sábado, 5 de março de 2016

Não Precisamos de Fogos de Artifício - Por Luiz Domingues



Passado o Reveillon, a reflexão é inevitável sobre o foguetório que encanta tanto as pessoas. Milhões  de pessoas aglomeram-se na Praia de Copacabana; na Avenida Paulista, e em todas as cidades brasileiras para comemorar a chegada do Ano Novo, e a pirotecnia parece indispensável para todos, como a justificar a sua permanência na rua, para celebrar coletivamente a data.
Não somente o Reveillon, mas várias datas ao longo do ano são comemoradas ao som e visual dos fogos de artifício, incluso comemorações de torcidas de times de futebol; manifestações políticas, reivindicações e protestos os mais variados, pequenas comemorações privadas, e até por razões nada nobres, como criminosos a anunciar a chegada de suas mercadorias ilícitas, em seus depósitos apócrifos...
Diante de tanta necessidade para extravasar sentimentos através de estampidos e luzes coloridas no céu, a pergunta é: não conseguimos viver sem tal artifício? A julgar pela história, parece que o vício vem de longe, pois os registros sobre as tentativas para manipular-se o fogo, remontam à Era pré-histórica. 

Oficialmente mesmo, a pirotecnia nasceu na China, cerca de dois mil anos atrás. Um experimento perpetrado por um alquimista chinês e completamente insano, ocorreu nesse sentido, ao misturar-se salitre; enxofre e carvão, para em seguida, aquecê-los.
Isso resultou em um pó de cor preta que ele descobriu, a mostrar-se explosivo e que recebeu o nome de: “pólvora”. Através de inúmeros experimentos, constatou-se que tal material poderia ser manipulado para gerar efeitos sonoros e visuais os mais diversos, e assim a alegrar as festividades, contudo, além disso, abriu caminho para um sem número de ramificações maléficas, ao dar origem às armas de fogo.

Nos tempos modernos, observamos que os fogos de artifício podem ser muito perigosos em muitos aspectos, infelizmente.
Mutilações terríveis; mortes, incêndios, e outras ocorrências decorrentes de seu mau uso, e que são condenadas amplamente pelo Corpo de Bombeiros (mas apelos estes que ninguém dá ouvidos, a não ser depois que a tragédia acontece), estão no noticiário cotidiano.
Uma reclamação a mais, e que parece ser mais moderna a ser acrescentada nesse rol de malefícios, é o trauma gerado em animais domésticos, pela incidência do barulho excessivo. Ao parecer constituir-se um ataque nuclear, a depender do local, é para imaginar-se o quanto os animais sofrem ao sentir o medo sob um patamar incomensurável.
Há relatos sobre muitas ocorrências com animais que não suportam o foguetório e infartam, apavorados pelo medo incompreensível que sentem diante de tal artilharia. Ao assistir reportagens na TV sobre o colapso da saúde pública no Brasil, foi impossível não traçar um paralelo com os shows pirotécnicos do Reveillon.
Por ver as pessoas com o apêndice a supurar, ao ser mandadas de volta para as suas casas; pessoas acometidas por AVC, aneurismas e infarto, gestantes a dar a luz pelas calçadas, pessoas com fraturas expostas a chorar na rua pela falta de atendimento, entre outras barbaridades que eu vi, por exemplo, em um hospital localizado no bairro do Realengo, no Rio de Janeiro, como não pensar no dinheiro que foi literalmente queimado em milhares de fogos que foram deflagrados para alegrar uma festa que tem lá seu simbolismo psicológico para a maioria das pessoas, admito, mas que na prática, é só um rito social, portanto, o que acontece não seria apenas a ocorrência de um dia que acaba, para que comece outro?

Antes que acusem-me por ser piegas ou “ecochato” militante, a alegar que um fator não tem nada a ver com a outro, e o dinheiro arrecadado com o turismo faz valer todo o esforço para que existam os shows de Reveillon, realmente não dá para não pensar que um gesto de boa vontade poderia ser dado pelos governantes, e creio que o povo entenderia, pois estamos todos a viver um momento de crise institucional no campo da saúde pública com todos os boicotes que o SUS sofre, da parte de interesses escusos em prol da saúde privada, para o seu enfraquecimento. Diante dessa draga em que estamos, será que o dinheiro gasto com essas festas de rua não teria sido melhor aproveitado para socorrer os hospitais públicos que estão à míngua?
Sei que existe uma burocracia institucional entre as três instâncias do poder público, e claro que o dinheiro de uma prefeitura não pode passar assim, sem mais nem menos para socorrer um órgão federal etc. Mas será que não poderia suprir emergencialmente em forma de espécie, como uma doação pura e simplesmente?
Não ajudaria usar o dinheiro gasto com esses fogos de artifício e comprar um lote com seringas descartáveis; luvas, algodão, bandagens, álcool, material de higiene, e outros tantos produtos de necessidade básica, e que faltam vergonhosamente no atendimento oferecido pelos hospitais públicos? Quantas macas seria possível adquirir-se com tal verba? Quantos cobertores e lençóis?

Parece uma abordagem piegas, eu sei, mas não soa nada ingênuo para o pobre enfermo que está ali a sofrer e não encontra recursos básicos, não é verdade? Enfim, não seria viável não haver o show pirotécnico, e mesmo assim as pessoas não poderiam comemorar, ao sair às ruas para brindar o ano novo sem esse recurso caro; efêmero e tão nocivo em muitos aspectos?

Está na hora em pensarmos no quanto o estampido e as luzes são reais necessidades que temos para ornamentar as nossas comemorações, extravasar ou reclamar de alguma coisa etc... 
Matéria publicada inicialmente no Blog Planet Polêmica em 2016  

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