Eis aqui
mais um filme a retratar a biografia de John Lennon e desta feita, a centrar as
suas forças no período crítico de sua adolescência e início da juventude (entre
1955 a 1960), a envolver os seus múltiplos problemas familiares e o início de
suas atividades musicais, incluso a semente primordial que gerou os Beatles.
O primeiro
aspecto a ser realçado, é que não se trata do primeiro filme a enfocar esse
ponto da biografia do Lennon (e dos Beatles por extensão), no entanto,
surpreende pela abordagem que buscou a profundidade nos meandros que levaram
John Lennon a desenvolver a sua personalidade e por conseguinte, como um
elemento decisivo a moldar muito do trabalho futuro que os Beatles construiriam.
Outro aspecto, tal aprofundamento na abordagem mostrou-se rico enquanto
elemento para incrementar a história e consequentemente, a dramaturgia,
portanto, o filme revela-se interessante por ter ganho tal substância
dramática.
Como expressão da verdade, no entanto, certamente que é preciso
guardar muitas ressalvas, pois as inevitáveis licenças poéticas foram usadas
para dar uma melhor fluidez cinematográfica, o que é uma fórmula do cinema e em
via de regra, nenhuma cinebiografia (de qualquer personalidade, aliás, não apenas
sobre astros da música), é 100 % fidedigna e nem mesmo comprometida com a
necessidade de retratar a verdade, inteiramente. E nem sempre é por uma questão
maledicente, mas simplesmente por conta do roteirista e/ou diretor
(produtores e editores também influem), considerar que algumas modificações na
narrativa são mais convenientes ao bom andamento do filme. Isso sem contar os
vetos da parte de um escritor (e a maioria das cinebiografias ou “biopic” como
falam os norte-americanos, são baseadas em livros biográficos), que publicou
certas nuances, mas considera que determinados detalhes são irrelevantes para ser mencionadas
em um filme que tende a condensar a obra, ou mesmo do próprio biografado (se
ainda estiver vivo e a usufruir de sua plena faculdade mental, naturalmente) e/ou da parte dos seus familiares que desejam evitar certas revelações que possam
denegrir o biografado.
Posto isso,
este filme, além de realçar a questão da mãe de Lennon, Julia, também
mergulhou fundo na relação dele, John Lennon, com os seus tios, responsáveis
pela sua criação, como se fosse um filho deles e a sua reaproximação com a sua
mãe de fato, na adolescência.
Essa é a parte mais interessante desta
dramaturgia, pois mostra aspectos que foram apenas mencionados levemente em
outros filmes análogos ou nem mesmo citados. Por exemplo, a relação de Lennon
com o seu tio, George Smith (interpretado por David Threlfall), que em outros
filmes não é nem esboçada, pois este falecera com John ainda a possuir apenas
quatorze anos de idade, nesta película tem um bom espaço, ao mostrar o quanto o
tio George supriu parcialmente a figura paterna que o pai verdadeiro e ausente
desde sempre, deixou de cumprir.
Com a morte do tio, veio à tona a necessidade da sua tia, Mary
Elizabeth “Mimi” Smith (interpretada pela boa atriz britânica, Kristin Scott
Thomas), revelar a verdade sobre John não ter sido criado pelos pais, mas por
ela e o seu marido. A licença poética fez com que essa conversa surgisse no
cemitério, ainda a sofrer a perda do tio, para dar o devido efeito melodramático
ao filme, ao configurar-se como um clichê, mas tudo bem, tal recurso piegas é suportável para o espectador.
Então, John
Lennon (interpretado por Aaron Johnson), revolta-se com a história da rejeição.
A sua mãe, Julia Lennon (interpretada por Anne-Marie Duff), alegara não ter
condições de criar o filho, por ser muito jovem na ocasião e sobretudo pelo
fato do pai da criança, Freddie Lennon (interpretado por Colin Tierney), não
ter preocupado-se com o seu nascimento, em princípio. Quando John atingiu cerca
de quatro anos de idade, houve uma súbita reaproximação de seu pai, mas este
propôs levar o menino para morar consigo, na Nova Zelândia e obviamente que
Julia recusou a ideia. Lennon, por sua vez, escolheu ficar com a mãe, mesmo a
opinar com uma idade onde o discernimento fora inexistente de sua parte, é
claro. Bem, daí em diante, Julia alegou não poder cuidar do menino e o deixou para ser
criado pela sua irmã mais velha, Mimi e pelo cunhado, George.
Revoltado
com essa constatação, Lennon deseja uma reaproximação com a mãe, Julia, e a
procura. Ela vive com outro homem e tem duas filhas pequenas, meias-irmãs que
Lennon mal sabia que possuía. É preciso abrir um parêntese aqui, para ressaltar
que este filme baseou o seu roteiro em um livro escrito por Julia Baird
(interpretada pela então atriz mirim, Angélica Jopling), que vem a ser uma das
meias-irmãs de Lennon. Isso explica certamente a abordagem a dar a devida
importância a uma narrativa que em outros filmes é obscurecida ou simplesmente
ignorada, sobre a pessoa de Julia Lennon e ainda mais sobre as duas filhas que
ela teve com outro homem e que são meias-irmãs de John.
E dentro
dessa perspectiva diferente, é mostrado que Julia não criara John por falta de
recursos, e que agora, melhor estabelecida, a viver com um homem e ter duas
filhas, deseja restabelecer um convívio com ele. Em algum momento do filme,
John chega a morar com Julia (e a sua segunda família), e dessa forma, uma parte
interessante é abordada com maior atenção, ao tratar-se de uma importante nuance
da sua biografia: foi Julia que o ensinou a tocar banjo, e que abriu o
caminho, posteriormente para ele dominar o violão e partir para a guitarra.
Tal
detalhe é mencionado em todas as biografias publicadas e cinebiografias em
paralelo a este filme, porém, sempre de uma forma apressada e às vezes até subliminar.
Todavia, neste filme tal nuance é mostrada em várias cenas, inclusive em uma delas que chama a atenção
ao acelerar a imagem de Julia e John a praticar aos instrumentos, para sugerir
a passagem de alguns dias, quiçá, semanas ali sugeridas e demonstrar assim o quanto ele
evoluiu rapidamente para tornar-se um músico.
E sobre Julia em si, é
interessante o enfoque a mostrar que ela possuía uma atitude libertária de
certa forma, embora fique explícito que a pender para a um certo exagero histriônico,
por ser jovem ainda e nesse ponto, porta-se muito mais como se fosse uma irmã mais velha,
do que mãe de John.
Na biografia oficial, insinua-se que esse tal espírito
livre de Julia fora na verdade uma marca a apontar para uma outra faceta mais
pesada, digamos, mas aqui, baseado no que a sua filha escreveu no livro, e que deu origem ao filme (o livro de Julia
Baird chama-se: “Imagine This: Grow up With My Brother, John Lennon”), ela
foi retratada como alguém que gostava de aproveitar a vida livremente, sem precisar
arcar com as responsabilidades da vida adulta. Tudo bem, não vou contestar a
visão da irmã de Lennon sobre a sua própria mãe.
Situações protagonizadas
pela conturbada vida escolar de John, são mostradas. Pequenas estripulias
cometidas com os seus amigos bagunceiros; repreensão da parte dos professores e
do diretor da escola, pelo fato de John manter consigo material pornográfico em meio ao seu material
escolar etc.
Mostra-se
também a parte que mais importa aos fãs, que é o início primordial da formação
do grupo: “The Quarrymen”, um rústico combo semiacústico a tentar reproduzir o
Rock’n’ Roll norte-americano que os enlouquecia e mais a parecer-se com um grupo
de “skiffle” (que foi um ritmo derivado do Rock, e mais rústico, muito
praticado na Inglaterra, naquela época).
Eis que um amigo de escola apresenta
Paul McCartney à John, em meio a um ensaio do grupo que este pretendia montar.
Lennon trata McCartney com bastante desconfiança e arrogância, inicialmente,
mas rende-se à evidência que o garoto franzino e canhoto, tocava bem, aliás,
bem melhor do que ele e também tinha um ótimo dote vocal. É bem verdade que a
reprodução de uma passagem importante da biografia dos Beatles, quando essa
banda preliminar apresentou-se pela primeira vez em uma feira de parque ao ar
livre, em Liverpool, ficou perfeita, tendo em vista que não existe nenhuma
filmagem, e apenas uma foto guardada dessa ocasião em que Lennon; McCartney e
Harrison, na companhia de outros garotos não destacados, nem sonhavam em ser
músicos profissionais, quanto mais famosos mundialmente.
Mérito do filme, tal
reprodução foi bastante caprichada, tendo em vista as parcas referências que a
produção dispunha para poder compor a cena com tal fidedignidade.
Nesse
ínterim, a Tia Mimi, que era austera e muito diferente de sua irmã, Julia,
imbuída de sua autoridade moral por ter de fato criado o seu sobrinho, John, quis
retomar as rédeas sobre a formação do rapaz e através de uma atitude dura, some
com o violão do rapaz, para tentar sabotar a sua investida na música.
Uma cena
bastante emblemática, porém claramente forçada para realçar a dramaticidade,
mostra John embriagado a tentar entrar no "Cavern Club" e os seguranças da casa,
não permitir isso. Bem, nem preciso explicar, eu creio, o que essa casa noturna
localizada na cidade de Liverpool, representou para a carreira dos Beatles, não
é?
Emocionalmente transtornado, ele naturalmente ficara enlouquecido com a
atitude de sua tia e sem recursos, procura a sua mãe, Julia, para pedir-lhe o
dinheiro necessário para que ele pudesse resgatar o instrumento em uma loja de
penhores. Ele resgata o violão e afronta a sua tia com bastante arrogância. Tia
Mimi arrepende-se e compra uma guitarra de segunda mão para John, a seguir.
Mimi e Julia
reconciliam-se e a vida esboçou ficar ótima para John, no âmbito familiar, mas
uma tragédia aconteceu, quando Julia foi atropelada em uma rua de Liverpool.
John ficou muito traumatizado com tal perda que para ele fora mais uma, entre
outras tantas, na verdade. No velório de Julia, os amigos da banda vão prestar
apoio, e John, muito revoltado, hostiliza-os, inclusive a agredir fisicamente,
Paul McCartney (interpretado por Thomas Brodie-Sangster). Quando o filme foi
lançado, McCartney declarou que isso nunca ocorreu na realidade, porém, considerou
engraçado assistir um ator a interpretá-lo e ser socado. Mais uma licença
poética forçada, mas ainda bem, Paul levou tal mentira no bom humor.
O então
padrasto de John, entrega-lhe uma carta escrita por Julia, algo que eu não
posso afirmar ter sido um fato verídico ou mais uma licença poética. The
Quarrymen grava uma demo tape rudimentar e uma passagem de tempo já mostra John
um pouco mais amadurecido e a comunicar que vai viajar para Hamburgo, na
Alemanha, com a banda, agora a chamar-se: “The Beatles”, totalmente eletrificada,
para cumprir uma temporada sob contrato. Ouve-se a canção, “Mother”, que Lennon
lançaria em carreira solo em 1970, no background. Finito...
Filme bem
produzido, tem essa qualidade de ter mostrado diversas nuances da adolescência
de John, pouco ou jamais abordadas, tanto em filmes, quanto documentários.
A
parte musical é boa, igualmente. Existe no filme, o som do The Quarrymen, reproduzido
por uma banda chamada: “Johnson and The Nowhere Boys”.
A inclusão do áudio
original da canção, “Mother”, foi importante para pontuar a intenção de se mostrar
a relação de Lennon com a sua mãe (e esta canção diz tudo, literalmente). Tal
cessão foi uma gentileza de Yoko Ono por tê-la liberado, visto que a questão
dos direitos autorais/fonograma e edição, é sempre muito complicada. Penso
que essa restrição é tão mesquinha que deveria ser abolida, ao menos em
questões como essa, ou seja. ao alimentar o áudio de um filme que enaltece a
personalidade do próprio artista.
E outro mérito, na trilha sonora, a
participação de grandes astros cinquentistas, revela-se sensacional. Elvis
Presley, Chuck Berry, Gene Vincent, Eddie Cochran, Screamin’ Jay Hawkins, Big
Mama Thornton, Bill Halley and His Comets, Jerry Lee Lewis, Buddy Holy, Little
Richard, Fats Domino e tantos outros, enfim, uma seleção ao padrão de um “Dream
Team”.
A atriz,
Kristin Scott Thomas, teve um atuação muito boa ao interpretar a Tia Mimi. É um
verniz a mais para qualificar o filme. Outros atores não citados anteriormente: Sam Bell (como George Harrison), Josh Botton (como Pete Shotton) e outros.
Citei o
livro de Julia Baird, meia-irmã de John Lennon como inspiração básica para a
composição deste filme, mas na prática isso não recebeu crédito oficial. Para
todos os efeitos, teria sido uma livre criação de Matt Greenhalgh, através de
seu roteiro.
Foi dirigido por Sam-Taylor Wood, uma estreante na ocasião, mas
que foi muito bem em sua primeira investida cinematográfica. Sam ficaria muito
famosa anos depois, por dirigir o filme que transformou-se em um mega sucesso com
teor erótico: “Fifty Shades of Grey” (“Cinquenta Tons de Cinza”).
O filme
recebeu prêmios no âmbito britânico, fez um bom sucesso na bilheteria, passou
com um certo alarde nos canais da TV a cabo e é benquisto entre os fãs dos
Beatles e de John Lennon em específico. Está disponível em cópia DVD e para
assistir-se na Internet, encontra-se disponível na íntegra, apenas no portal,
Vimeo.
Esta resenha faz parte do livro "Luz, Câmera & Rock'n' Roll", através do seu volume II, a partir da página 310.
Nenhum comentário:
Postar um comentário