Elvis
Presley entrara para a indústria do cinema ainda no início de seu auge como
cantor e as suas sistemáticas aparições em filmes, em paralelo à carreira
musical, tratou por amplificar a sua fama. Espetacular estratégia concebida sob
o ponto de vista do marketing, inspirou certamente imitações ao redor do mundo,
com cantores populares, desde que razoavelmente bem apessoados, a protagonizar
filmes e nessa premissa, pouco importou se tais cantores improvisados como
atores, detivessem uma mínima condição para a dramaturgia. Em alguns casos, conter
tal credibilidade foi possível, caso do próprio Elvis, que atuou relutantemente
como ator no início, mas melhorou com a prática e se não pode ser considerado
um bom ator, na acepção do termo, ao menos não portou-se de uma forma constrangedora
como muitos outros cantores que seguiram a cartilha apenas para tentar buscar
em seu vácuo, um resultado semelhante em termos de popularidade alavancada,
para poder vender mais discos e construir assim uma agenda bem preenchida com
shows.
Foi o caso
de Cliff Richard, igualmente. Cantor Pop britânico surgido na cena artística ao
final dos anos cinquenta, ele foi lançado como ator igualmente ao protagonizar uma
série de filmes e certamente a seguir a fórmula, ipsis litteris, que Elvis
adotara na América do Norte, este com a devida mão pesada de seu empresário, o
obstinado “Colonel” Tom Parker.
No caso de Cliff, os seus dotes vocais não eram
tão bons quanto os de Elvis, e nem mesmo a sua aparência haveria por credenciá-lo
a aspirar tornar-se um galã, na mesma proporção naturalmente, porém mesmo
assim, ele foi orientado a seguir tal estratégia e bem produzido, tornou-se um
produto palatável a ser apresentado ao grande público e a produzir os seus
efeitos desejados, com a popularização do artista em si, e a angariar um forte
fã-clube adolescente e predominantemente feminino. Então, Cliff Richard foi um embuste total ? Não,
absolutamente. Tanto que a sua carreira foi bem além dos filmes e do repertório
mais adocicado de seu início de trajetória e já no avançar dos anos sessenta,
Cliff foi bem mais substancial como artista musical.
Bem, “Expresso
Bongo”, lançado em 1961 (Cliff já havia atuado em “Serious Charge”,
anteriormente em 1959), mostra uma história bem alinhavada pelo fato de tal
roteiro ter sido encenado anteriormente como um musical no teatro. Amparada por
tal experiência pregressa coroada por um sucesso expressivo, chegou com força
nas telas de cinema e de fato, foi bastante elogiado à época. A história é
simples, mas tem um mérito até surpreendente em face do caráter popular que a
obra certamente ostenta: mostrar, ainda que bem timidamente, as manobras que
ocorrem nos bastidores da indústria fonográfica e no show business para
construir (ou destruir, conforme os interesses em pauta), a carreira de um artista.
Dessa forma,
Cliff Richard interpreta um cantor em ascensão, chamado: Bert Rudge. Ele atua
em pequenos shows, acompanhado da espetacular banda britânica, “The Shadows”, o
que aliás ocorria na vida real. Então o cantor é abordado por um rapaz que
apresenta-se como um empresário, denominado: Johnny Jackson (que foi interpretado
pelo bom ator lituano, mas criado na África do Sul e britânico por extensão,
Laurence Harvey).
Johnny propõe um tipo de contrato bastante capcioso, no
entanto, como Bert não tem uma melhor opção em vista, aceita o gerenciamento de Johnny. Como uma
primeira medida, Johnny já interfere diretamente na imagem do artista, ao
propor-lhe a mudança de nome artístico. Doravante, Bert passa a apresentar-se
como “Bongo Herbert”, por ser mais sonoro, como alegou o seu empresário.
Concomitantemente,
o filme aborda a vida pessoal de Johnny, que namora uma atriz burlesca, que na
verdade é uma stipper. Trata-se de Maisie King (interpretada por Sylvia Syms).
A moça quer evoluir e ser lavada a sério como atriz e cantora e Johnny enxerga
em Bongo, a oportunidade para ganhara dinheiro e assim poder atender as
reivindicações de sua namorada. Torna-se muito interessante a inclusão dessa
personagem, pois muitas cenas são ambientadas em tal cabaré onde atua e nesse
caso, é muito surpreendente o teor de tais cenas, visto que são exibidas sketchs
do espetáculo onde ala atua com muitas colegas e ali, o aspecto do Teatro
Vaudeville bem ousado, é mostrado sem parcimônia e cabe uma reflexão.
É
impressionante o teor das cenas e que são várias, aliás, a mostrar mulheres jovens,
belas e praticamente seminuas a usar um estilo de lingerie minúscula e sexy, a protagonizar
piadas sob alto teor erótico e até em alguns casos a insinuar práticas sexuais
bizarras a envolver o conceito do sadomasoquismo, ou seja, algo impressionante
para um filme comercial; produção britânica e em 1961!
Tal fato chamou muito a
atenção da imprensa e da opinião pública por conseguinte, mas por incrível que
pareça, apesar da estupefação, não gerou protestos ou sugestão de boicote à
obra, o que seria uma reação normal da sociedade conservadora da época, ainda
mais no Reino Unido.
Outro
aspecto: por ser derivado de um musical teatral, é claro que a música tem o
seu protagonismo. E nesses termos, as canções que são apresentadas, tem o
aspecto orquestral, na maior parte do tempo. São boas canções, não resta
dúvida, todavia, é preciso alertar ao leitor, que a roupagem é bem antiquada,
até para os padrões da época. O personagem de Bongo Herbert, in natura a
apresentar-se com o The Shadows, soa muito mais Rocker, principalmente pelo
amparo excelente da banda, mas o empresário trata por moldá-lo como uma cantor Pop
bem pasteurizado, para agradar uma faixa etária mais envelhecida e assim aparar
as arestas Rockers que poderiam chocar as pessoas conservadoras sentadas na
sala de estar dos Lares britânicos para assistir em família, as atrações da BBC,
após o jantar.
Johnny,
apesar de ser um canalha contumaz, tem o mérito de ser impetuoso. Mesmo ao levarmos
em consideração que no fundo ele só quer usar Bongo Herbert como um produto a
ser explorado e cujo bagaço será descartado a seguir. Nessas condições, o fato
é que ele vai com tudo para cima de uma gravadora a fim de levar o seu artista
para fazer parte do elenco. Mayer (interpretado pelo ator britânico, Meier Tzelniker),
é o maioral da gravadora e não aceita rapidamente a pressão de Johnny a
oferecer o seu artista, Bongo Herbert, para fazer parte do elenco da companhia.
Ele até vai assistir o artista em ação, sob um convite de Johnny, mas idoso e
bem conservador, não comove-se ao ver a reação dos jovens entusiasmados com a
performance de Bongo e a sua banda, que aliás, é um dos pontos altos do filme,
pois o The Shadows era de fato, sensacional.
Mayer, é
obcecado por uma cantora norte-americana e que viria à Inglaterra em breve para
shows, sob a sua promoção. Johnny é astuto e rapidamente arma uma situação
inusitada a forçar tal cantora a citar o seu protegido, Bongo, como um exemplo
de artista jovem e promissor e mais que isso, Johnny usa a sua própria
artimanha para alavancar a presença de Bongo no show da cantora norte-americana,
Dixie Collins (interpretada por Yolande Donlan). Isso ocorre de fato, apesar do
ceticismo do executivo, Mayer, em relação ao bom desempenho de Bongo em um show
dessa magnitude, mas isso logra êxito. É sugerido que Bongo cante uma balada
bastante ingênua, com alto teor religioso para agradar uma plateia tão conservadora.
E foi o que aconteceu, com Bongo a apresentar-se bem engomado para cumprir tal
tarefa a contento. Até um coral com meninos vestidos como coroinhas de igreja,
aparece em cena para dar suporte ao cantor jovem.
Dixie é uma
mulher de meia idade e bastante afetada por sentir-se uma estrela com
mentalidade hollywoodiana, contudo, apesar de sentir um pouco de inveja da
juventude e sobretudo por intuir que o rapaz vai alcançar o sucesso entre os
jovens, inevitavelmente, o apresentou com bastante galhardia em cena e não o
trata mal no camarim, no pós show. Aliás, a verdadeira motivação foi que ela
interessou-se pelo rapaz e assim que ocorre uma deixa, Dixie o convida para um
drink, no pós show, em seu quarto de hotel. Bongo, muito tímido e respeitoso, alega
que precisa dar assistência à sua mãe. De fato, no início do filme, algumas
cenas mostram que Bongo era oriundo de uma família simples e estava a ser
pressionado pela sua mãe para arrumar um emprego mais formal e não sonhar com a
música. Nesse preâmbulo, o empresário, Johnny, interviera na situação familiar
de Bongo, no sentido de manter o jovem cantor sem a pressão que o atrapalharia,
em tese.
Bem
rapidamente, Dixie seduz Bongo, que cede aos encantos da bela dama balzaquiana.
No entanto, Dixie não é inescrupulosa e pelo contrário, mais que o interesse sexual
que nutre pelo rapaz, ela deseja realmente ajudar Bongo a ascender na carreira
e assim, torna-se um desafeto de Johnny Jackson. Alguns fatos ocorrem para
justificar tal conflito e isso culmina em um ardil que Dixie usa para Bongo
rescindir o seu contrato com Johnny e assim ficar livre para buscar melhores
oportunidades de gerenciamento de carreira, certamente amparado pela cantora madura, que
planeja levá-lo aos Estados Unidos. Johnny absorve a derrota e sem meios para
lutar contra, faz as malas com a namorada e vai embora de Londres para um
futuro incerto. E fim de filme, aliás...
Cabe acrescentar
que a fotografia em preto e branco, é muito bonita, a oferecer uma matiz com
brilho intenso. A música é de ótima qualidade, mesmo nos números musicais com
vestimenta mais antiquada. É também digno de nota que muitas cenas foram
filmadas em locação de rua, portanto é muito interessante ver as ruas do bairro
londrino do Soho, em 1959, a borbulhar de vida, com casas de shows e comércio intenso,
através de cenas noturnas, e a apresentar uma diversidade muito grande de
sotaques, inclusive estrangeiros. Outro ponto que é muito interessante, mesmo
ao tratar-se de um musical, este não segue a fórmula norte-americana a conduzir
um filme desse gênero, visto que os diálogos normais são maioria no roteiro e
as partes cantadas, mínimas. Em um regular musical norte-americano, costumava
ser o contrário, com os personagens a trocar poucas palavras normalmente e a
cantar o tempo todo para estabelecer a conversação, mas aqui nessa produção
britânica, tal recurso foi usado com muita parcimônia.
Outros
atores que participaram e não foram citados anteriormente: Ambrosine
Phillpotts (como Lady Rosemary), Eric Pohlmann (como Leon); Hermione Baddley
(como Penelope), Reginald Beckwith (como o reverendo Tobias Craven), além da
presença de um ator que interpretou a si mesmo, caso de Gilbert Harding, pois
este foi também um famoso jornalista/radialista e apresentador de programa na
TV, portanto, muito atuou no meio musical inglês.
Foi escrito
por Julian Mankowitz e Julian More. A música ficou a cargo de Robert Farnon e a
coreografia sensual das meninas do cabaré, foi assinada por Kenneth MacMillan.
Val Guest dirigiu este filme e cabe dizer que tal diretor britânico já mostrava-se
muito experiente quando dirigiu esta obra. Diretor eclético, acumulou gêneros
os mais diversos em sua filmografia, do terror ao Sci-Fi, a passar por filmes
de aventuras, romances; policiais e tramas a envolver espionagem geopolítica.
Foi o diretor de “The Quatermass X-periment”, um clássico do cinema Sci-Fi nos
anos cinquenta, “Cassino Royale”, “The Day The Earth Caught Fire” e “When
Dinosaurs Ruled The World”, nos anos 1960, e muitos outros.
Bem, “Expresso
Bongo” fez sucesso nas telas de cinema, principalmente no Reino Unido. Cliff
Richard estava apenas a começar subir na carreira musical e ainda atuaria como
ator em mais alguns filmes e encontra-se na ativa até os dias atuais e diga-se
de passagem, com muita atividade. The Shadows entrou para a história como uma
das principais bandas instrumentais da chamada vertente da Surf Music, uma
variante do Rock’n’Roll primordial cinquentista.
O ator, Laurence Harvey seguiu a sua
carreira com brilhantismo a filmar filmes muito importantes também no cinema
norteamericano (“The Manchurian Candidate”; “Dial Butterfly-8”; “Room at The
Top” e ”The Alamo” entre muitos outros), até falecer precocemente em 1973.
A
atriz, Yolande Donlan era norte-americana de nascença, mas trabalhou no cinema
britânico a maior parte de sua carreira e deixou-nos em 2014. E quanto à Sylvia Syms, ainda está viva em 2019, ainda bem,
e segundo apurei, na ativa, a trabalhar em especiais da TV britânica.
O filme
motivou o lançamento de um EP na época, com a sua trilha sonora e passou na TV
sob muitas reprises nos anos sessenta. Com o advento da TV a cabo, passou em
canais orientados a exibir filmes vintage ou pelo aspecto musical e também em
eventuais pacotes temáticos a retratar a figura de Cliff Richard. Foi lançado
em VHS nos anos oitenta e em DVD, está disponível nos dias atuais.Na Internet, atualmente em 2022, em termos de YouTube é difícil achá-lo em versão integral, mas apenas sob fragmentos. Há uma cópia no entanto no portal, UK.RU, e só não afirmar se em caráter permanente, ao considerar a questão dos direitos autorais.
Talvez alguns estudiosos não o considerem como um
Rock Movie, verdadeiramente, pois no cômputo final ele só resvala no tema, mas
por ter Cliff Richard como protagonista e acompanhado pelo The Shadows, acho
que pode tranquilamente estar inserido nesse contexto e além do mais, quando
Cliff & The Shadows atuam, os jovens vibram e a discussão acalorada entre
os velhos “squares” (“quadrados”), ocorre sobre tal música ser “barulhenta”,
portanto, está no espírito do Rock.
Esta resenha foi escrita para compor o livro: "Luz; Câmera & Rock'n' Roll" e está disponível para a leitura através do seu volume III, a partir da página 79
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