sábado, 8 de agosto de 2015

Quando a Rainha Caminhou pela Pauliceia - Por Luiz Domingues



Em março de 1969, estava programada para acontecer em São Paulo, uma grande Feira de produtos, os mais diversos, produzidos pela indústria britânica. De máquina de fazer “chiclete”, a máquinas agrícolas, muitas novidades seriam mostradas e oferecidas aos empresários brasileiros, e entre elas, a principal seria o “Hovercraft”, um veículo que trazia um sistema de tração muito moderno para a época, com a promessa de rodar sobre qualquer tipo de piso, incluso os mais acidentados. 
Tal feira aconteceria (e de fato ocorreu), instalada no Parque do Ibirapuera, em São Paulo, denominada como : Exposição da Indústria Britânica. Diante dessa oportunidade, o Reino Unido enviou-nos para promover a Feira, a sua garota propaganda mais significativa possível, a superar inclusive, ícones britânicos sessentistas em voga, tais como os Beatles; The Rolling Stones, e James Bond... ou seja, a Rainha Elizabeth II, em pessoa.
Sob uma visita longa, a comitiva Real visitou várias cidades brasileiras, por mais de dez dias, com agenda cheia, e com direito até a uma cerimônia de inauguração histórica para a cidade de São Paulo. Foi portanto em novembro de 1968, com alguns meses de antecedência da referida Feira, que a tour da realeza britânica passeou por algumas cidades brasileiras. Nos registros jornalísticos de época, falou-se muito sobre tal assunto, naturalmente, incluso com a descrição de fatos curiosos a arrolar gafes cometidas e comentários de estupefação pelo fato da Rainha e o seu consorte, o Príncipe Phillip, Duque de Edinburgh, jamais perder a compostura, mesmo quando expostos a situações embaraçosas, e principalmente em relação ao calor brasileiro sufocante, ainda mais para os padrões europeus. Nada mais fleumaticamente britânico, portanto. Em cidades como Recife e Salvador, naturalmente que a comitiva Real foi apresentada às belezas naturais, e marcas históricas, que são muitas a ser vistas nessas duas belas capitais.
Em Brasília, foi evidente que tenha ocorrido o encontro com as autoridades federais, incluso a conter os inevitáveis discursos enfadonhos registrados no plenário do Congresso, a preencher a agenda Real. Conta-se que no cerimonial do jantar de Gala oferecido pelo então presidente, Costa e Silva, este cometeu uma gafe imperdoável, ao gaguejar na saudação oficial que deveria pronunciar em inglês, diretamente à Monarca britânica, quando teria dito : -“God... God the Queen”, ao omitir o verbo “Save” que dava sentido à palavra de ordem.
No Rio de Janeiro, evidentemente que a Rainha foi levada aos inúmeros pontos turísticos da então capital da Guanabara, e foi muito marcante inclusive a sua presença na Tribuna de Honra do estádio do Maracanã, onde assistiu um amistoso protagonizado pelas seleções paulista e carioca, onde entregou uma taça simbólica ao vencedor, para marcar a efeméride. No caso, com a vitória dos Paulistas por 3 x 2, ninguém menos que o Rei Pelé foi receber a Taça na Tribuna, e claro, a imprensa esportiva explorou ao máximo a ocasião, ao criar a imagem e o bordão, de que “o Rei recebeu a taça das mãos da Rainha”.


No caso específico da cidade de São Paulo, além de um jantar no Palácio dos Bandeirantes, sede do governo estadual, recebida pelo então governador paulista, Abreu Sodré, houve também a realização de uma carreata pelas ruas do centro; além de uma visita ao Terraço Itália (ponto onde tem-se uma das mais espetaculares visões da “Selva de Pedra” paulistana), e mais uma cerimônia oficial ocorrida no Monumento do Ipiranga, no Jardim do Museu homônimo, onde a monarca depositou flores em honra ao Imperador Pedro I.
A imprensa comentou demais essa parte da agenda, para enaltecer o fato de que o Brasil tivera um passado monarquista, ao tentar conceder-lhe uma suposta aura de similaridade com a condição do Reino Unido, a tratar-se de uma indisfarçável demonstração de deslumbramento, a lastimar-se, diga-se de passagem. No entanto, sem dúvida alguma, o ponto alto da visita de Elizabeth II à São Paulo, foi a inauguração da nova sede do Masp, o Museu de Arte de São Paulo.
Por uma feliz coincidência, a nova sede do Masp, que demorara doze longos anos para ser concluída, estava apta a abrir as suas portas, ao final de 1968. Após anos a funcionar nas instalações tímidas localizadas na Rua 7 de abril (próximo à Praça da República, no centro velho de São Paulo), finalmente o Masp abriria as suas portas novas ao instalar-se em uma construção espetacular, em plena Avenida Paulista.
Sob uma arrojada construção criada pela arquiteta italiana, Lina Bo Bardi, e com um acervo impressionante de obras significativas, arregimentado ao longo de anos pelos esforços do empreendedor cultural, Assis Chateaubriand, não poderia ser mais midiático para a ocasião, conter uma personalidade com a dimensão mundial, para “puxar a corda” e descerrar a cortina que ocultava a placa comemorativa oficial. Foi no dia 8 de novembro de 1968, que tal acontecimento ocorreu.


Eu tenho uma singela história pessoal sobre essa efeméride.

Nesse ano de 1968, eu cursava as aulas da 1ª série do curso primário, em uma escola estadual chamada : “Grupo Escolar de Vila Olímpia”, colégio localizado no bairro homônimo, na zona sul de São Paulo.
Entre centenas de escolas existentes na cidade de São Paulo, a minha foi uma das pré-escolhidas para representar a criançada estudante da pauliceia, em algum ponto do trajeto oficial da Rainha Elizabeth II, pelas ruas. O anúncio chegou com uma boa antecedência à diretoria e claro que gerou uma euforia, pois tratava-se de um contingente formado por crianças na faixa etária de sete a onze anos de idade (as turmas do “Ginásio”, entre doze e dezesseis, não participariam, e hoje eu entendo perfeitamente que a escolha pelas turmas menores foi estratégica para efeito de controle disciplinar e euforia ingênua garantida, sem chance para deboche, algo típico entre adolescentes).
A diretora promoveu um “treinamento” no pátio, onde instruções disciplinares foram passadas, e chegamos a receber bandeirinhas de plástico do Brasil, e do Reino Unido (a chamada : “Union Jack”), que usaríamos na ocasião etc. Contudo, para gerar a completa frustração, a nossa participação foi cancelada em cima da hora, apesar dos esforços das respectivas mamães, em lavar e passar impecavelmente os nossos uniformes, e dos papais que gastaram o seu “muque”, para engraxar os nossos sapatinhos...


Em seu breve pronunciamento na cerimônia inaugural do Masp, a Rainha Elizabeth II disse :


-”É para mim, motivo de especial satisfação inaugurar este magnífico Museu de Arte. A sua beleza, simplicidade e a perícia com que foi construído tornam-no mais um impressionante exemplo do espírito de iniciativa dos paulistas. Sinto-me feliz também em pensar que ele abrigará uma coleção de quadros de um dos mais ativos e generosos embaixadores que jamais foram à corte de St. James : o Dr. Assis Chateuabriand. Lembro-me muito bem de seu  espírito atuante e personalidade, e todos sentimos, profundamente, que ele não esteja mais aqui conosco neste dia. Aos paulistas desejamos, meu marido e eu, felicidades e prosperidade. É com grande prazer que declaro inaugurado este Museu”.
De fato, o grande mentor do Masp, não viveu esse momento e foi por um triz. Chateaubriand faleceu em abril de 1968, portanto, nove meses antes dessa solenidade histórica. E assim foi a passagem da Rainha Elizabeth II; do Príncipe Phillip; e comitiva Real britânica, pela cidade de São Paulo.
Eu não tive a chance para balançar bandeirinhas do Brasil e do Reino Unido em sua passagem pelas ruas, mas já vi de perto outras personalidades britânicas muito significativas... ao invés da Rainha Elizabeth II, já pude vislumbrar as presenças físicas de Paul McCartney; Mick Jagger; Ringo Starr; Elton John; David Bowie; Joe Cocker, Keith Richards; Jimmy Page, Eric Clapton; Robert Plant; Chris Squire; Phill Collins; Keith Emerson... serve ?


God Save the Queen, orra meu...
Matéria publicada inicialmente no Site / Blog Orra Meu, em 2015

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