sexta-feira, 28 de abril de 2017

Sensação de Injustiça - Por Luiz Domingues



Eu não sou jurista, portanto, isento-me completamente de emitir uma opinião técnica sobre um assunto que é extremamente complexo por sua própria condição intrínseca, mas como cronista livre e cidadão, causa-me espécie as contradições geradas pelas leis que regem a nossa sociedade. 

Trata-se daquela estranheza que acomete o cidadão comum, o leigo que não sendo nem bacharel em direito, não consegue entender o que significa exatamente a expressão: “brecha da lei”, mas que intui implicitamente, ser algum tipo de malandragem semântica que dá margem a diferentes interpretações do texto e assim, abre caminho para isentar bandidos de sua culpabilidade ante crimes cometidos.

Por outro lado, há a extrema dureza com a qual a justiça, ao errar, condena inocentes e demora a reconhecer em demasia a sua falha. Na literatura, são inúmeros os exemplos de histórias contadas sobre tais disparates. Mediante arrolamento, poderia tomar um tempo considerável deste texto, pois são muitos livros escritos sobre o tema e que gerou filmes e até seriados de TV. Inevitável não citar ao menos dois de seus maiores expoentes, obras clássicas escritas no século XIX: “O Conde de Monte Cristo”, de Alexandre Dumas e “Os Miseráveis”, de Victor Hugo.
No caso de “O Conde de Monte Cristo”, o personagem Edmond Vantès é um rapaz humilde que é vítima de um ardil e vai parar em uma prisão, injustamente. Lá, sofre muito mas consegue escapar e articular-se ao ponto de promover uma vingança contra os seus inimigos. 
Sobre a outra obra, “Os Miseráveis”, pior ainda, o personagem de Jean Valjean, impulsionado por um ato de desespero, rouba um pão para alimentar a sua família que passa fome, e é condenado duramente por esse ato, ao passar por dor e humilhação. Claro, roubar não é certo sob hipótese alguma, concordo, mas um pedaço de pão nessa circunstância a motivar uma pena implacável, destoa completamente dos crimes horrendos perpetrados por criminosos de colarinho branco, perpetram golpes sórdidos e por serem pessoas protegidas por privilégios múltiplos, safam-se das punições, ainda a mirar-nos sob escárnio.
Momento auspicioso portanto, seria vermos agentes policiais a trabalhar em sintonia com o judiciário em suas várias instâncias, sob a alcunha de operação ”Lava Jato”, a desvendar assim os crimes e responsabilizando seus artífices com lisura, sem aliviar para quem quer que seja e no noticiário temos visto figurões da política e poderosos do mundo empresarial e corporativo, sendo condenados, mas desaponta e desilude-nos muito verificar que revestido de bom mocismo, a tal operação na realidade, seja tão perniciosa quanto os investigados que alega investigar, ao fazer uso de manipulação execrável e a mostrar-se por conseguinte, apenas uma armação horrenda a reviver os piores momentos do Tribunal do Santo Ofício, de triste memória. 

Há esperança, ainda que esteja fora do alcance da nossa visão momentânea, de que uma nova República esteja a nascer, onde o cidadão comum não tenha a horrível sensação de que somente pessoas pobres sejam punidas drasticamente por crimes de pequena monta, como roubar um pedaço de pão na padaria, e os mega criminosos engravatados continuem a cometer os seus crimes, e a enviar bilhões para contas bancárias em paraísos fiscais ao redor do mundo, e pior ainda, a ostentar uma vida de extremo luxo, acintosamente a agredir-nos em nossa dignidade.

Isso sem contar as oligarquias políticas que perpetuam-se nos seus domínios e passam o poder para filhos, netos e sobrinhos, a formar clãs no parlamento e quando não ocupam cargos no poder executivo, a usar prefeituras; governos estaduais e ministérios federais como autênticos feudos medievais. 

Sendo assim, resta-nos manter a fé na possibilidade de que toda a manipulação midiática e comprometida com as velhas estruturas do baronato, caiam e neste caso, é preciso ter em mente que: 

1) Ainda existe muito o que ser investigado; 

2) No caso de furto aos cofres públicos, é preciso uma muito maior transparência a respeito do dinheiro resgatado da roubalheira. É o correto, considerar que o dinheiro recuperado esteja a voltar, mas qual a sua destinação em benefícios reais para a população? Comemoramos o dinheiro resgatado, mas fica difícil para a credibilidade de qualquer operação policial e judiciária, quando em contrapartida, vemos hospitais públicos sendo fechados aos montes, e isso é apenas um exemplo. 

Sim, sei que não é culpa direta dos agentes policiais e judiciários (falo sobre os bem intencionados, logicamente), nesse caso por não ser de sua alçada, mas para efeito de visualização do resultado dessa suposta cruzada moralizadora, é um péssimo sinal;  

3) Enquanto não houver a completa demonstração de isenção, não dá para comemorar. Engavetamentos, investigação frouxa e blindagens de “amigos”, são atos abomináveis, inadmissíveis.  

4) A espetacularização das operações na mídia, a buscar manipular a opinião pública também é inadequada. Juízes; promotores e policiais ao ser alçados à condição de “super heróis” é algo muito errado. São apenas profissionais a cumprir o seu dever e se o fazem corretamente, apenas cumprem com a sua obrigação, portanto, não é correto que tais atos sejam interpretados como algo “especial”. A manipulação perpetrada por marqueteiros a favor de interesses A, B ou C é errada, pelo oportunismo inerente. Se tais profissionais estão a trabalhar com afinco, ótimo, é o que esperamos deles enquanto profissionalismo exemplar em prol da rés pública, mas nada além disso, portanto, há de ter-se muita precaução com os excessos. 
Para encerrar, roubar é errado, seja uma migalha de pão, ou milhões desviados dos cofres públicos mediante negociatas; propinas; super faturamento de obras e outras falcatruas. Mas a revisão das leis faz-se mister. Rever proporcionalidade, dosimetria de penas e privilégios para poderosos em detrimento da extrema aspereza para com os humildes, uma necessidade premente. Pior ainda é usar a justiça para manipular criminosamente os dados para perseguir pessoas inocentes, por conta de qualquer tipo de interesse escuso. 

Século XXI a avançar, portanto, não dá para conviver com a sensação da injustiça acintosa. A figura do personagem do “inspetor Javert”, implacável no cumprimento de seu dever só é aceitável se tivermos 100% de certeza de que a justiça está correta na sua avaliação e decisão, ao levar em conta todas as circunstâncias e ao não isentar os poderosos de sua culpabilidade, assim que comprovadas, só por ostentarem tal status de poder e condição socioeconômica proeminente. E também o oposto diametral, ao usar-se a máquina policial & judiciária para derrubar governantes em prol de um golpe sórdido. A operação de limpeza ética no Brasil deve caminhar e tem o meu apoio, mas há muito a avançar ainda e com ajustes importantes para que não desapontemo-nos com seus resultados concretos e neste caso, estamos a observar distorções gravíssimas travestidas como um a suposta "cruzada" pela moralidade, mas muito pelo contrário a cometer abusos múltiplos. 

O ator Charles Laughton, a interpretar o implacável personagem: "Inspetor Javert, em uma das várias versões cinematográficas adaptadas do livro, "Os Miseráveis" (esta de 1935, sob direção de Richard Boleslawski, e não por acaso, a minha versão predileta)
 .

4 comentários:

  1. Respostas
    1. Vinda da parte de um intelectual de seu quilate, tomo como um tremendo elogio a sua sucinta observação.

      Grato por ler e manifestar-se !

      Grande abraço, Marcelino !!

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  2. As vezes tenho vontade de estudar direito só para estar mais entendida dos nossos direitos e poder cobrar melhor dos nossos governantes. Na verdade deveria ter uma matéria na escola que nos ensinasse pelo menos as mais fundamentais, assim seríamos mais conscientes do que e como cobrar deles.

    Ótimo tema e texto amigo, como sempre.
    Um bjo!

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    1. Querida Fernanda !

      Grato por sua participação sempre muito bem vinda. De fato, a sua indignação procede. Todos deveríamos ter noções básicas de cidadania e funcionamento da máquina pública, como matéria escolar. Em que sociedade vivemos ? Pois o mínimo que espera-se é que saibamos o básico do funcionamento das instituições em seus três poderes e na hora do voto, podermos enfim eleger representantes que julguemos preparados para o exercício de suas funções a nos representar. Concordo com sua ideia, certamente.

      Grato por ler, elogiar, e participar !!

      Beijo !!

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