Entre tantas simbologias que espalham-se pelo imaginário
do povo, sem dúvida que uma das mais fortes é a referente à personagem do Papai Noel. A sua figura espalhafatosa, aliado ao fato de ser um
idoso bonachão, em tese constituem-se apenas de fatores superficiais, pois o que realmente encanta em sua
figura, são outros elementos inerentes à sua simbologia.
O primeiro fato e sem dúvida o mais marcante, é o da sua
predisposição contumaz para agradar as pessoas, ao distribuir presentes e
assim realizar sonhos. Essa vocação para a bondade, é por si só algo extraordinário
se pensada como uma ação utópica, em meio a uma realidade tão áspera em que
vivemos, e que por conta da luta pela sobrevivência, abre campo para todo o tipo de
adversidade,incluso a crueldade, como contraponto da realidade.
A formação do seu mito remonta ao paganismo pré-cristão, na Idade Média.
A formação do seu mito remonta ao paganismo pré-cristão, na Idade Média.
A sua mais remota raiz foi o “Velho Inverno”, um ser que
simbolizava o inverno enquanto personificação da natureza e que mediante
invocações pagãs, realizava pequenas ações bondosas para amenizar os efeitos da
estação fria, entre os mais necessitados durante a ação do duro frio europeu. Alguns séculos passaram-se até que o mito do velho
inverno fundiu-se à história de um homem chamado : Nicolau e que vivera na
Turquia. A sua fama em ajudar pessoas carentes, inclusive a custear-lhes a resolução
de suas necessidades prementes, tornou-o objeto de santificação pela Igreja católica.
São Nicolau entrou para a história como um homem bondoso
que presenteava as pessoas com enorme compaixão.
Ao atingir a idade contemporânea, São Nicolau abriu caminho
para que Santa Claus, ganhasse o contorno com o qual mais familiarizamo-nos na
atualidade, e foi através de um desenhista alemão chamado, Thomas Nast, que o
estilizou como a um velho gnomo de floresta, que o personagem ganhou a aura
mais fantasiosa e remeteu-lhe ao imaginário infantil das histórias da carochinha, através de uma publicação do final do século XIX.
Mas o toque comercial e capitalista pós Revolução
Industrial veio mesmo quando a Coca-Cola contratou o publicitário, Haddom
Sundblom, em 1931, e o bom velhinho ganhou a roupa vermelha que o tornaria
famoso mundialmente, para associá-lo às cores do dito refrigerante e criar dessa forma, o
mito subliminar de que a sua simpática figura conteria o espírito da companhia e
vice-versa.
Cabe várias visões sobre esse ato de bondade desinteressada de um ser mitológico que tem como ocupação, apenas agradar as pessoas.
Cabe várias visões sobre esse ato de bondade desinteressada de um ser mitológico que tem como ocupação, apenas agradar as pessoas.
Evidentemente que o imaginário humano agarrou-se a tal ideia
como uma boia salvadora, em meio ao mar revolto gerado pela vida real. Como uma ferramenta psicológica a fornecer-nos esperança por
dias melhores, tem a sua validade, é claro.
Pelo lado oposto, detratores do mito, acusam-no em ser uma mera
ferramenta mercadológica do capitalismo selvagem. Não deixa de ser verdade que tal artifício é usado ad
nauseaum pelo mundo corporativo; comércio; indústria & afins. Não é culpa da personagem, mas o fato é que o “bom
velhinho” é usado e abusado em campanhas publicitárias extremamente apelativas,
e que chegam a enojar pelo excesso de pieguice inerente. Outro aspecto nocivo que criou-se com essa manifestação
folclórica, é pelo efeito depressivo que alavanca, para quem está em situação
difícil sob qualquer aspecto.
Mais uma vez não é culpa da personagem, mas para quem
está doente; encarcerado; com dificuldades financeiras ou sob qualquer outra razão;
se perdeu um ente querido recentemente; sem perspectivas ou qualquer outra (des)motivação
a caracterizar o baixo astral, a figura do velhinho bonzinho e otimista e que não conseguirá
resolver os seus problemas imediatos, só potencializa a sua baixa autoestima. Mas claro, é nas crianças que o efeito do mito revela-se mais
forte, naturalmente. A manipulação adulta em imputar-lhes a contrapartida em ter que portar-se no sentido em ser um bom menino / menina, para que seja merecedor do sonhado presente que o
velhinho haverá por trazer-lhe, ao final do ano, é um ranço moralista, com implicações
religiosas, não resta dúvida.
Mesmo com boa intenção em estabelecer limites e a ensinar o
conceito de direito e deveres para as crianças, os pais usam tal ferramenta com
uma carga negativa, que ao meu ver tem uma carga explícita em termos de chantagem; coação, e ao ir
além, sutilmente estabelece um sistema opressivo mediante o uso de dominação ditatorial,
abominável.
Poucos dias atrás conversei com um conhecido meu que tem formação acadêmica no campo da psicologia, e é também pedagogo, além de bastante envolvido com militância em ações de cidadania e sustentabilidade ecológica.
Poucos dias atrás conversei com um conhecido meu que tem formação acadêmica no campo da psicologia, e é também pedagogo, além de bastante envolvido com militância em ações de cidadania e sustentabilidade ecológica.
Dono de um charmoso Café no bairro do Belém, na zona
leste de São Paulo, enquanto servia-me um café daqueles bem caprichados, coisa
de barista experiente, contou-me como faz para manter intacto o Papai Noel em
tamanho natural que orna as dependências de seu Café, nessa época do ano, e que encanta as
crianças, mas provoca a vontade quase inevitável nos adolescentes, de o
vandalizar gratuitamente. Com metodologia e paciência zen, ele domou o instinto normal
dessagarotada oriunda de uma escola particular (e bem cara, por sinal), que fica localizada há dois
quarteirões de seu estabelecimento.
E o seu Papai Noel em tamanho natural e que fala e canta em inglês, graças aos recursos eletrônicos dos quais dispõem, não corre mais riscos ! Nesse momento, percebi que a visão lúdica do Papai Noel, tem sim uma função benéfica. O meu amigo a falar que a magia é fundamental para o desenvolvimento cognitivo das crianças e que sem o lúdico, não tem como construir as bases da criatividade, fez todo o sentido naquele instante, pois ativou em minha consciência, uma ligação pessoal com o conceito. Mesmo a saber disso, por ter lido artigos e ouvir gente entendida em psicologia / psicanálise e demais profissionais que estudam a psique humana, eu mantinha até então, apenas a compreensão intelectual de tal ditame.
Mas ali, em meio aos goles do café, e sobretudo a ouvir o meu amigo
explicar com bastante embasamento, e ao ver o boneco a cantar "Jingle Bell" (em
meio às indefectíveis iterjeições, “ho ho ho”), fui além da racionalização meramente
intelectual e entendi a argumentação sob outro viés. Por estabelecer uma percepção muito pessoal, mas que
ajudou-me a compreender muito melhor a argumentação, de fato, a magia do Papai
Noel tem muita importância como ferramenta lúdica para os pequenos. Se houver a possibilidade em não haver coação,
manipulação, e domínio sob a égide do medo, sem barganhas e sem a ideia de que
deva existir contrapartida obrigatória, acreditar na bondade como ferramenta
para disseminar ideais de fraternidade entre os homens, é certamente uma forma
de contribuição inestimável para melhorar este planeta.
Tal gesto pode ser a alavanca para uma nova consciência
de que a fraternidade deva ser exercida nos 365 dias do ano, e não apenas motivada
pelo chamado : "espírito natalino". Tal consciência deve assumir o tom de naturalidade e não
estar associada à compaixão tão somente, e sobretudo, desassociada de qualquer
fundamentação religiosa; filosófica ou institucional.
Ser fraterno naturalmente, de forma anônima, sem fazer
disso um acontecimento que deva angariar simpatia pessoal e que reverta em
popularidade, que invariavelmente é interpretada como uma oportunidade
política, e entenda-se política não como a nobre ciência social, mas a política
rasteira de cunho partidário e eleitoreiro.
Talvez aí esteja a verdadeira essência do Papai Noel, ou
seja, a simbologia da personagem a fazer com que enxerguemos que devamos ser fraternais, naturalmente,
pois isso nos faz bem, interiormente. Como personagem, ele
é imaginário, mas em termos sutis, o Papai Noel pode ser a metáfora dessa nova
ordem fraternal, onde presentear as pessoas torne-se algo normal e não refiro-me aos presentes materiais, evidentemente.
Matéria publicada inicialmente no Blog Planet Polêmica, em 2015.
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