domingo, 2 de novembro de 2025

Filme: Wild Guitar - Por Luiz Domingues

“Wild Guitar” é um filme lançado ao final de 1962, e que tem como história, a trajetória de um rapaz ingênuo, vindo do interior e que chega à Los Angeles com o sonho de tornar-se um Rock Star, a la Elvis Presley. A sua postura, inclusive em sua aparência, denota isso claramente, vide o seu corte de cabelo a ostentar um topete com a nítida intenção de imitar Elvis, mas que chega a ser engraçado de tão caricato que se mostra em sua resolução. 
Até aí, tudo bem, pois a despeito do ambiente de 1962 ter sido outro em relação ao espectro cinquentista, é fato histórico que milhares de jovens não apenas na América, inclusive, ainda sonhavam em imitar a trajetória do Elvis cinquentista, sendo que o próprio Elvis já estava em outra fase, mais afastado do Rock e imbuído em seguir o padrão de seus personagens adocicados, vistos através dos filmes que protagonizava nessa nova década que iniciava-se. 
Em suma, o filme seria mais uma produção simples a contar uma história banal, mas eis que por fatores inusitados, tornou-se bastante comentado por cinéfilos, embora a sua fama adquirida tenha sido conquistada por conta de suas falhas, predominantemente. Não significa dizer que não haja nada de bom neste filme, pois há e observo com prazer que o aspecto musical é bom. Portanto, ao tratar-se de um Rock Movie, se tudo é muito ruim, mas a música mostra-se boa, significa dizer que o filme atinge na média, um patamar deveras considerável.
Bem, a parte ruim tem desdobramentos e a começar pela verba modestíssima, até para o padrão de uma produção classe “B”, algo em torno de trinta mil dólares, ou seja, uma verba curta para produzir-se algo mais substancial, e dessa forma, o improviso observado nessa obra, é bem grande em termos visuais, e também em estabelecer até certos aspectos amadorísticos, imperdoáveis ao tratar-se de uma produção norte-americana, onde o rigor em torno do controle de qualidade é sempre grande. Por exemplo, um dos atores principais dessa obra, foi também o diretor do filme, e creditou o seu nome artístico como ator, a usar um pseudônimo. Outro ator importante na trama, também usou um pseudônimo para constar no crédito do elenco e outro para assinar a autoria do roteiro. E como se não bastasse tanta confusão, este último que atuou como ator e assinou o roteiro e comandou a produção geral, com nomes diferentes do seu, oficial, era também pai, na vida real, do ator protagonista, a configurar que a produção fora concebida na sala de estar da residência da família, mediante a participação de alguns poucos amigos, como se fosse uma filmagem caseira.
Outro aspecto, e desta feita, certamente positivo, dá-se ao constatar que o ator protagonista, Arch Hall Junior, de fato mantinha uma trajetória musical, a apresentar-se como guitarrista, cantor e compositor e com méritos, pois tocava e cantava bem, tendo adquirido uma relativa fama por conta de seu talento musical. É bem verdade que ele poderia ter ido mais longe na carreira musical, que não avançou por outros fatores, no entanto, é fato que ele teve um certa robustez em sua performance musical, inclusive ao ter sido conhecido como o cantor da guitarra Fender Jazzmaster, que ele sempre usava em suas apresentações, talvez no afã para tentar imprimir a sua marca pessoal, tal como Buddy Holly havia construído a sua imagem por sempre empunhar uma guitarra Fender Stratocaster.
E outro aspecto ruim do filme, além da sua pobreza visual marcada pela precariedade de cenários usados de uma forma improvisada, deu-se com a inserção do elemento do humor, ao introduzir um núcleo formado por alguns malfeitores caricatos, que protagonizam cenas constrangedoras, a lembrar velhas comédias de Lou Abbott e Bud Costello e certamente a fazer menção também aos Três Patetas (The Three Stooges), para mencionar apenas duas referências. É óbvio que a produção considerou importante montar a base do roteiro a conter os elementos primordiais em torno da presença do drama, romantismo, música, conflito via crime e com direito à vilania e a conter a dose de humor para proporcionar momentos de escape da seriedade mais pesada. Tudo bem, são recursos clichês para um filme comercial, no entanto, no tocante ao humor, a opção por uma inserção tão ruim, a conter um texto fraquíssimo e a utilização de comediantes muito insípidos, serviu apenas para depor contra o filme.
A parte romântica também é bem fraca. O casal protagonista, além de não ter conseguido estabelecer uma química minimamente plausível, também deixa bastante a desejar pela falta de recursos dramatúrgicos e isso sem deixar de mencionar que o texto e a direção muito debilitada não os ajudou em nada. Uma cena, inclusive, chega a ser risível, quando o rapaz canta uma canção ao vivo na TV e a moça emociona-se por tal música ter como título o seu nome, logicamente a denotar uma prova de amor. Até aí, tudo bem, um expediente piegas proporcionado pelo roteiro, no entanto, eis que ela sai a correr de sua residência para ir ao encontro do músico que estava nas dependências da emissora de TV e essa trajetória é mostrada de uma forma bisonha, com a moça a correr pelas ruas, como uma louca ensandecida e a dar entender que a distância teria sido grande, ao fazer com que ela vencesse uma maratona ou coisa que o valha, para jogar-se aos braços do rapaz. Absolutamente ridículo.
Bem, as partes musicais são boas, pois o som que o protagonista proporciona ao lado de uma boa banda, é ótima, a conter Rock’n’ Roll in natura, uma boa dose de R’n’B & Blues e sobretudo a mostrar igualmente a presença da Country-Music, neste caso a pender para o Country-Rock mais primordial. É claro, a primeira inserção musical é bastante inverossímil, no sentido de que por mero acaso ele é inserido em um programa de TV e de forma surpreendente, entra em cena para tocar com muita desenvoltura, sem ensaios prévios com outros músicos e mais exagerado ainda, é imediatamente contratado por uma gravadora, algo que dificilmente, para não dizer de forma impossível, ocorre na vida real. Se bem que, há uma explicação no roteiro do filme a apontar para uma falcatrua que venha a explicar tal sucesso meteórico do rapaz. 
Como uma última observação antes de narrar a história do filme, observo que o ator/músico, Arch Hall Junior, já havia participado de três outros filmes, igualmente produzidos pelo seu pai. “The Choppers” e “Magic Spectables”, em 1961, e “Eegah”, também em 1962. Em “Eegah”, curiosamente, apesar de haver uma pequena inserção musical, o mote é uma bizarra história sobre homens das cavernas que surgem em meio à sociedade contemporânea e naturalmente com tal situação, causa a devida estupefação geral.
Sobre a história de “Wild Guitar”, trata-se da saga de Bud “Eagle” (interpretado por Arch Hall Junior), um jovem que sai de sua terra natal (em algum rincão interiorano e prosaico dos Estados Unidos), rumo à Los Angeles, na Califórnia, em busca de uma oportunidade para ingressar na carreira artística. Ele tem apenas a sua moto, que mostra-se velha, uma mala modesta com poucas roupas e uma guitarra de terceira categoria em mãos, e a contar apenas com o seu talento pessoal e muita força de vontade. Pelo seu corte de cabelo, fica claro que é um fã de Elvis, a imitar o seu famoso “topete” e no seu caso, bem exagerado, muito além do penteado usado pelo “Rei do Rock”. 
Ele chega à ensolarada cidade dos anjos, e então, cenas externas são exibidas a mostrá-lo deslumbrado com diversos pontos turísticos óbvios da cidade, como a sede da gravadora Capitol e a calçada da fama de Hollywood, por exemplo e a deixar claro, tratar-se de um rapaz interiorano e ingênuo. Ele chega a uma lanchonete e ali encontra-se uma bela moça a lanchar no balcão, Vickie Mills (interpretada por Nancy Czar), e um grupo de rapazes com aspecto de malandros de rua, mas completamente imbecilizados, sentados por perto em uma mesa, a proferir certas provocações ao rapaz recém chegado, mas tudo representado de uma forma caricata (interpretados por Lloyd Willians, Jonathan Karle e Mike Treibor, mas em conter nomes no filme). 
Bud percebe que dispõe de pouquíssimo dinheiro disponível e pede apenas um café, apesar de estar faminto. A bela moça ao seu lado percebe que ele olha para o seu lanche com apetite e ela, ao notar que a dona da lanchonete também relevara o fato das poucas moedas que recebera (a bondosa, Marge, interpretada por Marie Denn), não cobrir a despesa do café, mostra solidariedade e ao emitir uma desculpa esfarrapada, oferece o seu lanche ao rapaz, graciosamente. Ele come com voracidade e quando a moça sai do balcão, tropeça no estojo de sua guitarra e daí, ela encontra enfim um mote para conversar mais detidamente, pois ela era uma bailarina, também a buscar oportunidades na vida artística, como ele. Então Vickie diz para Bud que vai dançar em um programa na TV e que ele poderia ir junto, para quem sabe (?) obter uma oportunidade de se apresentar em tal programa que era uma espécie de programa de calouros, "caça-talentos".
Ele acompanha a bela e solícita, Vickie, que faz o seu número a empreender uma frenética dança em meio ao som do Rock’n’Roll. A seguir, um saxofonista que iria apresentar-se, tem uma indisposição estomacal e desiste da sua aparição. Chega a ser desagradável constatar que o rapaz cogita usar o seu próprio saxofone para recolher o seu abjeto produto estomacal, expelido em forma de vômito e se isso foi uma tentativa de piada, que se contabilize como mais uma inconveniência deste filme. Mas o importante para a história, foi que Vickie interpelou os produtores do programa para que Bud preenchesse a lacuna e assim apresentasse-se, mesmo sob a total desconfiança da parte deles.
 
Eis que eles aceitam, visto que não haveria outra solução para substituir o tal saxofonista. Sem traquejo para lidar com tamanha responsabilidade, mas a nutrir muita força de vontade, a entrada em cena revela-se um desastre, pois Bud tropeça em um emaranhado de cabos e cai, com o público e os próprios músicos de apoio da banda fixa do programa, a gargalhar com a situação. Porém, Bud se levanta e enfrenta com resiliência a situação, ao combinar rapidamente com os músicos, o que desejava tocar e em seguida, iniciar a sua apresentação. A plateia mostra-se fria em princípio, mas posteriormente vibra ao aplaudi-lo em pé. Rapidamente o produtor, Mike McCaulley (interpretado por William Watters, mas que na verdade tratou-se de Arch Hall, o pai do ator, Arch Hall Junior), o contrata, mediante promessas mirabolantes. Mike então, com o apoio de seu assistente, o mal-intencionado, “Steak” (interpretado por “Cash Flaggs”, mas que na verdade tratou-se do próprio diretor do filme, Ray Dennis Steckler), instala Bud em um apartamento mantido pela gravadora e dá-lhe de presente uma guitarra nova, a clássica, Fender Jazz Master branca que era a marca registrada de Arch Hall Junior, em sua carreira musical da vida real.
Daí em diante, há a encenação bem rápida sobre a ascensão de Bud Eagle como um astro Pop. Ele ganha fama, corre das meninas enlouquecidas que desejam autógrafo e algo mais e ao mesmo tempo, começa a perceber que Mike e Steak o enganam, pois eles ganham fortunas, mas só repassam porções ínfimas desse rendimento para o rapaz e pior ainda, cobram-lhe uma dívida que nunca termina, decorrente do dinheiro investido, incluso a hospedagem e despesas pessoais para que pudesse se manter em seu momento mais carente em Los Angeles, sem lugar para dormir e sem uma única moeda no bolso. 
 
Para piorar, Bud percebe que o seu sucesso, a despeito do seu talento, fora construído mediante algumas falcatruas estruturais, visto que Mike e Steak pagavam uma espécie de propina para um grupo de jovens que mantinha um falso fã-clube a produzir ações de apoio para realçar a sua carreira. Bem, desde o episódio a envolver o radialista, Alan Freed, o famigerado “payola”, ou “jabá”, como é conhecido no Brasil, existe nos subterrâneos não recomendáveis do show business. Vem a cena de Bud a cantar a balada: “Vickie” na TV, cena essa pela qual eu já descrevi como foi construída de uma forma inadequada. Para completar a pieguice, cabe acrescentar que após o beijo apaixonado do casal, uma cena posterior mostra o par romântico a patinar em uma pista e Vickie exibe-se como uma patinadora exímia, enquanto Bud mal consegue manter-se em pé com os patins. Com o devido perdão aos que apreciam a patinação artística, mas nada pode ser mais meloso em uma cena de amor registrada em um filme.
Nesse ínterim, o vilão “Steak” que observara o casal apaixonado em cena anterior, percebe que o namoro só vai atrapalhar o garoto, em meios aos planos da gravadora em explorá-lo. Portanto, ele contrata uma provocante prostituta (Daisy, interpretada por Virginia Broderick), que é lavada ao apartamento de Bud e mesmo com o rapaz a resistir ao máximo, eis que Vickie entra e flagra a mulher seminua sobre o rapaz, no sofá. Bem, vem a clássica evasão do local a correr e o pranto da moça, completamente destruída emocionalmente para deixar o rapaz inconformado com a situação impossível de ser explicada e tal cena embaraçosa lembra muito os filmes brasileiros da chamada corrente da pornochanchada brasileira, setentista. 
 
Nesse meio tempo, Bud recebera no apartamento a visita de um homem de meia idade, chamado, Don Proctor (interpretado por Robert Crumb, mas atenção: é apenas um homônimo do grande desenhista/caricaturista freak, como muita gente costuma confundir). Don conta-lhe que fora no passado, um artista iludido por Mike e Steak e que Bud deveria se esforçar para se livrar de ambos. Steak intercepta Don e mediante uma briga, este despenca em uma escada do edifício e mostra-se desmaiado, a suscitar a dúvida sobre ter falecido. Uma vizinha ouve o barulho, sai no corredor para reclamar, mas Steak disfarça e a mulher histérica não percebe que tal ruído possivelmente motivara um assassinato. 
Bud havia saído para tentar alcançar, Vickie e por azar, é interpelado pelos três meliantes que conhecera na lanchonete de Margie e estes o sequestram, visto que agora sabem que Bud tornara-se uma estrela do Rock. Já citei essa questão, pois os três bandidos, são ridículos, a revelar-se um patético arremedo a imitar os Três Patetas. A abordagem da situação é tão ruim, que escancara a vontade em simular a arte de Moe Howard & Cia, todavia a manter-se muito longe da sua inspiração primordial. Bud convence os bandidos a ajudá-lo, ao simular o sequestro e assim desmascarar, Mike e Steak. 
 
Parece que o plano dá certo, e os sequestradores resolvem dividir o dinheiro com Bud, que recusa-se a receber, visto que o seu plano fora apenas livrar-se de seus produtores que o exploravam. Steak ataca o esconderijo e todos fogem. Bud refugia-se na lanchonete de Marge, onde conforma-se em ser um simples ajudante de cozinha, doravante, para ganhar a vida e também reconcilia-se com Vickie. Infelizmente, Mike e Steak descobrem o seu paradeiro e o obrigam a voltar a obedecê-los, mediante a ameaça de violência física.
Bud finalmente reage e Steak foge. Bud deseja que Mike trabalhe honestamente doravante, porém Mike recusa-se a abrir mão de suas falcatruas. No entanto, a conversa fora gravada e com essa prova, o jogo inverte-se e nesse ponto, Bud tem Mike sob o seu domínio. 
A cena final mostra Bud e Vickie sob total felicidade ao beijar-se. Bud toca e canta em meio a um grupo de jovens que dançam em um ambiente praiano e a última tomada mostra a sua moto estacionada bem na beirada da praia, ao ser banhada pelas ondas do mar, ou seja, ao menos ao final, uma imagem simbólica a conter um senso de bom gosto cinematográfico.
A crítica foi dura com a obra. Além de todos os problemas estruturais observados por uma produção bem tosca, eis que também foi comentado o quanto tal abordagem soara defasada ao final de 1962, visto que o panorama do Rock já estava muito mudado e prestes a mudar ainda mais, com a dita, “British Invasion”, prestes a ocorrer, com uma inteiramente nova perspectiva em termos de bandas de Rock formada por cabeludos a cantar com sotaque britânico e não exatamente mais favorável para seguidores e imitadores de Elvis Presley, a tentar alguma oportunidade no mercado, como Bud Eagle e isso serviu para o próprio, Arch Hall Junior, na sua vida real. 
Anos depois, no entanto, este filme passou a conter um outro tipo de avaliação, embora com a mesma intenção a considerá-lo ruim. Isso por que muitos críticos passaram a cultuá-lo dentro daquela prerrogativa de que ele seria tão ruim, que tornara-se bom, ou seja, a observar os méritos sutis encontrados nas entranhas dos seus próprios deméritos. Independente desse tipo de visão típica de cinéfilos alternativos, um elemento é certo: a música é boa. 
 
Os números musicais apresentados por Bud e banda, são muito bem tocados. Curioso, não há menção à banda, nem mesmo para os músicos individualmente a ser creditados na ficha técnica, e isso é uma pena, pois ficou visível ser um grupo de músicos reais a atuar e não atores a interpretar músicos, pelo jeito que empunharam os instrumentos, ao demonstrar familiaridade com a realidade. E se foram eles a gravar a trilha sonora, de fato eram ótimos instrumentistas, pelo que é escutado no filme.
Harch Hall Junior protagonizou mais alguns filmes a posteriori, mas teve momentos reclusos ao final dos anos sessenta, para somente voltar a filmar na metade dos anos setenta e parar logo em seguida. Ele envolveu-se com a aviação, tornou-se um experiente piloto de linhas comerciais, a pilotar boeings e atualmente (quando escrevi esta resenha, em 2019), encontra-se aposentado e com idade avançada.
Tal filme não fez muito sucesso comercial à época. Entrou no circuito de TV, e muitos anos depois, passeou pelas emissoras de TV a cabo. Somente foi lançado em formato DVD no avançar dos anos 2000. É facilmente achado no YouTube, assim como outros filmes protagonizados pelo ator em questão e a contar com a produção de seu pai.
 
Esta resenha foi escrita para fazer parte do livro: "Luz; Câmera & Rock'n' Roll", através de seu volume III, com a leitura disponibilizada a partir da página 338.

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