terça-feira, 3 de março de 2015

Reclamar por Reclamar - Por Luiz Domingues

Existe um bom contingente de pessoas que possui um tipo de visão amarga da vida, por natureza. A sua percepção da existência, é permeada pelo pior viés, como se fosse normal esperar sempre pelo mais desastroso desfecho de tudo.
Fico abismado em verificar como reclama-se das questões básicas de cidadania, mas ao mesmo tempo, não reconhecem nenhum esforço feito para buscar soluções, mesmo para problemas cruciais, que elas mesmo, vivem a reclamar. Em uma cidade caracterizada pelo trânsito caótico, como São Paulo, há décadas as pessoas habituaram-se a reclamar com veemência dessa dificuldade histórica, e a cada dia, a revelar-se pior.

A máxima da física, que afirma : “dois corpos não podem ocupar o mesmo espaço”, parece que não entra na cabeça das pessoas que paradoxalmente reclamam tanto do trânsito. Se ninguém colabora, e nesses termos, todos querem usar carros particulares, não parece óbvio que não haverá espaço na via pública para que todos possam circular ?

A justificativa está na ponta da língua dos reclamões : “o transporte público não presta, por isso não o uso, ao forçar-me a locomover-me mediante o uso de um carro particular”.
Claro que eu não sou cego, e concordo que não temos transporte público aob um patamar de qualidade que gostaríamos e mereceríamos ter o usufruto. Há muito o que melhorar, eu concordo. O contraponto disso, é que esforços estão a ser feitos nas grandes cidades e no caso, cito São Paulo por ser a minha cidade, e onde transito e conheço bem. Recentemente, a prefeitura passou a adotar medidas radicais para tentar desafogar o trânsito. Claro que algumas ações foram polêmicas e algumas, por certos aspectos técnicos, atabalhoadas em sua resolução.

Mas a intenção foi ótima, e eu só vejo reclamação vindo da parte de quem reclama o tempo todo que o trânsito é “insuportável”. O que desejam então ? Se o poder público não faz nada, reclamam; se faz alguma coisa, reclamam também ?

Qual seria a solução “mágica” para tornar o trânsito agradável, na opinião dos “reclamões” de plantão ? Lembro-me que na metade dos anos setenta, a prefeitura de São Paulo instituiu a zona azul, para tornar o espaço público mais democrático, visto que a frota apresentava-se altíssima já naqueles padrões da época, e os espaços para estacionar, a ficar escassos. A revolta foi enorme na ocasião, pois mostrou-se como uma medida extremamente antipática, mas diante da crescente falta de espaços para estacionar, foi algo inevitável. Duas décadas depois, a prefeitura trouxe o conceito do rodízio de veículos. Isso já estava a acontecer na Cidade do México, com bom resultado a mostrar alívio no tráfego daquela megalópole bastante parecida com São Paulo, portanto, deveria em tese, funcionar por aqui, igualmente.

Claro que uma forte reação ocorreu”, através de uma saraivada de críticas ao poder público, mas quase vinte anos depois, dá para conceber São Paulo com a frota a contar com mais de sete milhões de carros particulares; 35 mil táxis; 15 mil ônibus, e uma infinidade de frotas de empresas, carros oficiais; e milhares de carros de outras cidades, estados, e até de países vizinhos, que aqui trafegam, a poder circular livremente pela via pública, todos os dias ? Agora está a acohtecer um incentivo ao uso de bicicletas. Ótima medida incentivar a bicicleta no cotidiano, e não só como veículo para lazer dominical. Que boa a perspectiva do cidadão ir com bicicleta ao trabalho; escola; às compras etc. 

Só que na selvageria do trânsito, os ciclistas correm risco de vida, permanente.

A mídia comprou a ideia do ciclista, e toda vez que registra-se um acidente com tal usuário, a comoção é geral, e claro que é plenamente justificada tal reação. A vida humana vale mais que qualquer ouro valor, certo ? Uma bandeira é hasteada : precisamos de ciclovias !

Então a prefeitura começa a delimitar espaço para ciclovias na cidade inteira. É a segurança do ciclista ao ser resguardada, e o incentivo para que mais pessoas sintam-se seguras, e usem a bicicleta no cotidiano, sem medo. Atendida a reivindicação ? Pois não é que os reclamões de sempre, atacaram as ciclovias ? 

- “Que absurdo” !
-“Estão a tirar o espaço dos carros”...

Mas vocês não reclamavam que o trânsito estava impossível, e o poder público, nada fazia ? Outro exemplo ?


-“O serviço de transporte público não presta”.

A prefeitura esforça-se para criar o máximo em termos de corredores de ônibus exclusivos, ao fazer com que os ônibus fiquem menos sujeitos aos engarrafamentos; que fluam, e assim, ao rodar mais depressa, abre-se espaço para mais ônibus poder circular e isso é um claro incentivo para que as pessoas deixem os seus carros na garagem, e usem os ônibus, mas qual é a atitude padrão do “reclamão” contumaz ? Pois se ficam engarrafados dentro de seus carros, a olhar os ônibus a passar mais rápido, e por conseguinte a amaldiçoar o poder público que tirou-lhes espaço...
Deixar o seu bólido na garagem e usar o ônibus, nem pensar, mas exigir dos governantes, um “passe de mágica”, onde mais de sete milhões de veículos circulem sob um espaço físico que não comporta nem um terço dessa frota, é o seu esporte predileto. Para não falar-se que estou a proteger o partido A ou B, cito o governo estadual, que tem outra posição política, mas que igualmente vem a realizar esforços para melhorar o trânsito na capital paulista.

No que compete-lhe nessa equação : metrô; trens metropolitanos, e a minimização de caminhões na cidade, com a construção do rodoanel, a meta é igualmente incentivar o transporte público, mas quem predispõe-se em somente usar tais meios e deixar o carro em casa ? O suprasumo dos últimos dias, e que motivou-me a escrever esta crônica, veio do centro de São Paulo, em mais uma ação ousada da atual gestão da prefeitura. Como é sabido, na cidade de Tóquio, existe marcações de travessia de pedestres, nas grandes avenidas, em formato diagonal.

A lógica dessa engenharia de trânsito, é proporcionar aos pedestres, a oportunidade para atravessar em uma única etapa, uma travessia que obrigaria o transeunte a realizá-la em duas etapas, no método tradicional. Ganha-se tempo e estressa muito menos, portanto, aumenta-se a qualidade de vida. Existe turista brasileiro que faz “selfie” nesses cruzamentos da capital nipônica, e acha o máximo da modernidade... que bacana !

E não é que no primeiro dia em que tal marcação foi feita em um cruzamento de avenidas do centro de São Paulo, os reclamões atacaram-na com truculência ? Cáspite, ainda é um projeto experimental, e a turma sempre opositora já decretou que "não funciona"; "é um horror", "é mais um desastre dessa administração" etc;

Ora, ora, volto ao início da crônica : se o poder público faz uma administração morna, daquelas que não ousam, e só mantém o caos de sempre... reclamam ! Se uma administração tenta fazer alguma coisa, ainda que abra espaço para errar em algum aspecto, mas tenta, ora bolas, reclamam... conclusão : temos problemas urbanísticos graves para enfrentar e resolver. O espaço é cada vez menor, e sob uma progressão geométrica, cada vez existe uma maior contingente e as suas necessidades inerentes. Todo dia, o Detran de São Paulo emplaca uma média de oitocentos carros novos, para entupir a via pública cada vez mais !

Você não aguenta mais os engarrafamentos, e deseja que as autoridades resolvam isso imediatamente. Só que : não abre mão em usar seu carro o tempo todo, e em hipótese alguma, sequer cogita isso; não quer que os ônibus circulem em uma faixa exclusiva; não aceita a implementação de ciclovias, pois ao seu ver, “atrapalha-te”; faz abaixo assinado para não construir estação de Metrô no seu bairro classe média, para não atrair pessoas “diferenciadas”; não quer que construa-se monotrilhos; recusa-se a usar transporte público...

O que você quer afinal ? Pois mágica, meu amigo, não existe, sinto informar-lhe. Ah, já sei... quer...reclamar !
Oh vida, oh azar... como diria a hiena Hardy Har Har...
Matéria publicada inicialmente no Blog Planet Polêmica, em 2015

4 comentários:

  1. hum !!!!!!! ....triste comedia a familia paulistana que não tem fim de semana ....e tem transito todo dia .boas observaçoes numa cidade grande e bela como Sampa.Caótico e pesado.Temos que nos adaptar cada dia mais e mais a essas mudanças na sociedade e aceitando .Agora ofato de reclamar acho que o brasileiro reclama de tudo e de todos e de toda hora faz assim na sua vida.Ai sim , acho que é um caso cronico de reclamação dos brasileiros e dos paulistas no caso em que vce explicou ...acho dificil mudar essa mentalidade , o que faço é tentar mudar todo dia para melhor tudo que faço e pénso ..procuro fazer minha parte e assim tem muita gente que vive na utopia de um melhor , ainda bem que nao sou o unico kkkkkkk.abraços.

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    1. Infelizmente, acho que você tem razão quando afirma considerar difícil mudar uma mentalidade tão arraigada. Somos um povo reclamão por natureza.

      Adorei a citação ao grande Joelho de Porco...se bem que nesse caso, isso pelo menos nós superamos : ir no domingo depois do almoço, no aeroporto de Congonhas para ficar vendo pousos e decolagens no terraço panorâmico, era o fim da picada da cafonália !!

      Valeu por comentar, Oscar !

      Abraço !

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  2. só ratificando :eu nuca fui ver aviao no aeroporto, mas muito dos paulistanos faziam isso

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    1. Confesso que fui uma vez, mas a ideia não foi minha, e sim do meu pai, e com sete anos de idade que eu tinha na ocasião, achei "legal" a experiência e nem suspeitava que isso fosse de uma cafonice atroz...

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