Não
era miragem, uma caravela navegou em São Paulo...
Quem nasceu em São Paulo; morou, ou andou pela cidade entre 1970 e 1995, deve lembrar-se que uma construção exótica fez parte da paisagem urbana nesse período, ao chamar a atenção pelo seu caráter inusitado.
Quem nasceu em São Paulo; morou, ou andou pela cidade entre 1970 e 1995, deve lembrar-se que uma construção exótica fez parte da paisagem urbana nesse período, ao chamar a atenção pelo seu caráter inusitado.
Em pleno curso da Avenida 23 de maio, uma das avenidas dotadas do maior movimento da cidade e que estabelece a ligação do
centro ao epicentro da zona sul, com braços estratégicos a ligar as zonas
norte; leste e oeste da cidade, por vinte e cinco anos, uma surreal presença fez-se presente,
próxima ao viaduto Tutóia, na margem direita, sentido bairro / centro. Tratou-se de uma enorme
caravela, ao estilo das embarcações do século XVII, que esteve ali nesse período,
ao servir como cenário para empreendimentos diferentes.
Em 1970,
quando foi construída, a caravela teve um princípio óbvio : fora concebida
para ornar um restaurante temático, chamado : “A Caravela”. Com essa
ambientação temática, claro que chamou a atenção dos paulistanos e convenhamos,
gastronomia em São Paulo é um negócio com alta concorrência, portanto, a aposta
em um cenário exótico, mesmo que muito caprichado e criativo, não poderia ser o
único trunfo do proprietário. E assim, por
muitos anos, foi um restaurante de sucesso, ao atrair gourmets dos quatro cantos
da cidade. Com quatro mil e quinhentos
metros de área, chamava a atenção pela opulência, e tornou-se um ponto de
referência para quem estava absorto no trânsito, evidentemente.
Durante esse
tempo em que existiu, as pessoas falavam sobre tal construção nos seguintes termos : “perto da caravela”; ”depois da
caravela”; “antes da caravela”, para usar como referência de espaço e localidade. Além dos seus
frequentadores, a opinião externa sobre a sua aparência e existência, em meio a
uma avenida super movimentada, também dividiu opiniões. Muitos
achavam-na bonita, mas muita gente também considerava-a uma aberração "kitsch". Em 1984, a
construção passou por uma reforma severa, e tornou-se uma “danceteria”. Vivia-se a
febre das danceterias em São Paulo e Rio de Janeiro, e todo espaço disponível, dotado de uma grande dimensão,
tornou-se opção para que empresários da noite inaugurassem casas sob tal aporte,
ao constituir-se em uma tendência dentro do empreendedorismo de então.
E a velha
caravela não escapou disso, e com nova direção e funcionalidade, transformou-se
então, na : Danceteria “Latitude 3001”. Os seus donos, foram os irmãos Samelli, Sandro e André, em sociedade com Charles, o proprietário de outra casa badalada na cidade, o Victória Pub. Na gerência da casa, ocupou o cargo, o senhor, Orlando Alessio. Em setembro
de 1984, deu-se a sua inauguração, e em princípio, muita gente julgou que o
numeral, “3001”, fosse uma citação futurista, mas não, foi apenas a numeração da
casa, na Avenida 23 de maio.
Além do
palco principal para shows de Rock, criou-se uma ambientação labiríntica, que de
certa forma lembrou a mesma dinâmica utilizada no Victoria Pub, um tradicional e incrível
Pub sob inspiração britânica, que operava há anos na Alameda Lorena, e não foi uma coincidência, conforme já aludi acima, a tal ligação entre as duas casas. Tornou-se portanto uma tremenda atração na cidade pois mediante sala de
jogos (dardos; jogos de mesa como xadrez
/ dama, e dominó); pista de dança para som eletrônico; "lounge" para namorar; pizzaria / restaurante para duzentas
pessoas e um pequeno lago artificial para promover passeios mediante o uso de barquinhos, já que a caravela sempre ficou atracada...
Ao seguir o estilo
de parques temáticos, intervenções com atores caracterizados simulavam duelos e
ataques de piratas marítimos em todos os ambientes da casa, para tornar a estada
em suas dependências, ainda mais interativa, ou infantiloide ao estilo Disney, a depender da
percepção de cada um. Confesso que
gostaria de ter tocado lá com a minha banda naquela época, A Chave do Sol, mas isso
nunca aconteceu. Em 1984, uma negociação chegou a ser aberta, mas o contato que intermediou-nos nessa tentativa de acordo, não foi hábil o suficiente, e por não
resistir ao trocadilho, digo que esse rapaz, “deixou-nos a ver navios”... mas pelo lado de fora, na
Avenida 23 de maio...
Mas o
Br-Rock 80’s também arrefeceu as suas forças, e a febre das danceterias passou tão
rápido, que do que jeito frenético que abriram aos montes em São Paulo e Rio,
fecharam na mesma velocidade. Uma última
tentativa em usar a caravela para uma finalidade de entretenimento, ocorreu no
final da década de oitenta, quando foi rebatizada como : “Lamba Reggae”. Era uma
clara intenção em aproveitar a onda da “lambada”, que assolava o Brasil naquela
fase, mas que ainda bem (que perdoe-me quem gosta dessa dança / ritmo), passou,
em questão de meses.
Decadente, a
caravela não conseguiu emplacar mais como casa noturna, para tornar-se a seguir, uma casa de
material de construção, e um horrível lava-rápido de automóveis, depois disso. Demolida em
1995, mesmo decadente há anos, o paulistano comentou com certa ênfase a
demolição de uma exótica construção sobre a qual acostumou-se a enxergar, mesmo que nunca
cogitasse ao menos saber do que tratava-se.
Aposto como
90% dos apressados motoristas que passaram na 23 de maio, nesses vinte e cinco anos em que
ela esteve ali atracada, nem suspeitavam do que tratava-se, e naturalmente
ficaram alheios às suas muitas metamorfoses.
Depois de
demolido, ali foi construído um hotel de luxo, e que foi bastante usado na
Copa do Mundo de 2014, inclusive pela Seleção Brasileira, que ali hospedou-se
por ocasião de seu jogo de estreia, e abertura do torneio.
E foi assim, mesmo não sendo uma cidade
litorânea, São Paulo teve uma caravela em sua paisagem urbana.
Matéria publicada inicialmente no Site / Blog Orra Meu, em 2015.
Agradeço ao leitor, Orlando Alessio, que foi gerente da Danceteria Latitude 3001, nos anos oitenta, e através de seu comentário postado, contribuiu com importantes informações sobre tal casa de espetáculos e que eu prontamente anexei à matéria, a posteriori.
Adorei ler seu cometario trabalhei na casa e fiquei muito feliz com esta lembrança
ResponderExcluirMas que maravilha receber sua visita em meu Blog. Ainda mais se levando em conta que relatou ter tido uma experiência profissional com aquela casa.
ExcluirSe tivesse lhe conhecido antes, fatalmente lhe teria solicitado uma entrevista, para que suas lembranças pessoais me ajudassem a compor melhor esse texto.
Independente disso, estou muito feliz em saber que achou meu Blog na Internet, e que o texto lhe trouxe boas lembranças.
Visite sempre o Blog, será um prazer para mim !
Grande abraço !!
Ola luiz. Um prazer enorme ver sua reportagem. Eu trabalhei no Latitude 3001 como gerente administrativo na epoca. Era sim a melhor casa de shows e danceteria do momento. Tinhamos um movimeto de 2000 pessoa na sexta 2000 no sabado e 1000 no domingo. Lá se apresentou.Dj Badinha residente. Barão Vermelho. Sá e Guarabira. Titas. Plebe Rude. Internacional a Nina Raghen. Alem de varios outros artista. Era um evento que agitava a cidade na época. A melhor casa de SP. Seus sócios Sandro Sameli e Andre Sameli. Charles dono tambem Victória Pub. Tambem um ícone da época. Falo com saudades. Mando grande abraço a todos e funcionários que ali ficou em minha lembrança. Orlando Alessio.
ResponderExcluirOlá, Orlando !
ResponderExcluirEm primeiro lugar, estou muito feliz por sua visita e postagem de comentário, participando ativamente do debate proposto pelo texto. E num segundo ponto, que informações ricas enviou-me, citando sua participação como gerente do Latitude 3001, e nomeando seus comandantes. Vou dar uma mexida no texto, agregando tais informações importantes que forneceu-me a fim de enriquece-lo. Meu muito obrigado por essas dicas importantes e parabéns pelo trabalho que realizou nessa histórica casa de espetáculos.
Grande abraço e volte sempre ao meu Blog !!
Olaa esses dias lembrei desse lugar que não pude conhecer por ser menor de idade e ter uma pai muito controlador rs que pena. O lugar era super inusitado. Parabéns pela reportagem!! Rosi Pecci
ResponderExcluirOlá Rosi !
ExcluirPois eu fico muito contente em saber que a minha matéria despertou-lhe essa lembrança boa, mesmo que não tenha tido a oportunidade de visitar a caravela, por ser pequena na ocasião. Coisas da vida, eu também perdi muita coisa que eu gostaria de ter visto de perto, justamente por ser pequeno na ocasião em que tais acontecimentos estiveram proeminentes na sociedade.
Super grato por visitar o meu Blog e postar um bonito comentário ! Volte sempre !
Forte abraço !
Lí emocionado o texto. Obrigado pelo cuidado e trabalho em compartilhar a História. Sou paulistano da zona sul nascido em 1960. E lembro-me muito bem do restaurante e da "discoteca". Não sei se faz parte do "ficar velho"mas me deu uma saudade absurda dos velhos tempos.( com aquela percepção que tudo era muito mais legal e emocionante.) Pô MEU! Felicidades ao criador do blog. Felicidades aos que passaram por ele um pouquinho.
ResponderExcluirnem assinei, desculpe. Dimas Costa Junior - São Paulo - SP
ResponderExcluirMatéria maravilhosa, me remeteu a uma época muito legal e divertida, comecei a trabalhar em 1983 no Victória Pub e posteriormente fui transferido para o Latitude desde a sua inauguração, fiquei até 08/1986. São muitas as lembranças, época marcante em minha vida, trabalhava nas casas com controle das comandas e fluxo dos caixas no dia posterior e curtia ao mesmo tempo a noite, muito bom!! Obrigado por este blog maravilhoso. Sou o Eduardo
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