No início dos anos sessenta, a atriz paulistana, Eva
Wilma, apesar de bem jovem ainda, já era muito reverenciada pelo seu talento. Ela mantinha um currículo enorme a arrolar realizações no
campo do teatro, cinema e TV, além de participações na dança e na publicidade.
Filha de pai alemão, com mãe argentina (mas descendente
de pais judeus ucranianos), Eva tinha bastante bagagem cultural já de nascença,
quando descobriu ainda menina, o sonho de ser uma bailarina.
Estudou, se desenvolveu e teve bastante apoio dos pais,
incluso com aulas de música, ao aprender a tocar violão e piano. Eva perseverou e foi agraciada com a inclusão no balé do IV
Centenário de São Paulo, uma honraria que poucas bailarinas de sua tenra idade,
poderiam sonhar realizar.
Entretanto, a sua paixão natural pela dança lhe abriu uma outra
porta na vida, pois convidada para atuar no teatro, quando descobriu então a sua vocação
maior, ao se tornar uma atriz muito talentosa.
Estudiosa e compenetrada, ela foi fundo nesse mergulho
visceral na sua profissionalização, ao se embrenhar entre as melhores companhias teatrais de São Paulo e daí, foi um passo
natural ir atuar também no cinema e na TV.
Claro, o veículo da TV, mesmo ainda emergente nos anos
cinquenta, lhe proporcionou a fama mais abrangente.
Popular por ser atriz de uma "sitcom" que estourou no gosto
popular do povo (Alô, Doçura”, que aliás
já foi objeto de uma matéria minha em específico, para o Site/Blog Orra Meu”,
e devidamente republicada aqui em meu Blog 1, portanto, basta procurar no arquivo deste Blog ), foi natural estabelecer uma longa
carreira na dramaturgia das novelas.
Alguns anos depois, quando já havia feito também, dezenove filmes no cinema brasileiro (e alguns verdadeiramente sensacionais, caso de "São
Paulo S/A", por exemplo), uma oportunidade surpreendente, até para uma atriz de
seu gabarito, lhe ocorreu.
Convidada a participar de um intercâmbio nos Estados
Unidos, patrocinado pela embaixada norte-americana no Brasil, Eva se dirigiu a Los
Angeles, Califórnia, no ano de 1969, acompanhada de outros atores brasileiros.
Através de uma visita que fez aos estúdios da Universal, ela teve uma
surpresa quando almoçava no refeitório dessa companhia.
Ocorreu que um produtor cinematográfico a abordou e já com a informação de que todos
naquela mesa eram atores brasileiros em visita ao estúdio e a participarem de um
intercâmbio de teatro, eis que esse funcionário lhe perguntou se ela aceitaria fazer um teste de fotos, pois
ele trabalhava na produção do próximo filme do grande diretor britânico, Alfred Hitchcock
e o “mestre do suspense” estava justamente a procurar uma atriz latino-americana
para compor o elenco dessa nova produção.
Consagrada no Brasil, com extensa obra, Eva não se deslumbrou necessariamente, mas claro que receber um convite desses ali,
inesperadamente não fora uma má ideia entretanto, pelo contrário, a possibilidade de
participar de uma obra de um dos maiores diretores da história do cinema, no mínimo seria
uma experiência profissional ímpar.
Sem maiores ponderações, portanto, Eva aceitou o convite. Foi preciso passar pelo crivo da aparência, para que
então se submetesse a um teste com Hitchcock em pessoa e Eva aceitou de
pronto o desafio.
Eva fez algumas fotos promocionais ali mesmo, em um estúdio
fotográfico da empresa e pouco tempo depois, foi informada que Hitchcock a
aprovara e a produção marcou assim um teste de atuação formal.
Hitchcock detinha três obsessões como diretor de cinema, que
foi uma atribuição sua, pública e notória:
1) Ele gostava de filmar histórias policiais.
2) Adorava abordar histórias com fundo a conter a teoria da
conspiração, mediante tramas perpetradas por organizações secretas a arquitetar tramoias para derrubar
governos e ideologias.
3) Era obcecado por mulheres louras.
Sob um primeiro momento de sua carreira, ele fez vários filmes
a abordar os meandros do nazismo a se infiltrarem na Inglaterra e nos Estados
Unidos, mas com o passar do tempo e o nazismo derrotado, ele centrou então as suas baterias
na Guerra Fria entre Estados Unidos e União Soviética, para criar assim, muitos
filmes a envolver tal temática.
O próximo filme que realizaria, seria novamente a abordar a
Guerra Fria, e por isso, ele precisava escolher uma atriz latino-americana para
interpretar uma cubana, que não seria a protagonista da história, mas teria um
papel importante na trama.
Então, em meio a uma manhã fria e bem cedo, Eva chegou ao
estúdio ocupado por Hitchcock e sua entourage, nas dependências da Universal
Pictures. Ela não apreciou de pronto a caracterização que a equipe de
maquiagem e figurino lhe proporcionou, mas que fora uma exigência para o papel
designado pelo mestre Al: com incômodos dentes e seios postiços, naturalmente
que isso lhe causou um desconforto.
Então, finalmente chegou o momento para conhecer o grande
mito do cinema e aí, mesmo sendo já uma atriz tarimbada, premiada, super
competente e experiente, ela ficou naturalmente nervosa e claro que foi uma reação perfeitamente
compreensível.
Quando chegou ao estúdio, haviam cinquenta técnicos aproximadamente da equipe em prontidão para iniciar o teste, e claro que isso lhe intimidou ainda mais.
Sob uma entrada triunfal, Hitchcock chegou sob aplausos da
sua equipe técnica, em uma demonstração de respeito, mas que também poderia ser interpretada como algo muito
perturbador, é claro, pelo aspecto de uma indisfarçável subserviência, quiçá
a conter uma dominação doentia do diretor em relação aos seus subordinados.
Eva era bem experiente em set de filmagem de cinema e de
TV, mas ao observar aquele homem frio, fleumático, e absurdamente famoso,
claro que teve calafrios, ao suar.
Hitchcock pegou em sua mão e sentiu que estava gelada.
Então lhe perguntou se ela estava nervosa, ao que a atriz brasileira lhe respondeu que, sim.
Al lhe falou que aquilo era uma grande brincadeira e
quem quisesse levar a vida a sério deveria escolher outra profissão. Ao ir além,
ele disse que falara isso reiteradamente para Grace Kelly, Kim Novak, Tippi Hedren, Ingrid Bergman... bem, se a intenção foi tranquilizar a jovem atriz
brasileira, a julgar pela prosódia escolhida, deve ter tido efeito contrário,
ainda mais intimidador.
Dois testes tradicionais, a repetir falas do script,
foram realizados, mas Al quis um
terceiro teste mais pessoal, como se fosse uma entrevista de emprego, face a face com
ele. Ao dar o comando clássico bordão, “light, camera... action”, Al deu início à entrevista.
Ao começar suavemente, mediante perguntas amenas, do tipo: como vai (?) sente-se bem (?), o diretor se pôs a aumentar
o tom da conversa, para se tornar agressivo, paulatinamente.
A sua intenção se tornara clara ao provocar, causar irritação na
atriz e em um dado momento, ela explodiu, por não suportar mais os dardos mentais lançados pelo
mestre. Em princípio, Eva alegou que não conseguia raciocinar
com a mesma rapidez em uma língua estrangeira, ao que o mestre lhe retrucou que
continuasse a se expressar em português, então.
Bingo... Al queria vê-la como reagia quando nervosa,
ao falar através de uma língua latina e quando se deu por satisfeito, gritou “cut”,
para encerrar o teste.
Dias depois, Eva recebeu o comunicado que não fora
escolhida, pois uma atriz alemã chamada, Karin Dor, fora contratada para o papel.
Claro que Eva se chateou, pois tal oportunidade poderia ter aberto portas
internacionais e ela reunia condições para construir uma carreira fora do
Brasil, como boa atriz que era (é).
Todavia, inteligente e bem resolvida que era (é), a não concretização
dessa oportunidade também não lhe causou dano algum e assim, de volta ao Brasil, o
teatro, a TV e o cinema continuaram a contar com o seu talento, aliás,
até hoje, ainda bem para a cultura nacional.
O filme em questão foi: “Topaz” (“Topázio”).
Como eu já disse anteriormente, foi mais um filme de
Hitchcock a centrar as suas baterias em uma trama mirabolante, em meio à Guerra Fria,
e neste caso, a inclusão da personagem cubana foi importante para a história.
Mas daí a contratar uma atriz alemã para interpretar uma mulher
cubana, em detrimento de não haver contratado Eva, foi estranho em princípio. Mas foi um fato também, que a atriz em questão era morena
e não detinha o padrão típico do biotipo germânico.
Voluptuosa, Karin tinha mais aparência latina que a própria
Eva, que filha de pai alemão e mãe argentina com origem ucraniana, mais se parecia com uma moça europeia, do que
latino-americana.
Além disso, houve a intercessão do fator de maior peso: Karin Dor já houvera sido uma "Bond Girl" em 1967, quando atuara em um dos filmes da franquia da saga do agente secreto britânico, James Bond-007 (no filme: "You Only Live Twice" - "Com 007, só se vive duas vezes"). Quero crer que tenha sido essa a razão maior para a sua contratação.
Eva sempre brinca nas entrevistas que concede, ao tocar
nessa passagem de sua vida, que o seu consolo foi que o filme não entrou na lista
dos melhores trabalhos do mestre, e pelo contrário, é considerado por muitos,
uma obra menor em sua filmografia.
Particularmente, eu tendo a concordar com essa opinião generalizada,
mas em termos, pois faço a ressalva de que “Topázio” é demonizado em demasia, porque embora
realmente não reúna condições para se comparar às melhores obras de sua filmografia, está
longe de ser um filme ruim.
Ao ir além, ao se comparar com 99% do que observamos na
produção cinematográfica de alguns anos para cá, "Topázio" é um filme espetacular.
Assim foi essa curiosa passagem de uma grande atriz
brasileira, pelas mãos de Alfred Hitchcock, ou seja, o dia em que o mestre do
suspense quase falou...”alô, doçura”....
Matéria publicada inicialmente no Site/Blog Orra Meu, em 2015
Nenhum comentário:
Postar um comentário