Este filme
nasceu em torno de uma ideia interessante, no entanto, o tom proposto em torno
da comédia, tratou por arrasar a intenção inicial que foi nobre, em tese. Pior
ainda, a estética visual usada pela direção de arte, mediante o predomínio do
conceito “kitsch”; extremo histrionismo adotado pela atuação dos atores profissionais
e/ou amadores a atuar, o texto mal elaborado e direção equivocada, foram itens
negativos que somados, depõe contra a obra. Pois então, sobra alguma coisa para
ser considerada positiva? Sim, existe algo de bom neste filme, embora seja
realçado sob uma proporção ínfima.
Primeiro
ponto : algumas piadas são engraçadas, não todas, portanto, poder-se-ia ser
levado em consideração o fato desta película ser considerada uma comédia escrachada
e assim, diminuir-se-ia bastante qualquer grau de exigência dos críticos
regulares de cinema e principalmente em relação ao público Rocker em suas
expectativas mais detalhistas. Nesse aspecto, é preciso ser bastante paciente
ao considerar também, que trata-se de uma produção concebida nos anos oitenta,
portanto, pelo fato do Rock em si, vivia-se uma Era pautada pelo vilipêndio
ideológico ao passado do próprio gênero. Já pelo fator cinematográfico
propriamente dito, a expansão de um tipo de comédia nesses termos, ou seja, a
privilegiar o pastelão exagerado, estava em alta voga, portanto, foi baseado em
tais premissas que o filme foi produzido. Segundo aspecto: há uma trilha sonora
que mesmo que não seja considerada espetacular, pelo menos minimamente preserva
o filme do desastre total, ainda bem.
Qual teria
sido então a nobre intenção que motivara a criação da obra, e que eu mencionei
no início da resenha? Pois o diretor, Allan Arkush, detinha uma cultura Rocker/contracultural em sua formação pessoal e mais do que isso, fora um ex-funcionário
do auditório Fillmore East, nos idos do final dos anos sessenta e início dos
setenta. Como cineasta, também contabilizava o fato de ter iniciado a sua carreira
como membro da equipe de produção do diretor, Roger Corman, este, um
especialista em cinema de terror, mas que nos anos sessenta, tivera uma interessante
incursão ao cinema contracultural, ou seja, lidar com Freaks, foi algo que
Arkush acostumara-se desde a década de sessenta. Allan Arkush, portanto, teve como
intenção ao propor filmar, “Get Crazy”, prestar uma homenagem aos auditórios
Fillmore (East e West), capitaneados pelo grande empreendedor contracultural, Bill
Graham.
Que ótimo, tais teatros foram importantíssimos para a história da
contracultura, principalmente para o Rock e demais vertentes musicais derivadas
e paralelas, naqueles anos de ouro. Nada mais nobre, portanto, ao trazer à
baila uma homenagem para essas casas que tanto contribuíram para a música,
contracultura, Rock & afins. No entanto, infelizmente, eis que todos os
fatores negativos que eu arrolei anteriormente somaram-se, e assim, com tal
carga, ficou inviabilizado que a tal boa intenção do diretor, Allan Arkush,
fosse honrada.
E a
história, do que trata-se afinal de contas, o “Get Crazy?”Bem, o Teatro
Saturn vai produzir um show de Rock com vários artistas para celebrar o
Reveillon de 1982. No entanto, apesar de estar desde 1968, nas mãos de um
abnegado curador, paira a ameaça dessa concessão ser encerrada e nesse ínterim,
um mega investidor (e que seria um alienígena com péssimas intenções), oferece
uma quantia irrecusável para comprar o teatro, quando o dono fica possesso pelo
assédio e tem um ataque cardíaco. Eis que o sobrinho e virtual herdeiro desse
maioral, não tem o mesmo apego ao estabelecimento e rapidamente mostra-se propenso
a aceitar a oferta. Todavia, como ainda não poderia tomar sozinho tal decisão,
fica combinado de que até a meia noite, portanto, antes do ano de 1983,
iniciar-se oficialmente, esse sobrinho teria que fazer com que o seu combalido tio
assinasse o contrato para celebrar a venda.
Nesse
ínterim, a produção para o show de reveillon mostra a contratação dos artistas
convidados e rende algumas boas piadas, se analisado pelo lado estrito do
humor, entretanto, se a intenção foi homenagear a instituição dos auditórios Fillmore, desaponta
qualquer Rocker com uma mínima consciência de sua importância na vida real,
pois tudo é tratado como se fosse um programa de humor popular da TV. Feita a
ressalva, se o espectador não ofender-se, pode até rir como se estivesse a ver
um programa humorístico sem compromisso com nada mais do que proferir-se
asneiras a esmo.
O filme segue, com o sobrinho
mal-intencionado que arquiteta uma sabotagem, ao mandar instalar uma bomba no
auditório e através da tragédia, obter a sua sonhada vantagem. Bem, se fosse um
episódio do desenho animado: “Corrida Maluca” e isso fosse a meta da
maquiavélica dupla de malfeitores formada por Dick Vigarista & Muttley,
creio que não incomodaria nenhuma criança até o limite dos sete anos de idade,
todavia, usar isso como mote para um filme, mesmo sob a égide do humor
escrachado, realmente foi algo bem forçado, convenhamos.
Então, foi isso, a
ação toda transcorre em torno desse dia 31 de dezembro de 1982, entre os
preparativos para o show, as sinistras ações de sabotagem e as loucuras perpetradas
por artistas temperamentais ou lunáticos contumazes.
E o elenco musical
é bem dispare, pois apresenta desde um Bluesman tradicional (admito que é
hilária a estupefação do artista ao descobrir que será acompanhado por uma
banda temática, toda inspirada no judaísmo), uma banda a celebrar o Rock
oitentista em voga, regida por todos os signos da New Wave, um cantor britânico
desengonçado e a exibir uma espécie de Hard-Rock Pop oitentista, pleno em
clichês, um punk completamente ensandecido a mostrar-se um revoltado em tempo
integral, um conglomerado de Hippies anacrônicos, devidamente ridicularizados (ao
seguir a praxe oitentista), e finalmente, um cantor/guitarrista solo que é
temperamental e arredio, que devido ao trânsito, chega atrasado e faz a sua
apresentação após o show ter sido encerrado.
Ainda a
falar sobre essa parte musical, a parte do Bluesman é um dos pontos altos do
show (e do filme, acredito), apesar do clima em tom de sátira, proposto em
geral. Bem, tratou-se de Bill Henderson um cantor de respeito no mundo do Blues
e do Jazz, e que interpretou, o cantor: “King of Blues” (inspirado em BB King?) . A despeito das piadas, a parte musical soa bem, pois dois blues de respeito
são tocados, com as releituras de Blues clássicos de autoria de Muddy Waters e
Willie Dixon, respectivamente.
Em relação
ao grupo New Wave, todo modernoso, a cantora, “Nada”, foi interpretada por Lora
Eastside, que de fato cantava no grupo oitentista, “Kid Creole and the Coconuts
(este por sua vez foi um grande inspirador de Julio Barroso no Brasil, quando tal
finado artista criou a sua: “Gang 90 e as Absurdettes”). No filme, tal grupo é
um pastiche ao estilo de grupos reais em voga, tais como: B52’s; Go-Go’s;
Bangles etc.
E para piorar tudo, tal grupo recebe como convidado especial, o truculento
punk a simular estar sob ataque epilético crônico, chamado como: “Piggy” e que
foi interpretado por um vocalista punk de fato e que na vida real não tinha um
comportamento muito diferente, na figura de Lee Ving, que atuava com a banda
Punk, LA Fear... que medo...
Sobre os
hippies, segundo consta na sinopse do filme, a intenção foi homenagear uma
banda sessentista verdadeira, o “Strawberry Alarm Clock”. O líder da banda
fictícia, foi interpretado por Howard Kaylan, ninguém menos que um dos vocalistas
do bom grupo sessentista da vida real, “The Turtles” e também com passagem pelo
“Mothers of Invention” de Frank Zappa. No filme, ele interpretou o seu personagem
a seguir a caricatura proposta, como o “Hippie Stoned” a não falar nada
inteligível, bem naquela perspectiva pela qual o do humorismo em geral, enxergava
o movimento Hippie, vide o personagem, “Lingote”, criado por Chico Anysio.
Reggie
Walker foi o tal cantor inglês fictício e aqui pareceu que a intenção da
produção foi satirizar, Ozzy Osbourne. Sujeito um tanto quanto fora do prumo,
digamos assim, foi interpretado pelo bom ator britânico, Malcolm McDowell, e em
certas cenas a conter insinuações sexuais (orgias com groupies e a conversar
com o seu próprio pênis, quando sob efeito de LSD), Malcolm pareceu ter ficado a
vontade para dar continuidade à linha de interpretação em que concebera o
personagem do Imperador Romano, Calígula, que ele havia recém lançado nas telas
de cinema.
Caricato, principalmente nas cenas do show ao vivo (ele cantou de
fato, e com a sua voz bem desafinada, só aumentou a canastrice de sua
interpretação), isso só reforçou a ideia de que esse filme buscou o humor, mas
passou do ponto. Outra presença surpreendente, ocorreu com o baterista do The
Doors na vida real, John Densmore, que interpretou o baterista da banda do
cantor, Reggie e o seu personagem proporciona uma cena ridícula ao fazer um
solo de bateria, e abusar da sua comicidade duvidosa. Designado como o personagem,
“Toad” (sapo), é difícil acreditar que tenha sido ele mesmo a participar ali,
ao considerar-se o quanto era sisudo ao atuar com o The Doors, na vida real.
Tomara que tenha divertido-se, pelo menos, em filmar tal cena constrangedora.
E para
fechar as considerações sobre a parte musical, Lou Reed interpretou o tal
cantor/guitarrista solo e mal-humorado, chamado “Auden” (inspirado em Bob
Dylan, mas convenhamos, muito mais nele mesmo, ora, ora). Reed, como “Auden”
toca e canta sozinho, “Little Sister”.
Bem, de
confusão em confusão, a tal bomba culmina em explodir bem no colo do vilão mor,
o teatro salva-se e o Hippie defendido por Howard Kaylan (designado como “Captain
Cloud”), comanda um número final a envolver todos os demais artistas e o
público junto, a cantar o clássico tema de reveillon nos Estados Unidos : “Aulde
Lang Syne” e assim dar a boa vinda para o ano de 1983.
Quando o
filme estreou nas salas de cinema, eu não fui vê-lo. Parece algo preconceituoso
de minha parte, mas a julgar pelas críticas que eu havia lido na imprensa, à época,
eu senti que tratava-se de uma bobagem que não mereceria ser paga para
assistir-se. Só assisti quando entrou na grade da TV, bem depois e constatei
que eu fizera bem em não ter gasto o meu dinheiro. Sei que muitas vezes as
opiniões do críticos profissionais da grande imprensa não podem ser levadas à
risca. Tem muita idiossincrasia a conspurcar as análises que deveriam ser
isentas e técnicas, em tese, eu sei disso, porém, acho que desta vez eles avaliaram
corretamente.
Tal obra saiu em
formato VHS, ainda nos anos 1980, mas não consta que tenho sido lançado em
formato DVD, posteriormente. Foi bastante exibido na grade das TV’s abertas nos
anos oitenta, mas em horários mais avançados, pois a despeito de ser uma
comédia baseada no besteirol total, as cenas a conter nudez e insinuar sexo e
uso de drogas, impossibilitaria a exibição na “Sessão da Tarde”.
Na TV fechada
foi programada para ser exibido nos canais especializados em filmes humorísticos,
e também é fácil para acessá-lo no YouTube.
Atores
tarimbados participaram desta comédia. Além dos que já citei, vale acrescentar: Alen Garfield (Max Wolfe), Daniel Stern (Neil Allen), Gail Edwards (Willy
Loman), Miles Chapin (Sammy Fox), Ed Begley Jr. (Colin Beverly, o vilão),
Stacey Nelkin (Susie Allen), Clint Howard (Head Usher) e outros. Direção de
Allan Arkush e lançado em agosto de 1983.
O diretor, Allan Arkush a cumprimentar um bizarro personagem do filme: Get Crazy
Para
encerrar, há por destacar-se que uma tarja aparece ao final para agradecer a
equipe de produção do auditório “Fillmore East”, que durante o período entre
1968 e 1971, proporcionara ao diretor, Allan Arkush, as boas memórias que este
acumulou durante a sua convivência. Sei que passou muito tempo, mas Arkush
ainda está vivo e deveria produzir um filme, ou no mínimo um documentário para
honrar tal memória, visto que esse “Get Crazy” foi tudo, menos um tributo à
altura do Fillmore East.
Esta resenha está publicada no livro: "Luz; Câmera & Rock'n' Roll e está disponível para a leitura em seu volume II, a partir da página 174.
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