domingo, 2 de fevereiro de 2020

Filme: 200 Motels - Por Luiz Domingues


O trabalho de Frank Zappa & the Mothers of Invention, nunca foi Pop, mesmo em alguns momentos em que a banda buscou beber na fonte mais raiz do Rock. A complexidade musical da banda, sobretudo da mente criativa e inquieta de seu líder, Frank Zappa, apresentava ainda a agravante das letras e temáticas abordadas, nada usuais, portanto, tal banda sempre foi difícil até para os Rockers mais abertos a sonoridades diferentes, para ser absorvida, imagine então para o público em geral. 

Foi por volta de 1968, que Zappa pensou em produzir um filme longa metragem para expressar melhor as ideias que praticava com a sua banda, mas inicialmente, ele já havia tentado emplacar dois projetos cinematográficos (“Captain Beefheart vs. The Grunt People”, em 1963), e “Uncle Meat”, em 1969), todavia, ambos não foram em frente, pois o primeiro não saiu do roteiro escrito e o segundo foi abandonado em meio às filmagens, para ser lançado inacabado e no formato de vídeo VHS, muitos anos depois. No entanto, desde 1969, Zappa trabalhava com a ideia de um disco temático e que serviria para alimentar uma suíte cinematográfica, chamada: “200 Motels”. 
Nessa obra, ele queria retratar a vida de uma banda de Rock na estrada, daí a citação dos tais “200 motéis” por onde a banda passava em meio às exaustivas turnês. Mais do que isso, ele também quis usar o recurso da metalinguagem, pois inseriu no contexto do filme, diversas situações que eram questões internas da banda, tais como certas insatisfações de alguns músicos e até opiniões divergentes e quiçá debochadas de alguns em relação ao próprio trabalho, isto é, nada mais Frank Zappa do que jogar tudo no ventilador e transformar em escárnio as próprias brigas reais entre ele e os demais componentes da banda. 

Outro elemento muito importante que foi incluído ao filme, foi a temática das "groupies" em relação às bandas de Rock. Zappa era obcecado por tal nuance e planejara até escrever um livro sobre o assunto, portanto, foi algo natural também acrescentar tal elemento ao filme. E mais um aspecto importante: tudo o que eu elenquei acima, foi tratado de uma forma a observar fortemente o completo nonsense, mesclado com doses fortes de surrealismo e lisergia. Em suma: “200 Motels” é um dos, senão o mais louco Rock Movie já produzido, ao torná-lo praticamente indigesto para um espectador comum. 
Para assistir, e gostar, é preciso ser muito fã do Franka Zappa & The Mothers of Invention, Rock psicodélico, música experimental, teatro do absurdo, surrealismo, dadaísmo, lisergia, música experimental em geral, enfim, restringe-se muito o contingente de quem realmente possa assistir até ao final e dizer que gostou. 

E como se não bastasse tudo isso, a produção tosca, com cenários, efeitos, figurinos e ausência completa de uma direção de arte, torna tudo tão amadorístico, que em certas cenas chega a ser constrangedor, quase ao assemelhar-se com um programa infantil mal-acabado. Isso agrava-se na medida em que os próprios músicos da banda atuam como verdadeiros simulacros de atores, e o resultado é o óbvio. E tem mais, no sentido que o roteiro é inexistente, na prática, apenas a seguir o set list proposto pela banda, e em cada canção, toda essa loucura desmedida ser destilada sem parcimônia.
Então o filme é péssimo e eu não o recomendo, certo? Aí vem a surpresa desta resenha, pois sim, ele tem os seus méritos, apesar de tudo. Em primeiro lugar, a música é de primeira, embora não seja nem de longe um dos melhores trabalhos do Frank Zappa, tampouco dos Mothers of Invention. Mas ao tratar-se de Zappa & Mothers, mesmo não sendo o seu melhor a ser apresentado, ainda assim o nível é alto e sim, houve ótimos momentos da banda em ação e ali só havia feras reunidas, sem dúvida alguma. 

Há também a intervenção orquestral, com a música escrita pelo próprio, Zappa que foi um  Rocker com sólida formação teórica, pois entre outras coisas, ele foi maestro, de fato. Contar com a Royal Philarmonic Orchestra, foi um luxo e apesar de ser nítido o constrangimento dos músicos eruditos em participar de algo tão fora do seu padrão, isso cumpriu-se com galhardia. A parte orquestral é bastante influenciada pelo experimentalismo, inclusive nas melodias entoadas por um coral lírico, a gerar ainda mais sentido nonsense ao filme.
O filme contém igualmente a participação de dois músicos de primeira grandeza do Rock britânico e mundial, a atuar como “atores”, nessa loucura toda. Os bateristas, Ringo Starr (The Beatles) e Keith Moon (The Who), entraram com tudo na loucura proposta e ambos estavam bem acostumados a perpetrar atuações em películas e sem nenhuma timidez para exercer a sua canastrice sem nenhum pudor, e muito pelo contrário, a demonstrar haver divertido-se muito com as suas atuações bizarras. Não sei qual foi o mais louco ali, pois Ringo interpretou um personagem caracterizado como o próprio, Frank Zappa e Keith, interpretou uma freira-groupie, completamente alucinada. 
E há também a atuação de groupies verdadeiras, casos de Miss Pamela Miller, Miss Lucy Overall e Janet Ferguson. O cantor, Theodore Bikel e o produtor musical, Dick Berber também participam, além do primeiro baterista dos Mothers of Invention, Jimmy Carl Black, que é hilário a cantar e satirizar a Country Music norte-americana. São muitas as insinuações sexuais, afinal de contas um dos motes foi a questão das groupies inseridas nas turnês de bandas de Rock. 
E também a lisergia, com delírios oníricos a insinuar alucinações provocadas pelo uso de de substâncias como o LSD, além do surrealismo total, como por exemplo o desenho animado onde um pato a parecer-se com o Pato Donald, briga consigo próprio no espelho do banheiro. Outra loucura sem limite, é o aspirador de pó que ganha vida e daí, o que poder-se-ia esperar?
Sobre as canções, estas apresentam os seus momentos ótimos, como já adiantei anteriormente. Zappa sola e como guitarrista ele também era muito criativo. Os cantores dos Mothers nessa ocasião, apresentavam uma condição vocal muito boa. Mark Volman e Howard Kaylan (ambos, ex-"The Turtles"), atuam bastante nas loucuras encenadas, embora sem o talento para ser atores, propriamente dito, mas apenas a embarcar na loucura sem timidez, digamos assim.  
São muitas as músicas interessantes, mesmo entre as mais experimentais. E muitas tem em seus respectivos títulos, explicitamente o que Zappa pretendeu ao abordar a atitude das groupies, casos de: “Magic Fingers”, “The Girl Wants to Fix Him Some Broth”, “Your Dick”, “Penis Dimension” etc. 

Com direção de Tony Palmer, foi escrito por Frank Zappa e com parceria do próprio, Tony Palmer. A parte da animação, ficou a cargo de Charles Swenson. 
O filme foi produzido no Pinewood Studios de Londres, na Inglaterra e lançado em novembro de 1971, com repercussão muito restrita aos fãs de Zappa & Mothers, naturalmente e foi tachado como incompreensível, pela crítica em geral. Tal película ficou a preambular apenas no restrito mundo dos cineclubes e só foi ganhar uma versão em VHS, nos anos oitenta. Está disponível em cópias para assistir-se no YouTube, e foi lançado também em versão DVD, muitos anos depois, a apresentar-se disponível em sites para vendas.
Apesar do amadorismo todo, da loucura em excesso, da total falta de compromisso em ser uma peça minimamente comercial em termos cinematográficos, se o leitor gosta de Frank Zappa, vale a pena assistir e adquirir o álbum e a versão do filme em DVD, para a sua coleção, certamente.

Esta resenha foi escrita para fazer parte do livro: Luz; Câmera & Rock'n' Roll e encontra-se disponível em seu volume I, a partir da página 414

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