“Wild
Guitar” é um filme lançado ao final de 1962, e que tem como história, a
trajetória de um rapaz ingênuo, vindo do interior e que chega à Los Angeles com
o sonho de tornar-se um Rock Star, a la Elvis Presley. A sua postura, inclusive
em sua aparência, denota isso claramente, vide o seu corte de cabelo a ostentar
um topete com a nítida intenção de imitar Elvis, mas que chega a ser engraçado
de tão caricato que se mostra em sua resolução.
Até aí, tudo bem, pois a despeito do ambiente
de 1962 ter sido outro em relação ao espectro cinquentista, é fato histórico que
milhares de jovens não apenas na América, inclusive, ainda sonhavam em imitar a
trajetória do Elvis cinquentista, sendo que o próprio Elvis já estava em outra
fase, mais afastado do Rock e imbuído em seguir o padrão de seus personagens
adocicados, vistos através dos filmes que protagonizava nessa nova década que
iniciava-se.
Em suma, o filme seria mais uma produção simples a contar uma
história banal, mas eis que por fatores inusitados, tornou-se bastante comentado
por cinéfilos, embora a sua fama adquirida tenha sido conquistada por conta de
suas falhas, predominantemente. Não significa dizer que não haja nada de bom
neste filme, pois há e observo com prazer que o aspecto musical é bom.
Portanto, ao tratar-se de um Rock Movie,
se tudo é muito ruim, mas a música mostra-se boa, significa dizer que o filme
atinge na média, um patamar deveras considerável.
Bem, a parte
ruim tem desdobramentos e a começar pela verba modestíssima, até para o padrão
de uma produção classe “B”, algo em torno de trinta mil dólares, ou seja, uma
verba curta para produzir-se algo mais substancial, e dessa forma, o improviso
observado nessa obra, é bem grande em termos visuais, e também em estabelecer
até certos aspectos amadorísticos, imperdoáveis ao tratar-se de uma produção
norte-americana, onde o rigor em torno do controle de qualidade é sempre grande.
Por exemplo, um dos atores principais dessa obra, foi também o diretor do filme,
e creditou o seu nome artístico como ator, a usar um pseudônimo. Outro ator
importante na trama, também usou um pseudônimo para constar no crédito do
elenco e outro para assinar a autoria do roteiro. E como se não bastasse tanta confusão,
este último que atuou como ator e assinou o roteiro e comandou a produção
geral, com nomes diferentes do seu, oficial, era também pai, na vida real, do
ator protagonista, a configurar que a produção fora concebida na sala de estar
da residência da família, mediante a participação de alguns poucos amigos, como
se fosse uma filmagem caseira.
Outro
aspecto, e desta feita, certamente positivo, dá-se ao constatar que o ator
protagonista, Arch Hall Junior, de fato mantinha uma trajetória musical, a
apresentar-se como guitarrista, cantor e compositor e com méritos, pois tocava
e cantava bem, tendo adquirido uma relativa fama por conta de seu talento
musical. É bem verdade que ele poderia ter ido mais longe na carreira musical,
que não avançou por outros fatores, no entanto, é fato que ele teve um certa
robustez em sua performance musical, inclusive ao ter sido conhecido como o
cantor da guitarra Fender Jazzmaster, que ele sempre usava em suas
apresentações, talvez no afã para tentar imprimir a sua marca pessoal, tal como
Buddy Holly havia construído a sua imagem por sempre empunhar uma guitarra Fender
Stratocaster.
E outro
aspecto ruim do filme, além da sua pobreza visual marcada pela precariedade de
cenários usados de uma forma improvisada, deu-se com a inserção do elemento do
humor, ao introduzir um núcleo formado por alguns malfeitores caricatos, que
protagonizam cenas constrangedoras, a lembrar velhas comédias de Lou Abbott e
Bud Costello e certamente a fazer menção também aos Três Patetas (The Three
Stooges), para mencionar apenas duas referências. É óbvio que a produção
considerou importante montar a base do roteiro a conter os elementos
primordiais em torno da presença do drama, romantismo, música, conflito via
crime e com direito à vilania e a conter a dose de humor para proporcionar
momentos de escape da seriedade mais pesada. Tudo bem, são recursos clichês
para um filme comercial, no entanto, no tocante ao humor, a opção por uma
inserção tão ruim, a conter um texto fraquíssimo e a utilização de comediantes
muito insípidos, serviu apenas para depor contra o filme.
A parte
romântica também é bem fraca. O casal protagonista, além de não ter conseguido
estabelecer uma química minimamente plausível, também deixa bastante a desejar
pela falta de recursos dramatúrgicos e isso sem deixar de mencionar que o texto
e a direção muito debilitada não os ajudou em nada. Uma cena, inclusive, chega
a ser risível, quando o rapaz canta uma canção ao vivo na TV e a moça
emociona-se por tal música ter como título o seu nome, logicamente a denotar
uma prova de amor. Até aí, tudo bem, um expediente piegas proporcionado pelo
roteiro, no entanto, eis que ela sai a correr de sua residência para ir ao
encontro do músico que estava nas dependências da emissora de TV e essa
trajetória é mostrada de uma forma bisonha, com a moça a correr pelas ruas,
como uma louca ensandecida e a dar entender que a distância teria sido grande,
ao fazer com que ela vencesse uma maratona ou coisa que o valha, para jogar-se
aos braços do rapaz. Absolutamente ridículo.
Bem, as
partes musicais são boas, pois o som que o protagonista proporciona ao lado de
uma boa banda, é ótima, a conter Rock’n’ Roll in natura, uma boa dose de R’n’B
& Blues e sobretudo a mostrar igualmente a presença da Country-Music, neste
caso a pender para o Country-Rock mais primordial. É claro, a primeira inserção
musical é bastante inverossímil, no sentido de que por mero acaso ele é
inserido em um programa de TV e de forma surpreendente, entra em cena para
tocar com muita desenvoltura, sem ensaios prévios com outros músicos e mais
exagerado ainda, é imediatamente contratado por uma gravadora, algo que
dificilmente, para não dizer de forma impossível, ocorre na vida real. Se bem
que, há uma explicação no roteiro do filme a apontar para uma falcatrua que
venha a explicar tal sucesso meteórico do rapaz.
Como uma
última observação antes de narrar a história do filme, observo que o ator/músico, Arch Hall Junior, já havia participado de três outros filmes,
igualmente produzidos pelo seu pai. “The Choppers” e “Magic Spectables”, em
1961, e “Eegah”, também em 1962. Em “Eegah”, curiosamente, apesar de haver uma
pequena inserção musical, o mote é uma bizarra história sobre homens das
cavernas que surgem em meio à sociedade contemporânea e naturalmente com tal
situação, causa a devida estupefação geral.
Sobre a
história de “Wild Guitar”, trata-se da saga de Bud “Eagle” (interpretado por
Arch Hall Junior), um jovem que sai de sua terra natal (em algum rincão
interiorano e prosaico dos Estados Unidos), rumo à Los Angeles, na Califórnia,
em busca de uma oportunidade para ingressar na carreira artística. Ele tem
apenas a sua moto, que mostra-se velha, uma mala modesta com poucas roupas e
uma guitarra de terceira categoria em mãos, e a contar apenas com o seu talento
pessoal e muita força de vontade. Pelo seu corte de cabelo, fica claro que é um
fã de Elvis, a imitar o seu famoso “topete” e no seu caso, bem exagerado, muito
além do penteado usado pelo “Rei do Rock”.
Ele chega à ensolarada cidade dos
anjos, e então, cenas externas são exibidas a mostrá-lo deslumbrado com
diversos pontos turísticos óbvios da cidade, como a sede da gravadora Capitol e
a calçada da fama de Hollywood, por exemplo e a deixar claro, tratar-se de um
rapaz interiorano e ingênuo. Ele chega a uma lanchonete e ali encontra-se uma
bela moça a lanchar no balcão, Vickie Mills (interpretada por Nancy Czar), e um
grupo de rapazes com aspecto de malandros de rua, mas completamente
imbecilizados, sentados por perto em uma mesa, a proferir certas provocações ao
rapaz recém chegado, mas tudo representado de uma forma caricata (interpretados
por Lloyd Willians, Jonathan Karle e Mike Treibor, mas em conter nomes no filme).
Bud percebe que dispõe de pouquíssimo dinheiro disponível e pede apenas um
café, apesar de estar faminto. A bela moça ao seu lado percebe que ele olha
para o seu lanche com apetite e ela, ao notar que a dona da lanchonete também
relevara o fato das poucas moedas que recebera (a bondosa, Marge, interpretada
por Marie Denn), não cobrir a despesa do café, mostra solidariedade e ao emitir
uma desculpa esfarrapada, oferece o seu lanche ao rapaz, graciosamente. Ele
come com voracidade e quando a moça sai do balcão, tropeça no estojo de sua
guitarra e daí, ela encontra enfim um mote para conversar mais detidamente,
pois ela era uma bailarina, também a buscar oportunidades na vida artística,
como ele. Então Vickie diz para Bud que vai dançar em um programa na TV e que
ele poderia ir junto, para quem sabe (?) obter uma oportunidade de se apresentar em
tal programa que era uma espécie de programa de calouros, "caça-talentos".
Ele
acompanha a bela e solícita, Vickie, que faz o seu número a empreender uma
frenética dança em meio ao som do Rock’n’Roll. A seguir, um saxofonista que
iria apresentar-se, tem uma indisposição estomacal e desiste da sua aparição.
Chega a ser desagradável constatar que o rapaz cogita usar o seu próprio
saxofone para recolher o seu abjeto produto estomacal, expelido em forma de
vômito e se isso foi uma tentativa de piada, que se contabilize como mais uma inconveniência
deste filme. Mas o importante para a história, foi que Vickie interpelou os
produtores do programa para que Bud preenchesse a lacuna e assim apresentasse-se,
mesmo sob a total desconfiança da parte deles.
Eis que eles
aceitam, visto que não haveria outra solução para substituir o tal saxofonista.
Sem traquejo para lidar com tamanha responsabilidade, mas a nutrir muita força
de vontade, a entrada em cena revela-se um desastre, pois Bud tropeça em um
emaranhado de cabos e cai, com o público e os próprios músicos de apoio da
banda fixa do programa, a gargalhar com a situação. Porém, Bud se levanta e
enfrenta com resiliência a situação, ao combinar rapidamente com os músicos, o
que desejava tocar e em seguida, iniciar a sua apresentação. A plateia
mostra-se fria em princípio, mas posteriormente vibra ao aplaudi-lo em pé. Rapidamente
o produtor, Mike McCaulley (interpretado por William Watters, mas que na
verdade tratou-se de Arch Hall, o pai do ator, Arch Hall Junior), o contrata,
mediante promessas mirabolantes. Mike então, com o apoio de seu assistente, o
mal-intencionado, “Steak” (interpretado por “Cash Flaggs”, mas que na verdade
tratou-se do próprio diretor do filme, Ray Dennis Steckler), instala Bud em um
apartamento mantido pela gravadora e dá-lhe de presente uma guitarra nova, a
clássica, Fender Jazz Master branca que era a marca registrada de Arch Hall
Junior, em sua carreira musical da vida real.
Daí em
diante, há a encenação bem rápida sobre a ascensão de Bud Eagle como um astro
Pop. Ele ganha fama, corre das meninas enlouquecidas que desejam autógrafo e
algo mais e ao mesmo tempo, começa a perceber que Mike e Steak o enganam, pois
eles ganham fortunas, mas só repassam porções ínfimas desse rendimento para o rapaz
e pior ainda, cobram-lhe uma dívida que nunca termina, decorrente do dinheiro
investido, incluso a hospedagem e despesas pessoais para que pudesse se manter
em seu momento mais carente em Los Angeles, sem lugar para dormir e sem uma
única moeda no bolso.
Para piorar, Bud percebe que o seu sucesso, a despeito do
seu talento, fora construído mediante algumas falcatruas estruturais, visto que
Mike e Steak pagavam uma espécie de propina para um grupo de jovens que
mantinha um falso fã-clube a produzir ações de apoio para realçar a sua
carreira. Bem, desde o episódio a envolver o radialista, Alan Freed, o
famigerado “payola”, ou “jabá”, como é conhecido no Brasil, existe nos
subterrâneos não recomendáveis do show business. Vem a cena de Bud a cantar a
balada: “Vickie” na TV, cena essa pela qual eu já descrevi como foi construída
de uma forma inadequada. Para completar a pieguice, cabe acrescentar que após o
beijo apaixonado do casal, uma cena posterior mostra o par romântico a patinar
em uma pista e Vickie exibe-se como uma patinadora exímia, enquanto Bud mal
consegue manter-se em pé com os patins. Com o devido perdão aos que apreciam a
patinação artística, mas nada pode ser mais meloso em uma cena de amor
registrada em um filme.
Nesse
ínterim, o vilão “Steak” que observara o casal apaixonado em cena anterior, percebe que
o namoro só vai atrapalhar o garoto, em meios aos planos da gravadora em
explorá-lo. Portanto, ele contrata uma provocante prostituta (Daisy,
interpretada por Virginia Broderick), que é lavada ao apartamento de Bud e
mesmo com o rapaz a resistir ao máximo, eis que Vickie entra e flagra a mulher
seminua sobre o rapaz, no sofá. Bem, vem a clássica evasão do local a correr e
o pranto da moça, completamente destruída emocionalmente para deixar o rapaz
inconformado com a situação impossível de ser explicada e tal cena embaraçosa
lembra muito os filmes brasileiros da chamada corrente da pornochanchada
brasileira, setentista.
Nesse meio
tempo, Bud recebera no apartamento a visita de um homem de meia idade, chamado,
Don Proctor (interpretado por Robert Crumb, mas atenção: é apenas um homônimo
do grande desenhista/caricaturista freak, como muita gente costuma
confundir). Don conta-lhe que fora no passado, um artista iludido por Mike e
Steak e que Bud deveria se esforçar para se livrar de ambos. Steak intercepta
Don e mediante uma briga, este despenca em uma escada do edifício e mostra-se
desmaiado, a suscitar a dúvida sobre ter falecido. Uma vizinha ouve o barulho,
sai no corredor para reclamar, mas Steak disfarça e a mulher histérica não
percebe que tal ruído possivelmente motivara um assassinato.
Bud havia
saído para tentar alcançar, Vickie e por azar, é interpelado pelos três
meliantes que conhecera na lanchonete de Margie e estes o sequestram, visto que
agora sabem que Bud tornara-se uma estrela do Rock. Já citei essa questão, pois
os três bandidos, são ridículos, a revelar-se um patético arremedo a imitar os
Três Patetas. A abordagem da situação é tão ruim, que escancara a vontade em simular
a arte de Moe Howard & Cia, todavia a manter-se muito longe da sua
inspiração primordial. Bud convence os bandidos a ajudá-lo, ao simular o
sequestro e assim desmascarar, Mike e Steak.
Parece que o plano dá certo, e os
sequestradores resolvem dividir o dinheiro com Bud, que recusa-se a receber,
visto que o seu plano fora apenas livrar-se de seus produtores que o exploravam.
Steak ataca o esconderijo e todos fogem. Bud refugia-se na lanchonete de Marge,
onde conforma-se em ser um simples ajudante de cozinha, doravante, para ganhar
a vida e também reconcilia-se com Vickie. Infelizmente, Mike e Steak descobrem
o seu paradeiro e o obrigam a voltar a obedecê-los, mediante a ameaça de
violência física.
Bud
finalmente reage e Steak foge. Bud deseja que Mike trabalhe honestamente
doravante, porém Mike recusa-se a abrir mão de suas falcatruas. No entanto, a
conversa fora gravada e com essa prova, o jogo inverte-se e nesse ponto, Bud
tem Mike sob o seu domínio.
A cena final mostra Bud e Vickie sob total
felicidade ao beijar-se. Bud toca e canta em meio a um grupo de jovens que
dançam em um ambiente praiano e a última tomada mostra a sua moto estacionada
bem na beirada da praia, ao ser banhada pelas ondas do mar, ou seja, ao menos
ao final, uma imagem simbólica a conter um senso de bom gosto cinematográfico.
A crítica
foi dura com a obra. Além de todos os problemas estruturais observados por uma
produção bem tosca, eis que também foi comentado o quanto tal abordagem soara
defasada ao final de 1962, visto que o panorama do Rock já estava muito mudado
e prestes a mudar ainda mais, com a dita, “British Invasion”, prestes a
ocorrer, com uma inteiramente nova perspectiva em termos de bandas de Rock formada
por cabeludos a cantar com sotaque britânico e não exatamente mais favorável
para seguidores e imitadores de Elvis Presley, a tentar alguma oportunidade no
mercado, como Bud Eagle e isso serviu para o próprio, Arch Hall Junior, na sua
vida real.
Anos depois, no entanto, este filme passou a conter um outro tipo de
avaliação, embora com a mesma intenção a considerá-lo ruim. Isso por que muitos
críticos passaram a cultuá-lo dentro daquela prerrogativa de que ele seria tão
ruim, que tornara-se bom, ou seja, a observar os méritos sutis encontrados nas
entranhas dos seus próprios deméritos. Independente desse tipo de visão típica
de cinéfilos alternativos, um elemento é certo: a música é boa.
Os números
musicais apresentados por Bud e banda, são muito bem tocados. Curioso, não há
menção à banda, nem mesmo para os músicos individualmente a ser creditados na
ficha técnica, e isso é uma pena, pois ficou visível ser um grupo de músicos
reais a atuar e não atores a interpretar músicos, pelo jeito que empunharam os
instrumentos, ao demonstrar familiaridade com a realidade. E se foram eles a
gravar a trilha sonora, de fato eram ótimos instrumentistas, pelo que é
escutado no filme.
Harch Hall
Junior protagonizou mais alguns filmes a posteriori, mas teve momentos reclusos
ao final dos anos sessenta, para somente voltar a filmar na metade dos anos
setenta e parar logo em seguida. Ele envolveu-se com a aviação, tornou-se um
experiente piloto de linhas comerciais, a pilotar boeings e atualmente (quando escrevi esta resenha, em 2019),
encontra-se aposentado e com idade avançada.
Tal filme não fez muito sucesso comercial à
época. Entrou no circuito de TV, e muitos anos depois, passeou pelas emissoras
de TV a cabo. Somente foi lançado em formato DVD no avançar dos anos 2000. É
facilmente achado no YouTube, assim como outros filmes protagonizados pelo
ator em questão e a contar com a produção de seu pai.
Esta resenha foi escrita para fazer parte do livro: "Luz; Câmera & Rock'n' Roll", através de seu volume III, com a leitura disponibilizada a partir da página 338.























Nenhum comentário:
Postar um comentário