terça-feira, 4 de novembro de 2014

Hammer, Fábrica de Pesadelos... Bons - Por Luiz Domingues



O gênero do terror tem a sua parcela de importância muito grande na história do cinema mundial. Salta-nos da lembrança imediatamente, os grandes clássicos da escola expressionista alemã, notadamente concentrados em sua maioria, nos anos vinte do século passado; o horror Pop dos estúdios Universal, dos Estados Unidos, nos anos trinta; as intrigantes fantasias oníricas da escola francesa quarentista e tantas outras escolas surgidas posteriormente, onde claro, podemos incluir com louvor o brasileiro, José Mojica Marins, o nosso folclórico “Zé do Caixão”, como um criador do terror tupiniquim.
Nesse contexto formado por tantas vertentes cinematográficas e e também pelas suas respectivas estéticas diferentes dentro do gênero, não há como não ressaltar a produtora britânica, Hammer, que entrou para a história como um dos seus grandes expoentes e a tornar-se uma tremenda referência para definir a marca britânica, dentro desse estilo. Porém, apesar de fortemente identificada com o Terror, a produtora Hammer não lançou somente filmes dessa natureza, mas pelo contrário, sobre diversos outros gêneros, tais como :  filmes policiais; dramas; filmes com teor infantojuvenil; filmes de guerra; aventuras; filmes épicos; com teor histórico, e até comédias em seu currículo.
Aliás, o terror só emplacou para valer na vida da Hammer, bem depois de sua fundação, certamente um fato inusitado, se levarmos em conta o fato de que para muita gente, tratou-se de um estúdio de cinema exclusivamente pautado pelo gênero. A sua fundação deu-se nos anos trinta do século passado, em novembro de 1934.
A primeira produção, por exemplo, foi uma comédia romântica, “The Public Life of Henry IX”, lançada em 1935. Quando foi estabelecida uma associação com a MGM americana, a Hammer produziu a seguir, algumas coproduções interessantes, ao usar até a estrutura da Metro Goldwin Mayer, assim como os seus profissionais e atores norteamericanos, caso do filme : “The Song of Freedom”, com o genial ator / cantor, Paul Robeson (aliás, existe uma matéria aqui em meu Blog, a falar sobre essa personalidade incrível que foi Paul Robeson, esteja convidado portanto, a procurar tal texto nas postagens mais antigas).
Com o avançar dos anos trinta, e a crise financeira e política a piorar na Europa, a Hammer quase chegou a falir, ainda em 1937, no entanto reergueu-se, graças a uma estratégia forçada, porém pontual, quando investiu as suas forças nos documentários sobre a Segunda Guerra Mundial, então em curso, e assim atrair a atenção dos britânicos, aflitos com o conflito que ameaçava-lhes diretamente. Depois do fim da Guerra e com a sua saúde financeira restabelecida, a Hammer teve novos quadros diretivos e iniciou a sua trajetória sob ascensão, paulatina, mas sustentável. Nessa época, final dos anos quarenta, e início dos cinquenta, o seu patrimônio pôs-se a aumentar e isso refletiu-se nas constantes mudanças de endereço de seus estúdios, que fizeram, ao buscar melhores condições de trabalho, com espaços mais confortáveis e equipados para as filmagens. Nem sempre foi apenas esse o motivo das mudanças, mas havia também problemas com a vizinhança. Ao adaptar mansões alugadas, o barulho das filmagens noturnas que varavam madrugadas, causou problemas, naturalmente...


Nessa fase, a Hammer estava a produzir bastante filmes sob teor policial, a denotar uma influência do cinema norteamericano da escola "Noir", e também do francês, da mesma época. Aos poucos, os filmes Sci-Fi, e os de terror, começou a tomar conta da produção da empresa e nesse ponto, por volta da metade dos anos cinquenta, começou a sua fase de ouro, a catapultá-la mundialmente, e então, a escrever assim, páginas fantásticas na história do cinema inglês e mundial.
Para muitos críticos e historiadores, o primeiro estopim dessa fase de sucesso, teria sido o filme : “The Quatermass Experiment”, lançado em 1955. Um híbrido entre o terror e o Sci-Fi, tal película conta a história de um estranho vírus que causaria mutações terríveis nos seres humanos, portanto a evocar o clima apocalíptico.
A seguir, outro grande sucesso adveio, “X, The Unknown”, este inclusive, considerado pelo escritor norteamericano, Stephen King, como um de seus filmes favoritos de todos os tempos. E um sucesso colocou-se a suceder o outro, mais a atrelar-se para o estilo Sci-Fi, nesses primeiros dias de glória da Hammer, caso de “Enemy From Space”.
Todavia, o grande salto da produtora foi o sucesso extraordinário que a sua aposta no terror propriamente dito, fez, ao buscar principalmente enfocar em personagens consagrados da literatura do horror, e já explorados anteriormente em outra época, por outras produtoras, principalmente a Universal, norteamericana. Ao focar em personagens como : "Frankenstein"; "Lobisomem"; "Múmia", e sobretudo no "Conde Drácula", a Hammer criou o seu melhor momento, ao ganhar dinheiro e escrever o seu nome na história, além, é claro, em usufruir do domínio público que os respectivos textos originais de tais personagens, que já estavam em vigor.
Ao apostar em um elenco formado por atores fixos e em número pequeno, teve também nessa repetição, um trunfo, ao contrário do que poder-se-ia especular como um possível demérito. Portanto, a despeito de Bela Lugosi ter sido o maior intérprete do Conde Drácula nos anos trinta, e também uma figura divertida pela sua canastrice indisfarçável como ator, não dá para pensar em outro Drácula mais clássico como o interpretado por Christopher Lee, nas inúmeras vezes em que interpretou o vampiro aristocrata da Transilvânia, nos filmes da Hammer, quase sempre dirigidos por Terence Fisher.
Não cometerei a loucura em manter o mesmo raciocínio sobre o personagem do monstro de Frankenstein, porque Boris Karloff é praticamente insubstituível nessa interpretação, e Lon Chaney Jr, idem, como Lobisomem, mas no caso do Conde Drácula, Lee é sensacional.
Um outro ator que ficou muito identificado com a Hammer, foi Peter Cushing, que muitas vezes interpretou o inimigo mor de Drácula, o professor Van Helsing.
Ambos trabalharam muitas vezes juntos, ao fazer a dupla protagonista e rival, inclusive em outras histórias sem a presença dos personagens Drácula e Van Helsing, e também em raras oportunidades, como aliados na história, como no caso de “Skull”, uma absurda história sobre o poder psíquico que o crânio do Marquês de Sade exerceria sobre o incauto que tivesse contato com ele (aliás, uma curiosa participação da dupla para uma concorrente da própria Hammer, a também britânica, “Amicus”) .
No caso dos filmes sobre o Conde Drácula, algumas licenças poéticas foram tomadas, para fugir um pouco do texto original e primordial de Bram Stoker. Isso também ocorrera em outras produções, caso dos filmes que focaram em Frankenstein; Múmia e Lobisomem, principalmente.
Claro, por ser europeia, a Hammer usou do manancial de histórias de terror; crendices e folclore do continente, e particularmente do Reino Unido, para incrementar as suas histórias. Não foram poucas as citações góticas, ou do paganismo pré-cristão, a enriquecer os filmes com tais detalhes a ser observados pelos espectadores mais atentos.
A loucura também permeou os filmes da Hammer, em doses maciças. Cientistas malucos a estabelecer experimentos nada éticos, e também casos a abordar a paranormalidade, foram retratados, além, é claro, de citações à seitas macabras; complôs comprometidos com tudo isso e muito mais etc.
Assim como houve uma “British Invasion” no mundo do Rock, nos anos sessenta, com os britânicos a invadir a América, de uma forma avassaladora, e igualmente uma “American Reaction”dos norteamericanos a reagir, com o sucesso de bilheteria da Hammer, houve também uma reação do cinema norteamericano ao sucesso dos britânicos. Então, quando vemos os filmes do grande diretor, Roger Corman, ao final dos anos cinquenta e início dos sessenta, isso faz sentido por vermos toda aquela ambientação gótica, com fotografia de cores fortes e histórias que geralmente eram ambientadas na Idade Média, ao tentar conferir ares europeus, com o genial, Vincent Price a atuar como ator fixo, praticamente, de todas as suas películas.
Já nos anos sessenta, a Hammer tornara-se tão Pop quanto a Swingin’ London e a sua psicodelia lisérgica (que derretia o Big Ben, diariamente). Christopher Lee e Peter Cushing foram atores que extrapolaram as fronteiras da Inglaterra, e tornaram-se emblemáticos no mundo inteiro, tanto quando Sean Connery e o seu James Bond-007, aliás, outro fenômeno do cinema britânico.
Os grandes filmes do Conde Drácula, com Lee a interpretá-lo como : “Dracula, Prince of Darkness”e “Horror of Dracula”, entre outros, são clássicos da companhia. Ao final da década, a Hammer atuou também com TV movies, produções mais baratas feitas especialmente para a TV.
A série, “Journey to Unknown”, apresentava histórias de terror; Sci-Fi e mistério em geral, ao lembrar de certa forma a série norteamericana, “The Twilight Zone”, e mais ainda “The Night Gallery”, ambas do produtor, Rod Serling. Esta última que citei, pelo contrário, era mais influenciada pela Hammer do que o contrário, aliás.
Tais historietas em uma segunda etapa, nos anos setenta, foram reeditadas como episódios duplos, ao tornar-se longa metragens em reprises que passaram muito na sessão coruja das TV’s abertas do mundo inteiro, incluso o Brasil.
Por falar nisso, para quem viveu os anos setenta, fica a lembrança do saudoso, ”Cine Mistério”, a sessão de filmes de terror que eram exibidos às sextas, na TV Bandeirantes, onde o maior lote de filmes fora disponibilizado pela Hammer. A produção continuou a todo vapor no início da década de setenta, mas o nível das histórias começou a decair, infelizmente.
Um bom exemplo disso, em 1972, com um lançamento chamado : “Drácula no Mundo da Mini-Saia” (“Drácula A.D. 1972”), é engraçado pelo inusitado da história e ambientação de época, mas é uma bobagem sem tamanho para quem gosta do gênero, e depara-se com o velho Conde Drácula a parecer um “tio” de meia idade, metido a galanteador no meio daquelas garotas jovens, com as pernas de fora, e garotões cabeludos com aparência de Rockers setentistas. De fato, não foi um deslize isolado, mas denotara uma tendência, ao apostar em querer atrair o público jovem da época e dessa forma, outras produções assim, a carregar no erotismo, pareceram aproximar-se da estética do diretor italiano, Tinto Brass (pelo apelo erótico), do que honrar as tradições da velha Hammer.
Antes disso até, em 1970, a Hammer havia lançado um filme ambientado na Pré-História, chamado : “Quando os Dinossauros Dominavam a Terra” e a quantidade de atrizes lindas a interpretar mulheres trogloditas (incluso mega beldades como Rachel Welch e Martine Beswick), motivou que ninguém fosse ao cinema para ver os tais dinossauros em questão, mas sim as beldades semi nuas...

Quando começou a perder mercado, a Hammer decaiu rapidamente, de uma forma acintosa.
Nos anos oitenta, a produtora parou em produzir e sustentou-se doravante em um novo nicho de atuação, bem menos glamoroso, que foi o da produção de Fitas VHS, ao buscar o mercado do Home Entertainment. E nesses termos, adaptou-se às mudanças desse mercado, para abandonar gradativamente o formato do VHS e assim abraçar o Laser Disc, e posteriormente o DVD.


Nos anos 1990, aproveitou o seu próprio e rico acervo, para produzir DVD’s para colecionadores, com diversas abordagens sobre a sua própria história filmográfica. Documentários sobre a sua obra, a mirar em aspectos específicos ou mesmo sobre as suas estrelas, Christopher Lee e Peter Cushing, principalmente, encantaram os seus fãs, naturalmente. Uma boa nova surgiu já no avançar dos anos 2000, quando em 2008, a Hammer anunciou a retomada de sua produção cinematográfica.
Com abordagem moderna, norteamericanizada demais para os mais puristas fãs da velha Hammer, mas com qualidade técnica no padrão dos Blockbusters da atualidade, a Hammer vem a lançar filmes novos e que estão a amealhar bons números nas bilheterias. "Let me in"; "The Resident"; "Wake Wood"; "The Woman in Black"; e "The Quiet Ones", são exemplos dessa produção moderna da Hammer, e sim, direcionada no terror.
Para 2015, é aguardado “The Woman in Black” (Angel of Death), uma continuação do filme protagonizado pelo ator, Daniel Radcliffe, o eterno, Harry Potter.
A Hammer fez história com os seus filmes produzidos mediante um orçamento barato, porém muito marcantes na história do cinema britânico e mundial. Passou por muitas fases, quase a acabar logo no seu nascedouro, e sob uma fase bem posterior, a ficar quase invisível ao grande público, embora viva.
Teve também o seu auge, com a possibilidade em angariar muitos fãs em todo o mundo. Ressurge no mundo atual dominado pelo cinema Blockbuster, e colocou-se nesse mercado, coadunado com a tendência moderna.
Torço para que continue viva e ativa por muitos anos. E sou muito fã de seu período áureo, do qual tenho muitos filmes devidamente alojados em minha prateleira de DVD’s.
Terror não é um gênero que agrade muitas pessoas e dentro do gênero, nem tudo que foi produzido, é agradável para todos.
Eu não diria que recomendo o gênero como um todo, sem reservas, pois nesse caso, a percepção de cada um é bastante subjetiva. Digo apenas que sou fã da Hammer e tenho saudade das noites das sextas do Cine Mistério, lá pelos idos de 1972, 1973, quando levei sustos, mas também encantei-me com a produção dessa companhia cinematográfica britânica...   

10 comentários:

  1. Ótima matéria, parabéns, muito bom mesmo :)

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    1. Grande Kim !

      Sei do seu apreço pelos filmes de terror,portanto, fico muito contente por saber que apreciou a matéria.

      Grato !!

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  2. Não sou ligada em terror, mas assisto só para ficar antenada com o mundo!
    Bjus e bom final de semana!
    http://www.elianedelacerda.com

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    1. Oi, Elyane !

      Pois é, o gênero não é dos mais queridos entre os cinéfilos, entendo a sua restrição pessoal.

      Grande final de semana para você, também !

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  3. Saudações, Luiz!
    Tudo bom?
    Amei sua matéria. Como fã do gênero de terror que sou, seja no cinema ou na literatura, fiquei encantando com tantas informações relevantes e enriquecedoras sobre a trajetória da Hammer; produtora da qual tenho gravado alguns filmes das décadas 60 e 70 do século passado.

    Desconhecia, contudo, a origem da cia e os primeiros "experimentos", muito me interessando pelo “The Quatermass Experiment” e o "X, the Unknown". Vou procurar!

    Adorei a citação ao Roger Corman, que é meu segundo cineasta favorito, perdendo somente para o John Carpenter (percebe-se que tipo de filme eu gosto, não?).

    Se uma ressalva me é permitida, eu amo o DRACULA NO MUNDO DA MINI-SAIA! rs! O CAPTÃO KRONOS: CAÇADOR DE VAMPIROS também. Explico-me: ambas as obras da Hammer possuem no cast a atriz, e cantora, inglesa Caroline Munro. Como "vivo dizendo" por todo lugar, tal estrela me é, e sempre será, a mais linda do firmamento; seja de qualquer galáxia ou dimensão.

    Lembro que aluguei recentemente o filme "A Inquilina", fiquei muito feliz de saber que a Hammer havia voltado a produzir. Que nunca mais pare! Assim como você, que continue sempre nos brindando com soberbos artigos!

    Um grande abraço e reitero os parabéns!
    *
    Willba.

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    1. Que legal que curtiu a matéria sobre a Hammer. Eu também adoro essa maravilhosa companhia britânica, paixão antiga, aliás.

      De fato, os filmes que citei como exemplos de declínio da Hammer, tem esse lado do erotismo, que a descaracterizaram em termos de sua fase clássica, mas claro que a beleza de algumas atrizes são notáveis, caso de Caroline Munro, que virou cult.

      Também gosto muito de Roger Corman e não foi à toa que o citei, quando estabeleci um paralelo com os movimentos do Rock : British Invasion e American Reaction.

      E em termos mais modernos, o Carpenter é sensacional, também, tem razão.

      Também fiquei contente em saber que a Hammer renasceu e está todo vapor, embora esteja bem americanizada e longe de suas características britânicas adoráveis do passado...

      Concordo : que nunca mais pare de produzir !

      Grato pelo apoio maravilhoso com a leitura, comentário e elogio !!

      Abraço, Will !!

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  4. Gosto de filmes de terror e não conhecia detalhes da história da Hammer, graças a seu texto obtive muito mais informações.
    Christopher Lee é maravilhoso, principalmente como Conde Drácula.

    Uma pena que o terror ficou tão banalizado com os ataques de zumbi e os serial killers, que já vem desde os anos 80.

    Parabéns e obrigada pela aula sobre a Hammer!!

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  5. Fico muito contente por saber que a matéria lhe deu elementos a mais para conhecer a velha Hammer.

    Concordo contigo, desde os anos 1980, o gênero "terror" mudou seu prumo, saindo do seu teor clássico e abaixando o nível a meu ver, com temáticas mais voltadas para aspectos sado-masoquistas e de certa forma, apelando para a tortura explícita.

    Vejo também um crescente exagero no quesito escatológico, mais investindo no nojo como reação do espectador, do que o medo em si.

    Enfim, não se fazem mais "Dráculas" classudos como a Hammer fazia...

    Grato por ler e opinar, amiga Jani !

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  6. Uma bela aula de história da Hammer. Gracias mi amigo

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  7. Mas que comentário elogioso !!

    Eu que agradeço, imagine !!

    Grande abraço, Lourdes !

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