Juízo de valor é um conceito subjetivo, isso é evidente. Desde
que o mundo existe, as sociedades mais primitivas trataram em precificar
tudo, e assim o mundo colocou-se a ser regido, sem a perspectiva de uma mudança
radical que possa vislumbrar a mudança da vida social do homem, em torno de tal paradigma. O assunto é imensamente amplo e portanto, eu vou direto ao ponto que desejo enfatizar nesta crônica.
No caso
específico do Brasil, o estigma em ter sido uma ex-colônia de um país
europeu, causou um prejuízo emocional, que na psique de nações com
história geopolítica igual à nossa, não necessariamente ocorreu na mesma predisposição. Refiro-me
à completa baixa autoestima que norteou a alma brasileira, e que por
séculos, mantém-nos aprisionados no paradigma da inferioridade.
Esse
complexo terrível que o brasileiro médio tem em relação às outras nações
do planeta, incluso países semelhantes, ou em condições socioeconômicas
ainda piores do que as nossas, resulta em uma subserviência patética e
patológica, que gera um sem número de situações vexatórias. O
brasileiro passa muito além do comportamento de simpatia para com
estrangeiros, quando exagera na dose em demasia, ao fazer com que o tal
“calor humano” seja na verdade um ato de absoluta subserviência, em muitos
aspectos.
O cronista / dramaturgo e crítico esportivo, Nelson Rodrigues, cunhou a famosa expressão : “Síndrome de Vira-Lata” para designar esse desvio de conduta, alimentada pelo patológico complexo observado em nossa inferioridade arraigada em nossas entranhas.
O cronista / dramaturgo e crítico esportivo, Nelson Rodrigues, cunhou a famosa expressão : “Síndrome de Vira-Lata” para designar esse desvio de conduta, alimentada pelo patológico complexo observado em nossa inferioridade arraigada em nossas entranhas.
Ao ir
ainda mais direto ao ponto, pois tal tema gera muitos desdobramentos,
quero observar uma questão específica com a qual estou acostumado, pois é
do meu métier como músico : o show business. O valor de um cachet é naturalmente proporcional à fama que cada artista consegue adquirir, isso não discute-se. É uma
questão óbvia e que demanda a conquista da sua popularidade, mediante
a sua exposição midiática e é natural que ganhe cada vez mais, conforme
cresce o seu portfólio, em todos os sentidos.
Mas aí o brasileiro entra com a sua famosa síndrome, e distorções ocorrem em todo momento. O
critério para precificar ingressos de shows internacionais, em relação
aos espetáculos produzidos por artistas nacionais, é de uma discrepância
assustadora. Por quê ? As desculpas são muitas e quase nenhuma é convincente o suficiente.
Escuto
pessoas a falar que o valor exorbitante, justifica-se pelo fato do
artista estrangeiro não comparecer com regularidade ao nosso país. Esse fora
um argumento relativamente válido até trinta anos atrás, pois faz
tempo, o Brasil entrou na rota internacional das turnês dos grandes
artistas.
E pelo
contrário, nos últimos anos, pelo fato do Brasil ter sido um dos raros
países do mundo a não entrar em recessão profunda pela turbulência gerada pela
crise mundial de 2008, o nosso país tornou-se uma espécie de "porto seguro" para muitos
artistas que estreitaram o espaço entre assuas visitas periódicas. Muitos aproveitaram-se dessa oportunidade e incluíram mais cidades brasileiras
nas suas turnês, ao deixar de lado a obviedade em realizarr shows apenas em São Paulo e
Rio de Janeiro. Pelo contrário, tornou-se comum artistas internacionais a marcar shows até em cidades interioranas, o que é ótimo, é claro. Artistas
a atuar no patamar médio e até com pequeno porte, afinaram o faro, e o Brasil tornou-se portanto, um
país apto a receber shows para todos os gostos, com bastante profusão. Outra
antiga desculpa comum, residia no fato de que a cada vinda do artista, seria melhor não perder a
oportunidade em vê-lo ao vivo, pois ele poderia demorar muito a voltar, e
até vir a falecer, para não existir uma outra chance.
Ora, ao
que consta-me, artistas brasileiros também estão sujeitos à morte
física, e se em tese, deixo de assistir um show de qualquer um deles, também abro a
possibilidade em não haver outra chance na prática, caso ele “venha a perecer. E
convenhamos : existem artista estrangeiro que tem vindo com tanta frequência
ao Brasil, que praticamente já fala português e com certa desenvoltura...
Ao ir além, são inúmeros os casos de artistas internacionais que até mantém residência temporária ou fixa no país. Apesar dessa frequência cada vez maior, velhos hábitos brasileiros não mudam. Um exemplo disso é a famosa “Síndrome de Vira Lata”, típica e de certa forma, crônica (espero que não seja eterna)...
O
artista estrangeiro, independente de sua qualidade, sempre é superestimado. E aqui não cabe esse
julgamento técnico, sobre a qualidade de cada um, embora em muitos casos isso deva ser levado em
consideração, sim, pois só pelo fato em ser estrangeiro, ele nem precisa cobrar demais, pois o
próprio brasileiro fará questão em pagar-lhe um cachet astronômico e aí sim, isso é um erro de avaliação. Está
impregnado em nossa alma, que o sujeito é sempre considerado “superior” a nós, só por ser
estrangeiro e se for alguém de origem anglo-saxã, então, o encantamento é ainda maior.
Basta falar inglês e o sujeito já coloca-se em uma situação muito favorável aos seus interesses.
Em
detrimento dessa prática, para convencer o público a pagar ingresso até dez
vezes mais barato do que pagaria aos estrangeiros, na contrapartida, para convencê-lo a assistir a performance de um artista
brasileiro, é uma luta quase inglória da parte de um produtor musical e quem for do meio, e estiver a ler
esta crônica, certamente haverá em concordar comigo. Resumo :
para quem achava que o fato do Brasil ter entrado há muito tempo na
rota do circuito de shows do planeta, isso seria uma porta aberta para o
fomento da cultura e de seus artistas locais, houve um ledo engano. De fato,
a infraestrutura para realizar-se shows, melhorou muito, mediante o uso de equipamento de
som & luz, compatíveis com o padrão de primeiro mundo; existe muitas
casas de espetáculos com essa infraestrutura e logística; estádios e arenas
a surgir, principalmente no pós-Copa, em condições tão boas ou até
melhores que estádios norteamericanos e europeus; temos tecnologia etc.
Contudo,
a patologia brasileira não foi curada... esqueceram-se em contratar um mutirão
formado por psicólogos; psicanalistas; psiquiatras e até terapeutas holísticos para promover essa
necessária cura da alma mater tupiniquim ! E nesses
termos, enquanto não mudarmos essa mentalidade formatada pela observação da inferioridade atroz
que corrói-nos, seremos por muito mais tempo, um povo que sempre estenderá
tapetes vermelhos aos estrangeiros, não por sermos calorosos e bons
anfitriões, mas por acharmos que eles são “superiores” e dessa forma, merecem
isso, ao sempre ser tratados com o exagero e a vergonhosa subserviência de nossa parte.
Matéria publicada inicialmente no Blog Planet Polêmica, em 2014.
Concordo com você, não nos posicionamos nunca!
ResponderExcluirOs brasileiros são muito comunicativos, são grandes artistas natos, mas não se impõem, e sempre reverenciam os estrangeiros, como se não tivéssemos nosso valor cultural!
lindo texto!
bjus
http://www.elianedelacerda.com
E claro que esse raciocínio se adequa a qualquer setor e não só na música.
ExcluirNo mundo literário, que você conhece bem, para um autor se firmar e sobreviver é uma luta, enquanto autores estrangeiros vendem como água nas livrarias; no cinema então, nem se fale...um filme brasileiro só arrasta público para as salas de exibição, se tiver apoio maciço da rede Globo, caso contrário, sai de cartaz com menos de uma semana de exibição e por aí vai...
Nosso valor cultural é extraordinário, mas absolutamente sabotado pela mentalidade do nosso próprio povo em enaltecer estrangeiros, apenas.
Muito grato pela sua opinião, que tem peso muito grande nessa questão, pela sua atuação como escritora e agitadora cultural que é.