A evolução das histórias em
quadrinhos no Brasil, vem de longa data, por remontar ao século XIX, através de
diversas publicações ocorridas através de jornais. Não demorou nada, e personagens
genuinamente brasileiros, já eram publicados em meio aos internacionais, e
ainda que a sofrer o habitual preconceito que o brasileiro nutre pelos seus
próprios valores, colocaram-se a lutar bravamente pela sobrevivência e a evoluir.
Nesse panorama, são vários os exemplos de
personagens brasileiros criados, entre os quais : “Chiquinho”; “Reco-Reco”;
“Bolão”, “Azeitona”; “Pão Duro”; “Tutu”; “Titi & Totó”; “Juca Pato”; “O Amigo
da Onça”, e já nos anos sessenta do século vinte, “A Turma da Mônica”. Outros vieram depois, certamente,
mas eu parei aí no início dos anos sessenta propositalmente.
“Audaz, o Demolidor”, salvo equívoco
de minha parte, teria sido o primeiro personagem com característica de
Super-Herói, criado ainda nos anos trinta. Por volta de 1953, a rádio Nacional
do Rio de Janeiro, lançou um personagem destemido, chamado : “Jerônimo, o Herói do Sertão”,
naturalmente para ser explorado inicialmente no formato de uma radionovela.
Tal formato era tradicionalmente
requisitado para retratar dramas adultos, sendo o embrião do que viria a tornar-se em seguida, as telenovelas, com as quais lidamos (ou aguentamos, seria
mais conveniente dizer), há quase sessenta anos. Porém, a destoar do romantismo padrão,
“Jerônimo, o Herói do Sertão” foi uma aposta ousada de mudança de paradigma, e
fatalmente atraiu a atenção do público infantojuvenil, já antenado nas
histórias em quadrinhos internacionais, mas também nos seriados exibidos no
cinema, com heróis os mais diversos, tais como : Flash Gordon; Superman;
Fantasma; Mandrake; Spirit; Batman; Zorro; Tarzan; Dick Tracy e Capitão Marvel,
entre outros.
O ator, Mário Lago, envolvido com a locução radiofônica de Jerônimo, nos anos cinquenta
“Jerônimo” foi um estouro de
audiência, e rapidamente tornou-se uma referência como herói brasileiro e
sertanejo, adaptado à nossa realidade cultural, por conseguinte. No Nordeste, a Rádio Jornal do
Comércio do Recife, retransmitia a produção da Rádio Nacional do Rio, e tratava por espalhá-la pelas rádios regionais dos outros estados vizinhos, a garantir-lhe
uma audiência maciça.
E não foi diferente na cidade de
Campina Grande, interior do estado da Paraíba, onde tal fato despertou a atenção de um
jovem diretor da Rádio Borborema, chamado : Deodato Borges, que concebeu a ideia
em criar um personagem inédito, e lançá-lo no formato de radionovela diária,
ao visar concorrer e roubar a audiência que Jerônimo monopolizava entre o
público campinense infantojuvenil da época. Com essa determinação, Deodato foi
ágil, e muito competente, por ter criado um novo personagem e o seu universo completo; com
personagens de apoio, e ao escrever a toque de caixa, inúmeras histórias.
Estava criado : “As Aventuras do
Flama”, um super herói brasileiro; paraibano, e cujo objetivo de vida, foi zelar
pelo bem estar da comunidade, a intervir sempre que preciso, para coibir ações
criminosas de qualquer espécie. Com o material redigido em mãos,
ele convocou alguns colegas da emissora, e com ele mesmo a emprestar a sua voz e
interpretação ao personagem, tratou em colocar no ar, em 1961, o primeiro
episódio do “Flama”.
Na apresentação do herói, a locução
contava que o “Flama” testemunhara o assassinato a sangue frio de seus pais na
infância, e aos prantos, jurou dedicar a sua vida à caça de todos os bandidos aos
quais pudesse capturar, e tirar da circulação social. Desde então, ele estudara todas as técnicas de lutas marciais possíveis
e imagináveis; desenvolveu o seu físico ao ponto em obter uma força acima do
padrão normal, e tornou-se um expert em ciências.
Bem, em princípio, o autor não quis
extrapolar com a criação de explicações exageradas sobre super poderes ao
estilo dos heróis internacionais, e mais comedido, atribui-lhe força física
além de um homem normal, mas sem nada sobrenatural, e explicável ao ponto de
ser apenas fruto de seus esforços mediante o apreço ao condicionamento físico; fisiculturismo;
musculação etc. A sua habilidade na luta corporal
contra malfeitores, fora por conta de dominar um repertório vasto de técnicas de
diversas lutas que estudara, e a vaga ideia de ser um expert em ciências, o
elemento que conferiu-lhe subsídios tecnológicos mais avançados para usar como
um fator de inteligência. Os personagens de apoio eram : Zico
e Bolão (dois amigos prosaicos); Eliana (noiva do Flama), e o comissário
Laurence, a autoridade policial super sensata, ao estilo do comissário Gordon,
do Batman.
Ao ouvir uma rara locução preservada atualmente,
através de um "podcasting" na Internet, encantei-me com o formato coloquial típico da época. Ao comparar-se
com o que ouvimos hoje em dia pelas ruas, o coloquial da época era muito sofisticado
! Apesar de não ter sido realizado por atores
profissionais, todos os envolvidos na produção, incluso o próprio, Deodato
Borges, que interpretava o “Flama” na radionovela, mostravam-se bem desenvoltos. Quando foi ao ar, tornou-se um sucesso
mastodôntico em Campina Grande, para deixar a equipe da pequena emissora,
boquiaberta, pois não apenas enfrentara, mas estava a vencer a atração da
concorrência, “Jerônimo, o Herói do Sertão”.
Inicialmente executado de segunda a
sexta, às 13:00 Horas, com cerca de vinte e cinco minutos de duração, cada episódio, teve
que empreender uma mudança em seu horário habitual, pois as diretorias de diversas escolas da cidade, reclamaram do fato de que
as crianças e adolescentes estavam a chegar atrasados às aulas, por conta da
verdadeira febre que “O Flama” estava a causar em Campina Grande. Aos sábados, os rádio-atores
promoviam uma execução aberta ao público, direto do auditório da emissora, que
fervilhava.
Logo surgiu a ideia em criar-se um
fã-clube bem organizado, para distribuir souvenirs do herói, e também instituiu-se a criação de uma carteirinha para sócios, e dessa forma, foi muito difícil uma criança ou adolescente de
Campina Grande que ali viveu nessa época, que não a tivesse no bolso, vinte e quatro horas por dia.
Em 1963, a Editora Globo lançou a
versão em História em Quadrinhos de “Jerônimo, o Herói do Sertão”, e Deodato
Borges foi tão ágil quanto o “Flama” e tratou por desenhar os traços do herói. Rapidamente agilizou igualmente, a produção da versão em HQ de seu herói, com as bênçãos da
Rádio Borborema, e apoio imprescindível do Diário de Borborema, jornal local e
pertencente ao mesmo grupo da Rádio, que o auxiliou na parte gráfica.
Foi uma loucura total, mas o espírito
empreendedor de Deodato Borges concretizou inteiramente o seu intento. Dessa forma, em uma cidade interiorana
da Paraíba, no início dos anos sessenta, houve uma publicação a enfocar um
Super Herói genuinamente brasileiro, e com o adendo de que nessa altura, já
consagrado pelo público local, graças à radionovela.
Mesmo ao não possuir fama sob alcance
nacional, e por não ter sobrevida como deveria ter tido, a revista do “Flama”
entrou para a história da HQ brasileira, sem dúvida alguma. Nessa primeira abordagem, os traços
do Flama lembravam a velha escola da HQ norteamericana.
Ao fazer uso de um uniforme parecido com o do
Flash Gordon, e a conter os traços fisionômicos parecidos com o Spirit (além de uma
certa aura do Mandrake), nesse aspecto visual não havia tanta identidade
tipicamente brasileira, tampouco nordestina, para regionalizá-lo.
Deodato continuou a sua vida como radialista; produtor e desenhista, tendo feito vários trabalhos muito bonitos, e o seu DNA para os quadrinhos seguiu adiante, pois o seu filho, Deodato Borges Jr., ganhou o mundo e a fama internacional, ao tornar-se um dos maiores desenhistas do planeta.
Deodato continuou a sua vida como radialista; produtor e desenhista, tendo feito vários trabalhos muito bonitos, e o seu DNA para os quadrinhos seguiu adiante, pois o seu filho, Deodato Borges Jr., ganhou o mundo e a fama internacional, ao tornar-se um dos maiores desenhistas do planeta.
Sob o nome americanizado como : "Mike" Deodato
Jr., ele trabalha para a Marvel, DC e outras companhias internacionais de alto
nível, no mercado dos Comics.
Mike já desenhou oficialmente personagens tais como : Thor; Hulk;
Os Vingadores, e por bastante tempo, a heroína, Electra, além de uma infinidade
de outros personagens.
Claro, dentro do conceito “review”,
Mike Deodato redesenhou o personagem do “Flama”, ao modernizá-lo e assim adaptá-lo
ao padrão Marvel / DC, e dessa forma, “O Flama” atual mostra-se no padrão de um
super herói clássico internacional, tanto pelo uniforme, quanto porte físico e
postura / atitude.
Mike é muito respeitado no universo
da HQ, e soube valorizar a incrível e histórica criação de seu pai.
Em dezembro de 2014, tivemos no
Brasil, em São Paulo, uma edição local da Feira Comic Con, que é uma das
maiores, senão a maior feira do universo Comics / Sci-Fi Series & Movies do
mundo. Tal evento causou furor, com fãs a acotovelar-se para entrar e apreciar a versão brasileira, recheada com muitas atrações sensacionais. O grande, Deodato Borges, estava confirmado
como palestrante, e onde seria homenageado pela sua relevante contribuição à HQ
brasileira pela criação do seu incrível personagem, “O Flama”. Infelizmente, alguns meses antes, em
agosto, foi vencido por um câncer renal, aos oitenta anos de idade, e assim, deixou-nos.
Teria sido magnífico se ele pudesse ter sido
homenageado em vida, em plena Comic Con, mas não foi possível, infelizmente. “O Flama” há em sobreviver com essa
repaginada que o ótimo, Mike Deodato Junior deu-lhe, e ainda que tenha perdido um pouco de sua
ingenuidade adorável, que caracterizou-lhe na Paraíba de 1961-1963, tenho
certeza de que irá dar cabo de muitos bandidos no futuro, para fazer com que a criançada e
os adolescentes vibrem.
O Blog do Deodato Borges ainda
está no ar, e tomara que o mantenham. Lá, contém histórias muito boas contadas por ele
em pessoa, através de diversas crônicas.
O link é:
http://deodatoborges.blogspot.com.br/
Fica aqui a minha admiração pela
criação, e espírito empreendedor de Deodato Borges.
Matéria publicada inicialmente no Blog Planet Polêmica, em 2015.
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