quarta-feira, 19 de fevereiro de 2020

Filme: Shake; Rattle and Roll - Por Luiz Domingues


O fenômeno do Rock and Roll ainda não estava bem entendido na metade dos anos 1950, aliás, bem longe disso e por diversos fatores. Na questão meramente musical e também no âmbito cultural em geral, mostrava-se ainda imprecisa qualquer tentativa para classificar de onde vinha e o que representava, realmente. Percebia-se que nascera de uma então improvável fusão entre a música dos “negros” com raízes no Blues e a música dos “brancos", sob a égide da Country Music. 

Ora, algo muito vago, visto que tanto o Blues quanto a Country Music, são árvores frondosas com inúmeras ramificações e cujas respectivas raízes não são espontâneas por si só, visto que o Blues é derivado de antigas tradições africanas que também adaptaram-se às influências dos colonizadores europeus em algum momento da história e a música Country, idem, por ser o resultado de múltiplas miscigenações oriundas de diversas matizes da música folk europeia e esta, por sua vez, também recebera em algum momento a carga da música  do Oriente Médio ou do extremo Oriente. 

Posto isso, há o aspecto sócio/comportamental que o Rock trouxe como uma bagagem extra ao espectro do mundo cinquentista, expresso notadamente pela questão da dança e nesse sentido, todo o conservadorismo puritano das sociedade norte-americana, sobretudo, chocou-se e preocupou-se em demasia, visto que pela compreensão da opinião pública da época, tal dança mostrava-se escandalosa, portanto inapropriada para ser empreendida pelas ditas “pessoas de bem”. E naturalmente que os pais preocuparam-se muito em ver os seus filhos a empolgar-se com tal modismo que se dependesse deles, seria passageiro, e certamente que não foi apenas a questão da suposta lascividade da dança que os preocupou, mas um outro componente muito detestável esteve em jogo, a envolver o racismo explícito, pois tal segmento da sociedade inconformou-se em ver que seus filhos estavam a gostar da música de um outro segmento racial do qual nutria-se um preconceito terrível. Enfim, uma questão pesada mas que, no entanto, tal mote ao constituir-se em uma questão pesada, no entanto, tal mote deu margem a uma abordagem cinematográfica sob extrema ingenuidade, através do filme : “Shake; Rattle and Roll”, lançado em 1956.

Dirigido por Edward L. Cahn, a história gira em torno de um Disk Jóquei (Garry Nelson, interpretado por Mike Connors), que promove um programa de TV, em que artistas tocam Rock e jovens dançam na pista. A ideia é promover um clube, que seria o “Teen Town Concert”. 

Tudo vai bem, com jovens empolgados pelos concursos de dança e artistas a tocar ao vivo, mas a ala retrógrada assiste pela TV e irritada, conspira contra. Idosos revoltados assistem a aparição pela TV e revoltados, prometem mobilizar os setores conservadores da sociedade, a envolver incluso a polícia e a justiça, para tirar do ar o programa e não deixar o clube em questão prosperar.

Ocorre que a despeito de ser um tipo de atitude abominável em favor do retrocesso, não é possível nutrir raiva desses idosos, pois são absolutamente caricatos em sua composição enquanto personagens, portanto, as cenas que protagonizam são risíveis, ao melhor estilo do humor besteirol. As suas falas e trejeitos exagerados causam riso, ainda mais ao vermos o filme com esse enorme distanciamento histórico, isso sem contar a dose de canastrice envolvida, visto que até na época do seu lançamento, os críticos alertaram sobre tal fator, em diversas resenhas publicadas em jornais e revistas. Entre as pérolas que destilam em seus diálogos, eis algumas, em relação ao que achavam do programa; da atuação dos jovens a dançar e da música, sobretudo: “revoltante”, Isso é uma moda que vai passar”, “nojento”, “juventude corrompida” (o que prova que isso vem de longe, vide o que usou-se para acusar, julgar e condenar o filósofo, Sócrates, na antiguidade grega) etc.

Então, imbuídos da vontade de destruir tudo, os idosos vão à luta e usam métodos não recomendáveis, até, mas reitero, é tudo encenado de uma forma absolutamente ingênua, mesmo em cenas mais pesadas a envolver cenas mediante brigas generalizadas, ao lembrar os filmes dos irmãos Marx, ou para comparar-se a um exemplo brasileiro, às chanchadas da produtora Atlântida, por coincidência, uma contemporânea dessa produção cinquentista.

Daí em diante, seguem-se mais cenas engraçadas, como por exemplo quando a senhora mais virulenta da turma conservadora que entra na pista de dança por conta de seu antiquado chapéu espalhafatoso ter caído e ao tentar apanhá-lo no piso, é envolvida na dança dos jovens; além do seu marido que está a apoiar a cruzada moralista, mas quase não disfarça que fica alucinado pela beleza das garotas jovens. 

Bem, as sabotagens ocorrem e a imagem do Disc-Jóquei, é arranhada, vide as manchetes de jornais a denegri-lo como um agente da perversão e também por insinuar-se que comete-se orgias regadas a Rock’n Roll nos bastidores do salão etc.

Vem um julgamento a seguir, transmitido ao vivo pela TV e os conservadores usam todas as ferramentas para arruinar, via condenação, o DJ e o seu programa. Surge como argumento, até um pianista clássico e uma bailarina, que apresentam-se na corte para “provar” que a cultura tradicional é superior, mas tudo vem abaixo quando o próprio pianista toca o mesmo tema erudito sob arranjo "Boogie-Woogie" e um casal de dançarinos, Rock’n' Roll, dança e provoca histeria no salão. 

Porém, a prova cabal aparece, quando descobre-se um velho filme proveniente dos anos vinte, quando jovens dançavam o “Charleston”, um ritmo que em sua época também fora vilipendiado por ter sido supostamente um agente da corrupção da juventude nessa ocasião, e identifica-se a senhora Georgiana Fitzdingle (interpretada por Margaret Dumont), a mais contundente das senhoras opositoras, a dançar em frenesi, quando fora jovem.

Desmascarada a hipocrisia, o clube de Rock’n' Roll, triunfa. É bom registrar-se que Margaret era na ocasião, uma veterana comediante e que participara com destaque em alguns filmes dos Irmãos Marx, nos anos trinta, portanto, tinha o dom e o tom da comédia.

Um dado adicional, o termo “square”, que no Brasil também foi bem usado pelos jovens nas décadas de sessenta e setenta, é proferido em profusão no filme, a designar pessoas mais velhas que mostram-se obsoletas em seus valores. Trata-se do popular, embora hoje em dia esquecido, “quadrado”, na tradução literal. 
E a parte musical da película, é sensacional, pois em meio à trama e às piadas propostas, é um luxo ver um artista do calibre de Fats Domino e a sua banda a tocar e cantar. Canções como “I’m Love Again”, “Honey Chile”e “Ain’t That a Shame” são pérolas  de seu repertório e que valorizam demais o filme. Tem também, Big Joe Turner, um artista ligado ao Blues, com números tais como “Feelin’ Happy”, “Lipstick-Powder and Paint”, “The Choker”, “Rock Rock Rock”, “Sweet Love of my Mind” e “Rockin’ on Saturday Night”. O famoso saxofonista, Choker Campbell, toca na banda de Big Joe Turner e a cantora, Anitta Ray, canta: “Slum Teen”.

Em relação ao elenco, houve também destaque para os atores: Lisa Gay (como Julia Fitzdingle), Sterling Holloway, como Albert “Axe” Mcllister, Douglass Dumbrille, como Eustace Fentwick III, Raymond Hatton, como Horace Fitzdingle. Além do também famoso, DJ Tommy Charles, que atua como ele próprio, em meio à trama. E muitos outros atores de apoio.
A crítica não recebeu o filme na época, ao tratá-lo como uma obra menor e isso é compreensível dada a sua produção "classe B", no tocante ao orçamento; fragilidade no argumento e atuação dos atores em tom de "pastelão". E mesmo a parte musical, que é o ponto forte, sem dúvida alguma, não contava com a simpatia da mídia conservadora da ocasião, daí a tratá-la com o seu devido desdém, nada velado, uma pena. O que importa, no entanto, é que trata-se de um documento vivo dos primórdios do Rock, em meio ao calor da efervescência cinquentista, portanto, por isso e pela ótima música que contém, é claro que vale a pena utilizar um pouco mais de setenta minutos de sua vida, amigo leitor, para assisti-lo. 
Escrito por Lou Russof. Produzido por Alex Gordon e James H. Nicholson. Dirigido por Edward L. Cahn. Foi lançado em abril de 1957. 

Tal filme deteve um resultado de bilheteria razoável, na ocasião e ainda nos anos cinquenta, já estava a ser exibido na TV, com muitas reprises. Passou bastante em mais reprises ao longo dos anos sessenta, onde inclusive eu tive o prazer em assistir pela primeira vez. E paulatinamente pôs-se a sumir da grade televisiva, já a partir dos anos setenta e só teve sobrevida com canais da TV a cabo, especializados em filmes vintage. Foi lançado nos formatos VHS e DVD, mas eu não tenho certeza sobre a existência em formato Blu-Ray. Na Internet, a sua cópia na íntegra e gratuita, encontra-se com tranquilidade no You Tube, nos dias atuais de 2020.

Esta resenha faz parte do livro: "Luz; Câmera & Rock'n' Roll", e encontra-se disponível em seu volume II, a partir da página 24

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