sexta-feira, 13 de fevereiro de 2015

Os Prós e Contras do Bom Velhinho - Por Luiz Domingues




Entre tantas simbologias que espalham-se pelo imaginário do povo, sem dúvida que uma das mais fortes é a referente à personagem do Papai Noel. A sua figura espalhafatosa, aliado ao fato de ser um idoso bonachão, em tese constituem-se apenas de fatores superficiais, pois o que realmente encanta em sua figura, são outros elementos inerentes à sua simbologia.

O primeiro fato e sem dúvida o mais marcante, é o da sua predisposição contumaz para agradar as pessoas, ao distribuir presentes e assim realizar sonhos. Essa vocação para a bondade, é por si só algo extraordinário se pensada como uma ação utópica, em meio a uma realidade tão áspera em que vivemos, e que por conta da luta pela sobrevivência, abre campo para todo o tipo de adversidade,incluso a crueldade, como contraponto da realidade. 

A formação do seu mito remonta ao paganismo pré-cristão, na Idade Média.
A sua mais remota raiz foi o “Velho Inverno”, um ser que simbolizava o inverno enquanto personificação da natureza e que mediante invocações pagãs, realizava pequenas ações bondosas para amenizar os efeitos da estação fria, entre os mais necessitados durante a ação do duro frio europeu. Alguns séculos passaram-se até que o mito do velho inverno fundiu-se à história de um homem chamado : Nicolau e que vivera na Turquia. A sua fama em ajudar pessoas carentes, inclusive a custear-lhes a resolução de suas necessidades prementes, tornou-o objeto de santificação pela Igreja católica.
São Nicolau entrou para a história como um homem bondoso que presenteava as pessoas com enorme compaixão.
Ao atingir a idade contemporânea, São Nicolau abriu caminho para que Santa Claus, ganhasse o contorno com o qual mais familiarizamo-nos na atualidade, e foi através de um desenhista alemão chamado, Thomas Nast, que o estilizou como a um velho gnomo de floresta, que o personagem ganhou a aura mais fantasiosa e remeteu-lhe ao imaginário infantil das histórias da carochinha, através de uma publicação do final do século XIX.
Mas o toque comercial e capitalista pós Revolução Industrial veio mesmo quando a Coca-Cola contratou o publicitário, Haddom Sundblom, em 1931, e o bom velhinho ganhou a roupa vermelha que o tornaria famoso mundialmente, para associá-lo às cores do dito refrigerante e criar dessa forma, o mito subliminar de que a sua simpática figura conteria o espírito da companhia e vice-versa. 

Cabe várias visões sobre esse ato de bondade desinteressada de um ser mitológico que tem como ocupação, apenas agradar as pessoas.
Evidentemente que o imaginário humano agarrou-se a tal ideia como uma boia salvadora, em meio ao mar revolto gerado pela vida real. Como uma ferramenta psicológica a fornecer-nos esperança por dias melhores, tem a sua validade, é claro.
Pelo lado oposto, detratores do mito, acusam-no em ser uma mera ferramenta mercadológica do capitalismo selvagem. Não deixa de ser verdade que tal artifício é usado ad nauseaum pelo mundo corporativo; comércio; indústria & afins. Não é culpa da personagem, mas o fato é que o “bom velhinho” é usado e abusado em campanhas publicitárias extremamente apelativas, e que chegam a enojar pelo excesso de pieguice inerente. Outro aspecto nocivo que criou-se com essa manifestação folclórica, é pelo efeito depressivo que alavanca, para quem está em situação difícil sob qualquer aspecto.
Mais uma vez não é culpa da personagem, mas para quem está doente; encarcerado; com dificuldades financeiras ou sob qualquer outra razão; se perdeu um ente querido recentemente; sem perspectivas ou qualquer outra (des)motivação a caracterizar o baixo astral, a figura do velhinho bonzinho e otimista e que não conseguirá resolver os seus problemas imediatos, só potencializa a sua baixa autoestima. Mas claro, é nas crianças que o efeito do mito revela-se mais forte, naturalmente. A manipulação adulta em imputar-lhes a contrapartida em ter que portar-se no sentido em ser um bom menino / menina, para que seja merecedor do sonhado presente que o velhinho haverá por trazer-lhe, ao final do ano, é um ranço moralista, com implicações religiosas, não resta dúvida.
Mesmo com boa intenção em estabelecer limites e a ensinar o conceito de direito e deveres para as crianças, os pais usam tal ferramenta com uma carga negativa, que ao meu ver tem uma carga explícita em termos de chantagem; coação, e ao ir além, sutilmente estabelece um sistema opressivo mediante o uso de dominação ditatorial, abominável.

Poucos dias atrás conversei com um conhecido meu que tem formação acadêmica no campo da psicologia, e é também pedagogo, além de bastante envolvido com militância em ações de cidadania e sustentabilidade ecológica.
Dono de um charmoso Café no bairro do Belém, na zona leste de São Paulo, enquanto servia-me um café daqueles bem caprichados, coisa de barista experiente, contou-me como faz para manter intacto o Papai Noel em tamanho natural que orna as dependências de seu Café, nessa época do ano, e que encanta as crianças, mas provoca a vontade quase inevitável nos adolescentes, de o vandalizar gratuitamente. Com metodologia e paciência zen, ele domou o instinto normal dessagarotada oriunda de uma escola particular (e bem cara, por sinal), que fica localizada há dois quarteirões de seu estabelecimento. 
 

E o seu Papai Noel em tamanho natural e que fala e canta em inglês, graças aos recursos eletrônicos dos quais dispõem, não corre mais riscos ! Nesse momento, percebi que a visão lúdica do Papai Noel, tem sim uma função benéfica. O meu amigo a falar que a magia é fundamental para o desenvolvimento cognitivo das crianças e que sem o lúdico, não tem como construir as bases da criatividade, fez todo o sentido naquele instante, pois ativou em minha consciência, uma ligação pessoal com o conceito. Mesmo a saber disso, por ter lido artigos e ouvir gente entendida em psicologia / psicanálise e demais profissionais que estudam a psique humana, eu mantinha até então, apenas a compreensão intelectual de tal ditame.
Mas ali, em meio aos goles do café, e sobretudo a ouvir o meu amigo explicar com bastante embasamento, e ao ver o boneco a cantar "Jingle Bell" (em meio às indefectíveis iterjeições, “ho ho ho”), fui além da racionalização meramente intelectual e entendi a argumentação sob outro viés. Por estabelecer uma percepção muito pessoal, mas que ajudou-me a compreender muito melhor a argumentação, de fato, a magia do Papai Noel tem muita importância como ferramenta lúdica para os pequenos. Se houver a possibilidade em não haver coação, manipulação, e domínio sob a égide do medo, sem barganhas e sem a ideia de que deva existir contrapartida obrigatória, acreditar na bondade como ferramenta para disseminar ideais de fraternidade entre os homens, é certamente uma forma de contribuição inestimável para melhorar este planeta.
Tal gesto pode ser a alavanca para uma nova consciência de que a fraternidade deva ser exercida nos 365 dias do ano, e não apenas motivada pelo chamado : "espírito natalino". Tal consciência deve assumir o tom de naturalidade e não estar associada à compaixão tão somente, e sobretudo, desassociada de qualquer fundamentação religiosa; filosófica ou institucional.
Ser fraterno naturalmente, de forma anônima, sem fazer disso um acontecimento que deva angariar simpatia pessoal e que reverta em popularidade, que invariavelmente é interpretada como uma oportunidade política, e entenda-se política não como a nobre ciência social, mas a política rasteira de cunho partidário e eleitoreiro.
Talvez aí esteja a verdadeira essência do Papai Noel, ou seja, a simbologia da personagem a fazer com que enxerguemos que devamos ser fraternais, naturalmente, pois isso nos faz bem, interiormente. Como personagem, ele é imaginário, mas em termos sutis, o Papai Noel pode ser a metáfora dessa nova ordem fraternal, onde presentear as pessoas torne-se algo normal e não  refiro-me aos presentes materiais, evidentemente.

Matéria publicada inicialmente no Blog Planet Polêmica, em 2015.

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