segunda-feira, 30 de setembro de 2024

Filme: Detroit Rock City (Detroit, a Cidade do Rock) - Por Luiz Domingues

Antes de avançar sobre esta resenha do filme em questão, “Detroit Rock City” (“Detroit, a Cidade do Rock”), é preciso contextualizar ao leitor, que a ideia de que a cidade de Detroit, localizada no estado de Michigan, nos Estados Unidos, foi em torno dela ser considerada por muitos anos a cidade do Rock, por conta de ali ter havido por um bom período, uma cena forte nesse sentido. É preciso salientar no entanto, que não apenas o Rock teve um generoso espaço nessa cidade, mas também a Black Music, através das suas principais ramificações. E o outro lado dessa imagem de pujança que a cidade ostentou, deveu-se ao fato de ali ter sido construído o maior polo de construção de automóveis, do mundo. Por décadas, a cidade enriqueceu por conta dessa indústria e praticamente toda a sua população teve como fonte de renda, direta ou indiretamente, a indústria automobilística como a sua principal provedora. Nesses termos, nessa cidade, nos anos sessenta e a estender-se pelas décadas posteriores, os filhos dos operários da indústria e de toda a cadeia a gerar a pequena indústria e comércio de auto peças e acessórios automotivos, cresceu, para se tornarem cabeludos e entusiastas da música & guitarras elétricas e daí, uma infinidade de bandas de Rock surgiu e fez a fama de Detroit, ao ser considerada como a “Cidade do Rock”. 
Isso é um fato, embora não seja uma verdade absoluta, visto que não obstante Detroit ter sido um importantíssimo polo para o Rock, não foi o único nos Estados Unidos e tampouco pode ser considerado como o “mais importante”, visto que outras cidades também protagonizaram cena Rocker vital, tais como San Francisco, Los Angeles e Nova York, apenas para citar algumas poucas, portanto, não é uma verdade absoluta que Detroit seja a mais importante. Entretanto, é uma das mais, sem dúvida alguma. 
Encerrado este preâmbulo, está portanto explicada parcialmente a intenção do título desse filme, ainda que a peça cinematográfica não verse exatamente sobre a cidade e a sua cena a destacar algum artista em específico, e nem mesmo a dramatizar a história de um grupo de Rock fictício, mas o seu mote é a expectativa gerada por um grupo de adolescentes que anseiam assistir um show do Kiss, em uma arena (Cobo Hall), localizada na tal cidade citada.
Bem, trata-se de uma comédia de costumes bem interessante a satirizar o fanatismo infanto-juvenil e os preconceitos arraigados da parte dos conservadores a respeito do Rock, portanto, a priori, se analisada sob tal prisma, é uma diversão leve, sem maior profundidade e ao mesmo tempo, inofensiva. De fato, não há nenhuma profundidade maior; entrelinhas e que tais, no entanto, em comparação com outras comédias similares, este filme é um dos mais engraçados produzidos a retratar os anos setenta, sob o mote do Rock, ainda que sob o prisma infantilizado.
Sobre a história em si, o roteiro é bem simples: é focado em um grupo de garotos adolescentes que mostram-se fanáticos pelo Kiss, na ambientação de 1978, ou seja, com tal banda a viver os seus dias de ouro na carreira, em termos de fama e repercussão. Eles são colegas de escola e vivem, cada um à sua maneira, as agruras da idade em que estão a ostentar naquela ocasião, em relação aos conflitos escolares típicos que enfrentam e sobretudo em seus respectivos lares, ao lidar com os seus pais que são invariavelmente conservadores e naturalmente avessos ao Rock. 
Esses meninos vão além em seu fanatismo pois o seu entusiasmo fez com que montassem uma banda cover do Kiss (“Mystery”, e inclusive a imitar a tipologia usada no logotipo oficial do Kiss), onde tentam reproduzir o repertório dessa banda, entretanto, em cenas em que eles são mostrados a ensaiar em um garagem residencial, pertencente a um deles, a realidade ali exibida é que eles são principiantes a tocar e cantar muito mal. O lado bom dessa constatação é o fato que isso é irrelevante, pois não há nenhum indício de que eles sonhem em levar a sério o aprendizado musical e a consequente luta para buscar um lugar no mercado da música profissional, portanto, a impressão é que tocam pura e simplesmente para extravasar a sua energia juvenil em torno do seu fanatismo pelo Kiss. 
A história desenvolve-se no sentido em que eles sonham em assistir a sua banda predileta, e que vai apresentar-se no Cobo Hall, em Detroit, daí o mote e o título do filme e certamente a mencionar a famosa música do Kiss, com esse mesmo título. Eles conseguem os ingressos, mas uma série de fatores ocorre a atrapalhar o seu intento, e por conta de tais dissabores, é sob tal motivação que dá-se o sustentáculo humorístico ao filme, pois muitas situações são geradas para impedir que eles concluam o seu objetivo, a começar por obstruções de ordem escolar e sobretudo, pela perseguição assumida da parte de uma certa mãe, que vai deliberadamente sabotar os planos de seu filho e por conseguinte, de seus amigos. Nesses termos, as sketches foram criadas a gerar muitas risadas e trazer em seu bojo, sutis referências ao Rock (principalmente ao Kiss), e sobretudo ao comportamento padrão dos adolescentes norte-americanos, no desenrolar dos anos setenta.
Creio que não valha a pena esmiuçar a trama como geralmente eu procedo em meu estilo para produzir resenhas, visto que o mote geral do filme já foi bem ressaltado acima. Citarei algumas cenas e/ou piadas apenas, para acrescentar tais dados como adendo. Por exemplo, logo no começo do filme, a cena da mãe de um desses rapazes a procurar por um LP para colocar na vitrola, é hilária e oferece o cartão inicial ao espectador, no sentido de anunciar o que será mostrado ao longo da obra. A senhora citada é simplesmente mostrada em seu cotidiano caseiro a procurar um disco para ouvir e relaxar. Ela escolhe um disco dos Carpenters (e deixo claro, eu não tenho nada contra esse duo formado por um casal de irmãos e que transitou entre o Pop e o Soft-Rock durante os anos setenta e cuja obra eu enxergo méritos, inclusive), e então a senhora coloca o disco na vitrola para ser tocado. Todavia, o filho trocara as capas e o que ela ouve é o LP “Love Gun” do Kiss, e a sua reação é muito engraçada, pelo susto gerado que quase faz com que a casa desmorone. Essa senhora vai além da mera antipatia ao Rock, porém mostra-se como uma beata católica, e enxerga o Rock e o Kiss em específico, como algo antagônico às suas crenças. 
Dessa maneira, ela faz de tudo para que o seu filho afaste-se dessa sua predileção manifesta espontaneamente. Em diversas cenas, essa mãe desesperada protagoniza ótimas piadas nesse sentido, pois entre outras coisas, ela lidera uma associação de mães preocupadas como ela, a promover ações de sabotagem em portas de teatros, arenas e similares que promovem shows de Rock. Em outra cena dramática, a mesma mãe dominadora interna o seu filho em um monastério, com o intuito em impedi-lo de se dirigir à Detroit e também para que o padre exorcista ali presente, faça alguma coisa para extrair a "influência satânica" de seu filho. Os seus amigos no entanto, arquitetam um ardil a fazer com que o padre e muitas freiras ali presentes, comam pedaços de pizza dotados de cogumelos alucinógenos e daí, já dá para imaginar o resultado...
E o pior de tudo, em uma cena que é engraçada, mas remete ao sadismo, essa mãe ateia fogo aos quatro ingressos do Kiss que o seu filho e amigos tanto sonharam comprar para assistir tal show. 
Peripécias estudantis também ocorrem, quando os quatro aficionados do Kiss escondem-se no banheiro feminino para fugir da perseguição perpetrada pela direção do colégio onde estudam. Claro, meninos com hormônios à flor da pele, não aguentam o próprio instinto em querer ver as meninas em situações embaraçosas, e isso gera uma situação escatológica abominável, mas que inevitavelmente é engraçada. Ainda na escola, a artimanha de um dos garotos para ludibriar o diretor, a fim de pedir permissão para ir ao banheiro, chega a ser hilária, pois lembra um truque barato feito por um mágico amador, entretanto, gera risadas, certamente.
Outra cena hilária e também emblemática, dá-se no embate entre os quatro garotos e uma turma formada por dois casais jovens, porém completamente antagônicos, culturalmente a observar-se. Os Rockers são mais libertos em relação às convenções sociais, digamos assim, e a diferença é reforçada sob muitos estereótipos, como por exemplo: os carros que ambos usam, em completo contraste; figurinos usados pelas personagens e sobretudo pelo som que ouvem. Enquanto os garotos ouvem e cantam canções do Kiss em plenos pulmões, os burgueses também escutam música alta e cantam, mas a trilha em seu automóvel, é a Disco Music. Os dois grupos hostilizam-se mutuamente na estrada, como a configurar uma animosidade gerada pelas diferenças culturais e entre diversas traquinagens que ocorrem na estrada, eis que finalmente os carros chocam-se e os rapazes vão às vias de fato. 
Após um embate verbal a culminar na destruição do cartucho que continha o som do Kiss, da parte dos burgueses, o clima esquenta. Em princípio, os rapazes mais velhos, mesmo em menor número, intimidam os adolescentes fãs do Kiss, entretanto, após uma reviravolta e com direito ao uso de um golpe baixo, eis que os adolescentes mudam a situação e com direito à humilhação e destruição do bólido dos burgueses. Para piorar, os rapazes levam um troféu a mais, ao dar carona para uma das garotas que estavam na companhia dos adoradores da discotheque e nesses termos, foi uma boa piada sobre o embate entre o Rock e a Disco Music, que para muitos na vida real (exatamente nessa ocasião, final dos anos setenta), era considerada como uma “inimiga” dos Rockers. E a piada prossegue com o carro em andamento, visto que a garota vem de outro nicho da sociedade, teoricamente, e após engolir muita fumaça inebriante que é proporcionada pelos meninos Rockers ali dentro, ela passa a adotar uma outra postura, portanto, a configurar mais uma pilhéria.
Quando eles finalmente chegam à Detroit, nesse instante é bonita a cena a mostrar os meninos a passar na porta da sede da gravadora Motown, um baluarte da Black Music norte-americana. Bem, sem ingressos, eles tentam de tudo. Ao saber que uma estação de rádio faz uma promoção a oferecer ingressos como brinde, vão ao estúdio para tentar a sorte, mas nada conseguem. Eles separam-se e cada um vai tentar por si só tentar a sorte e mais piadas boas são geradas. 
Um deles chega a cogitar apelar e assim cometer um crime ao assaltar um supermercado, mas no momento em que o rapaz vai anunciar o seu falso assalto, um bandido verdadeiro faz o mesmo, com uma arma pesada em mãos. E de uma forma hilária, o fã do Kiss captura o verdadeiro bandido e torna-se o herói improvável da noite. O outro (o filho da mãe beata, é surpreendido por uma colega de classe que o seguira para enfim declarar-se em pleno confessionário de uma Igreja católica, e ante tal situação, o casal vive um momento romântico. Esse mesmo rapaz finalmente rebela-se e enfrenta a mãe que discursava em frente ao estádio, na companhia de suas fanáticas correligionárias.
Em outra piada, um outro garoto da turma, passa por um sufoco ao ser perseguido por cães ferozes, mas de uma forma ridícula ele reverte a situação ao ponto dos cães demonstrarem obedecer obedecer o seu comando para atacar os bandidos que ameaçavam a garota que estava na companhia deles, desde a estrada. 
Eis que uma última ideia absurda surge entre eles quatro, quando reencontram-se : eles brigam entre si e após ostentar muitos hematomas e sangramento, chamam a polícia e acusam uma turma que hostilizara um dos garotos em uma cena anterior, sobre o fato deles supostamente haviam sofrido uma agressão e o consequente roubo dos ingressos para o show. Os oponentes são presos, após um policial achar uma carteira do Kiss Army do acusador e mais quatro ingressos entre eles e assim, os ingressos são entregues aos rapazes protagonistas. Bem, a piada foi boa, mas a solução prática não pode ser seguida como um bom exemplo a ser enaltecido por ninguém, sem dúvida alguma, neste caso, pois configurou-se como uma falcatrua.
Enfim o filme encerra-se com os meninos finalmente a entrar no estádio, e a julgar pelo seu estado físico, com hematomas, sangramento e mediante semblante assustado, foi realmente uma vitória épica a ser comemorada. Enfim, cenas reais de um show do Kiss ocorrem e uma baqueta arremessada pelo baterista, Peter Criss, é agarrada por um dos garotos, o maior coroamento para o seu esforço, certamente.
A conter uma trilha sonora muito boa, como um adendo ao filme, a contar não apenas com muitas músicas do Kiss, logicamente, mas também com o som do AC/DC, Thin Lizzy, Van Halen, Black Sabbath, T.Rex, Sweet, David Bowie, Cheap Trick, Ufo, The Runaways, Golden Earring, Blue Öyster Cult, Nazareth, James Gang, Santana, Hot Chocolate, Ohio Players, Electric Light Orchestra, Captain and Tenille, KC and The Sunshine Band e outros. Ou seja, uma turma da pesada para dar substância musical ao filme. Há a ressalva de que nem todas as canções foram extraídas de suas gravações originais, mas regravações modernas feitas especialmente para a trilha.
Ao longo do filme, muitas referências sutis ao Kiss são proferidas. Citações verbais e visuais são feitas o tempo todo à canções, discos e fatos ocorridos na carreira do Kiss.
Para citar o elenco, eis os quatro protagonistas: Hawk (interpretado por Edward Furlong), Jeremiah “Jam” Bruce (interpretado por Sam Huntington), Lex (interpretado por Giuseppe Andrews) e “Trip” Verudi (interpretado por James DeBello). Entre os demais atores: Melanie Lynskey (como Beth Bumsteen), Natasha Lyonne (como Christine), Lyn Shay (com a senhora Bruce), Shannon Tweed (como Amanda Finch), Emmanuelle Chriqui (como Barbara) e David Gardner (como o padre), entre outros.
É evidente que o filme tornou-se imediatamente um objeto de culto entre os fãs do Kiss e ao levar-se em conta que essa banda não possui fãs, exatamente, mas o chamado, “Kiss Army”, ou seja, um verdadeiro exército de adeptos, é claro que veio a tornar-se uma peça cultuada por essa tribo. A crítica foi dura ao chamar a atenção para o fato de que o filme revelou-se ingênuo, entretanto, creio que nesse sentido a intenção de seus produtores foi mesmo pela comédia infanto-juvenil, portanto, o tiro saiu pela culatra ao acusar-se a obra do que ela justamente propôs-se a ser.
Direção de arte e fotografia muito boas, eis que o filme realmente parece estar ambientado nos anos setenta e não em 1999, data da sua produção. Sobre a direção, a opção pela comédia adolescente a la high school, foi correta se pensar-se nesses termos, ou seja, não é possível cobrar-se nada além da sua proposta.  

Escrito por Carl V. Dupré, foi dirigido por Adam Rifkin e lançado em agosto de 1999. Imediatamente ganhou versão para a comercialização em formatos, VHS e DVD, com direito a relançamento em DVD, mediante bônus e muitos anos depois, a versão em Blu-Ray, chegou ao mercado. Na internet, é difícil achar uma versão integral e gratuita. Aparentemente, apenas no portal, Dailymotion, e dividida em duas partes, está disponível uma cópia para ser assistida desse filme. Fica a ressalva que me baseei no panorama de 2019, quando escrevi esta resenha, portanto, pode ter mudado tal panorama. 

Esta resenha foi escrita para fazer parte do livro: "Luz, Câmera & Rock'n' Roll" em seu volume III, e a sua leitura está disponibilizada a partir da página 262.

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