sábado, 13 de junho de 2015

O Dia em que o Mestre do Suspense quase disse: "Alô, Doçura"... - Por Luiz Domingues


No início dos anos sessenta, a atriz paulistana, Eva Wilma, apesar de bem jovem ainda, já era muito reverenciada pelo seu talento. Ela mantinha um currículo enorme a arrolar realizações no campo do teatro, cinema e TV, além de participações na dança e na publicidade. 
 
Filha de pai alemão, com mãe argentina (mas descendente de pais judeus ucranianos), Eva tinha bastante bagagem cultural já de nascença, quando descobriu ainda menina, o sonho de ser uma bailarina.
Estudou, se desenvolveu e teve bastante apoio dos pais, incluso com aulas de música, ao aprender a tocar violão e piano. Eva perseverou e foi agraciada com a inclusão no balé do IV Centenário de São Paulo, uma honraria que poucas bailarinas de sua tenra idade, poderiam sonhar realizar.
Entretanto, a sua paixão natural pela dança lhe abriu uma outra porta na vida, pois convidada para atuar no teatro, quando descobriu então a sua vocação maior, ao se tornar uma atriz muito talentosa.
 
Estudiosa e compenetrada, ela foi fundo nesse mergulho visceral na sua profissionalização, ao se embrenhar entre as melhores companhias teatrais de São Paulo e daí, foi um passo natural ir atuar também no cinema e na TV. 
 
Claro, o veículo da TV, mesmo ainda emergente nos anos cinquenta, lhe proporcionou a fama mais abrangente.
Popular por ser atriz de uma "sitcom" que estourou no gosto popular do povo (Alô, Doçura”, que aliás  já foi objeto de uma matéria minha em específico, para o Site/Blog Orra Meu”, e devidamente republicada aqui em meu Blog 1, portanto, basta procurar no arquivo deste Blog ), foi natural estabelecer uma longa carreira na dramaturgia das novelas.
Alguns anos depois, quando já havia feito também, dezenove filmes no cinema brasileiro (e alguns verdadeiramente sensacionais, caso de "São Paulo S/A", por exemplo), uma oportunidade surpreendente, até para uma atriz de seu gabarito, lhe ocorreu. 
 
Convidada a participar de um intercâmbio nos Estados Unidos, patrocinado pela embaixada norte-americana no Brasil, Eva se dirigiu a Los Angeles, Califórnia, no ano de 1969, acompanhada de outros atores brasileiros.
Através de uma visita que fez aos estúdios da Universal, ela teve uma surpresa quando almoçava no refeitório dessa companhia. 
 
Ocorreu que um produtor cinematográfico a abordou e já com a informação de que todos naquela mesa eram atores brasileiros em visita ao estúdio e a participarem de um intercâmbio de teatro, eis que esse funcionário lhe perguntou se ela aceitaria fazer um teste de fotos, pois ele trabalhava na produção do próximo filme do grande diretor britânico, Alfred Hitchcock e o “mestre do suspense” estava justamente a procurar uma atriz latino-americana para compor o elenco dessa nova produção.
Consagrada no Brasil, com extensa obra, Eva não se deslumbrou necessariamente, mas claro que receber um convite desses ali, inesperadamente não fora uma má ideia entretanto, pelo contrário, a possibilidade de participar de uma obra de um dos maiores diretores da história do cinema, no mínimo seria uma experiência profissional ímpar. 
 
Sem maiores ponderações, portanto, Eva aceitou o convite. Foi preciso passar pelo crivo da aparência, para que então se submetesse a um teste com Hitchcock em pessoa e Eva aceitou de pronto o desafio.
Eva fez algumas fotos promocionais ali mesmo, em um estúdio fotográfico da empresa e pouco tempo depois, foi informada que Hitchcock a aprovara e a produção marcou assim um teste de atuação formal.
Hitchcock detinha três obsessões como diretor de cinema, que foi uma atribuição sua, pública e notória:
1) Ele gostava de filmar histórias policiais.

2) Adorava abordar histórias com fundo a conter a teoria da conspiração, mediante tramas perpetradas por organizações secretas a arquitetar tramoias para derrubar governos e ideologias.

3) Era obcecado por mulheres louras.

Sob um primeiro momento de sua carreira, ele fez vários filmes a abordar os meandros do nazismo a se infiltrarem na Inglaterra e nos Estados Unidos, mas com o passar do tempo e o nazismo derrotado, ele centrou então as suas baterias na Guerra Fria entre Estados Unidos e União Soviética, para criar assim, muitos filmes a envolver tal temática.
O próximo filme que realizaria, seria novamente a abordar a Guerra Fria, e por isso, ele precisava escolher uma atriz latino-americana para interpretar uma cubana, que não seria a protagonista da história, mas teria um papel importante na trama. 
 
Então, em meio a uma manhã fria e bem cedo, Eva chegou ao estúdio ocupado por Hitchcock e sua entourage, nas dependências da Universal Pictures. Ela não apreciou de pronto a caracterização que a equipe de maquiagem e figurino lhe proporcionou, mas que fora uma exigência para o papel designado pelo mestre Al: com incômodos dentes e seios postiços, naturalmente que isso lhe causou um desconforto.
Então, finalmente chegou o momento para conhecer o grande mito do cinema e aí, mesmo sendo já uma atriz tarimbada, premiada, super competente e experiente, ela ficou naturalmente nervosa e claro que foi uma reação perfeitamente compreensível. 
 
Quando chegou ao estúdio, haviam cinquenta técnicos aproximadamente da equipe em prontidão para iniciar o teste, e claro que isso lhe intimidou ainda mais.
Sob uma entrada triunfal, Hitchcock chegou sob aplausos da sua equipe técnica, em uma demonstração de respeito, mas que também poderia ser interpretada como algo muito perturbador, é claro, pelo aspecto de uma indisfarçável subserviência, quiçá a conter uma dominação doentia do diretor em relação aos seus subordinados. 
 
Eva era bem experiente em set de filmagem de cinema e de TV, mas ao observar aquele homem frio, fleumático, e absurdamente famoso, claro que teve calafrios, ao suar.
Hitchcock pegou em sua mão e sentiu que estava gelada. Então  lhe perguntou se ela estava nervosa, ao que a atriz brasileira lhe respondeu que, sim. 

Al lhe falou que aquilo era uma grande brincadeira e quem quisesse levar a vida a sério deveria escolher outra profissão. Ao ir além, ele disse que falara isso reiteradamente para Grace Kelly, Kim Novak, Tippi Hedren, Ingrid Bergman... bem, se a intenção foi tranquilizar a jovem atriz brasileira, a julgar pela prosódia escolhida, deve ter tido efeito contrário, ainda mais intimidador. 
 
Dois testes tradicionais, a repetir falas do script, foram realizados, mas Al quis um terceiro teste mais pessoal, como se fosse uma entrevista de emprego, face a face com ele. Ao dar o comando clássico bordão, “light, camera... action”, Al deu início à entrevista.
Ao começar suavemente, mediante perguntas amenas, do tipo: como vai (?) sente-se bem (?), o diretor se pôs a aumentar o tom da conversa, para se tornar agressivo, paulatinamente. 
 
A sua intenção se tornara clara ao provocar, causar irritação na atriz e em um dado momento, ela explodiu, por não suportar mais os dardos mentais lançados pelo mestre. Em princípio, Eva alegou que não conseguia raciocinar com a mesma rapidez em uma língua estrangeira, ao que o mestre lhe retrucou que continuasse a se expressar em português, então.
Bingo... Al queria vê-la como reagia quando nervosa, ao falar através de uma língua latina e quando se deu por satisfeito, gritou “cut”, para encerrar o teste. 
 
Dias depois, Eva recebeu o comunicado que não fora escolhida, pois uma atriz alemã chamada, Karin Dor, fora contratada para o papel.
Claro que Eva se chateou, pois tal oportunidade poderia ter aberto portas internacionais e ela reunia condições para construir uma carreira fora do Brasil, como boa atriz que era (é). 
 
Todavia, inteligente e bem resolvida que era (é), a não concretização dessa oportunidade também não lhe causou dano algum e assim, de volta ao Brasil, o teatro, a TV e o cinema continuaram a contar com o seu talento, aliás, até hoje, ainda bem para a cultura nacional. 
 
O filme em questão foi: “Topaz” (“Topázio”).
Como eu já disse anteriormente, foi mais um filme de Hitchcock a centrar as suas baterias em uma trama mirabolante, em meio à Guerra Fria, e neste caso, a inclusão da personagem cubana foi importante para a história. 
 
Mas daí a contratar uma atriz alemã para interpretar uma mulher cubana, em detrimento de não haver contratado Eva, foi estranho em princípio. Mas foi um fato também, que a atriz em questão era morena e não detinha o padrão típico do biotipo germânico.
Voluptuosa, Karin tinha mais aparência latina que a própria Eva, que filha de pai alemão e mãe argentina com origem ucraniana, mais se parecia com uma moça europeia, do que latino-americana. 
 
Além disso, houve a intercessão do fator de maior peso: Karin Dor já houvera sido uma "Bond Girl" em 1967, quando atuara em um dos filmes da franquia da saga do agente secreto britânico, James Bond-007 (no filme: "You Only Live Twice" - "Com 007, só se vive duas vezes"). Quero crer que tenha sido essa a razão maior para a sua contratação.

Eva sempre brinca nas entrevistas que concede, ao tocar nessa passagem de sua vida, que o seu consolo foi que o filme não entrou na lista dos melhores trabalhos do mestre, e pelo contrário, é considerado por muitos, uma obra menor em sua filmografia.
Particularmente, eu tendo a concordar com essa opinião generalizada, mas em termos, pois faço a ressalva de que “Topázio” é demonizado em demasia, porque embora realmente não reúna condições para se comparar às melhores obras de sua filmografia, está longe de ser um filme ruim.
Ao ir além, ao se comparar com 99% do que observamos na produção cinematográfica de alguns anos para cá, "Topázio" é um filme espetacular. 
 
Assim foi essa curiosa passagem de uma grande atriz brasileira, pelas mãos de Alfred Hitchcock, ou seja, o dia em que o mestre do suspense quase falou...”alô, doçura”....
Matéria publicada inicialmente no Site/Blog Orra Meu, em 2015

Nenhum comentário:

Postar um comentário