo de Parfitt é perfeita, e a inclusão de um solo fantasmagórico ao sintetizador, ornou muito bem a faixa. Lá no fundo da mixagem, tem como “sombra” algo rítmico que eu deduzo ser um violão ”batido”. Que a banda perdoe-me se eu ouvi algo que não existe na realidade, todavia, o fato é que eu gostei dessa inclusão sutil ao arranjo da canção.


“Suba a Montanha” traz uma lembrança sessentista muito forte. É inevitável não lembrar de bandas como o Iron Butterfly, Young Rascals e Vanilla Fudge, com aquela intervenção de órgão bem psicodélica, e com timbres parecidos com o de instrumentos muito usados nessa época, como os teclados das marcas : Farfisa e / ou Vox. Para usar uma gíria da época : “que viagem maluca”!
“Tá pra Nascer”, tem uma sonoridade mais moderna, ao remeter para o Hard Rock praticado por bandas nacionais do calibre de um  Golpe de Estado, por exemplo. Um exemplo dessa lembrança está na sucessão de riffs que emendam-se e que constituíra-se de uma marca registrada do guitarrista e meu amigo, o saudoso, Hélcio Aguirra. Gostei da presença dos metais mais uma vez e com peso, pois tal intervenção garantiu à música, um certo clima propício a lembrar a canção : “5:15”, do The Who.
Em “Tanto Faz”, a banda busca a fonte da malandragem swingada, algo bem característicio do Blues de New Orleans. Existe uma parte “B” adorável, ao lembrar o Queen, de certa forma. Gostei do piano elétrico, e contém igualmente uma das raras intervenções de backing vocals, fator que deveria ser mais explorado ao longo do disco, pois senti falta desse recurso, no bojo do álbum.


Muito interessante o clima Morrisoneano /The Doors da última faixa, “Tempestade”, com uma introdução muito boa, a partir da entrada de congas (mas que desconfio ser na verdade um "vaso" a simular o som das congas), e com uma segunda parte mais pesada, a garantir uma influência Hard-Rock, da linhagem de bandas importantes dos anos setenta. Em alguns aspectos, uma certa lembrança do Hard-Rock que mescla-se ao Rock Progressivo,  pairou, mas existe uma convenção forte, ao final da música, que certamente bebeu da fonte do Hard-Rock, em predomínio. E tal faixa, mostra mais um bom trabalho do bom baterista, Rafael Vieira.
O áudio, sob responsabilidade da banda em parceria com o engenheiro de som, Vinicius Barganholo, mostra-se com muita qualidade. Gostei bastante dos timbres em geral e se tenho algo negativo a relatar, fica por conta da opção pela voz principal destacada, ao estilo Pop radiofônico. Aliás, para corrigir, não é uma observação negativa exatamente de minha parte, mas uma questão de gosto pessoal. Se por um lado ganha-se com a total inteligibilidade das letras, com dicção e sibilância bem cuidada, por outro, para ouvidos mais Rockers, a voz destacada incomoda um pouco, acostumados que estamos a encarar a voz humana no Rock, como mais um instrumento a ser apreciado no todo, e não como destaque, como é geralmente observado no espectro da música popular em geral. Trata-se apenas uma questão de gosto e opção da banda, que deve ser respeitada, portanto.


No quesito letras, existe bons momentos a ser destacados :


“O Sol bateu lá fora e perguntou : Você não vem” ?


“ E a vida segue sem rumo, sem trilhos, avassaladora, mas continua sendo vida”...


“Cansei de devaneios alheios, não acredito mais em previsão do tempo”...


Quanto à capa, gostei da arte em geral. 
A ideia em conter diversos cartões e cada qual a remeter ao mote de cada canção, não é exatamente algo inédito, mas caiu muito bem para ilustrar a obra. Trabalho dos ilustradores, Igor Tiogo Soares e Fernanda Sponchiado, com fotos de Bruna Merino de Matos e Ana Carol Carvalho.


Jackson Araújo, tecladista convidado, elaborou os arranjos, inclusive os escritos para os metais (Rogério Leitum : Trompete; Cláudio Morais : Sax; Sérgio Coelho : Trombone).
Ótima contribuição para o disco, mas que trouxe uma dor de cabeça inerente, pois ficou tão especial, que certas faixas agora merecem a participação desse músico convidado, a pilotar as teclas, e também sobre os três instrumentistas dos sopros a participar dos shows ao vivo da banda, e como músico, sei bem que nem sempre é possível contar com músicos convidados nas apresentações. Marcos Moser, também participou de uma faixa (“Nada Sobrou”), como guitarrista convidado e fez produção específica dos timbres de guitarra.
Os Depira é mais uma banda boa no panorama do Rock Brasileiro, e que está fora dos holofotes da mídia. Mais um caso de um trabalho de qualidade, obscurecido pela falta de apoio sintomático, e que faz do Brasil, um país bastante injusto no quesito da difusão cultural. Reitero, quando incautos falam-me que o Rock Brasileiro morreu, e que nada de bom existe na atualidade, dou risada, porque realmente sei bem que artistas criativos existem aos montes, do Oiapoque ao Chuí, só não fazem parte dos grupos seletos que dominam o show business mainstream. 

Para conhecer o trabalho de “Os Depira” e seu recente álbum, “Cada Qual com Seu Vício”, acesse :


www.osdepira.com.br

10 comentários:

  1. cada qual com seu vício!!!!!
    Bem reflexiva a frase!!!!
    Vício de música, estilo, carro, roupa, maquiagem, ser e viver!
    belo post!
    Bom final de semana!
    http://www.elianedelacerda.com

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    1. Também gostei do título que os rapazes deram à uma canção e para o álbum. Tem a força de um aforismo, pelo realismo desconcertante que traz no seu bojo.

      O componente "vício", tem todos esses aspectos que elencou no seu comentário, de fato.

      Que bacana que gostou da resenha e do trabalho dos rapazes.

      Grato pela participação sempre importante para o Blog !!

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  2. Legal o som dessa banda! Hammond bem encaixado pra dar "aquele clima" em algumas faixas e a música Ancestrais me lembrou a Break On Through (To The Other Side) do Doors em alguns momentos, claro que não exatamente igual, mas como inspiração no andamento... sei lá, tive essa impressão, bem legal! Devaneios também uma canção muito bacana e Suba A Montanha tem pitadas do velho Love de Arthur Lee, com aquele teor cru do rock 60's, bem legal! Tempestade tem aquele lance guitarras/teclados a la Purple. Enfim, uma banda com cheirinho de Mofo do bom e velho rock básico.

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    1. Amigo Diógenes :

      Gostei imensamente do seu comentário que trouxe novas luzes para a resenha. É praticamente uma segunda resenha, fazendo o pente fino e trazendo elementos a mais para valorizarmos o trabalho da banda.

      Tudo o que disse é pertinente e bem observado, de fato, você captou bem as influências que a banda tem.

      Muito legal estarmos falando de mais uma boa banda brasileira de qualidade e influências nobres, e que portanto, merece toda a nossa atenção e apoio.

      O Rock Brasuca está vivo e muito bem !!

      Grato por nos trazer seu rico comentário !!

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  3. Uma grande honra ter nosso trabalho resenhado detalhadamente por um dos meus heróis pessoais no rock nacional!
    Quem quiser conferir o álbum na íntegra, visite www.osdepira.com.br e, caso queira deixar suas impressões e/ou adquirir uma cópia física, entre em contato pelo email osdepira@gmail.com

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    1. Prazer total para mim divulgar uma banda de qualidade que mereceria ter um espaço de destaque na mídia, mas nós sabemos bem como funciona a difusão cultural neste país, não é, amigo Parffit ?

      Grato por ter usado palavras tão bonitas e honrosas para se referir à minha pessoa !

      E muito bacana ter reforçado os contatos da banda para quem quiser conhecer melhor o trabalho.

      Eu recomendo !

      Grande abraço !!

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  4. Respostas
    1. Agradeço pela participação, comentário e apoio à banda enfocada na resenha.

      O Blog está à sua disposição, visite-o sempre !

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  5. Muito gostoso o som do conjunto. OS DEPIRAS. .Assisti e gostei.
    E como vc resenha Luiz, deixa tudo mais bem esclarecido e gostoso de ler.
    Parabéns aos OS DEPIRAS.
    Parabéns ao seu trabalho tão esclarecedor!

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    1. Maravilha que tenha gostado do som dos meus amigos do Os Depira !!

      E grato por elogiar a resenha !! Fico feliz por saber que minha descrição do trabalho da banda tenha lhes proporcionado uma nova fã.

      Grande abraço, Bete !

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