Sou músico e escrevo matérias para diversos Blogs. Aqui neste meu primeiro Blog, reúno a minha produção geral e divulgo as minhas atividades musicais. Não escrevo apenas sobre música, é preciso salientar ao leitor, pois abordo diversos assuntos variados. Como músico, iniciei a minha carreira em 1976, e já toquei em diversas bandas. Atualmente, estou a trabalhar com Os Kurandeiros.
sexta-feira, 27 de julho de 2012
Filme : Mr. Smith Goes to Washington (A Mulher faz o Homem) - Por Luiz Domingues
Frank Capra acreditava no Ser humano e sobretudo na hombridade do homem comum, imaculado, livre dos vícios torpes do hedonismo barato e sobretudo, enlouquecido em torno do desejo inebriante pelo poder. A sua filmografia baseou-se nesses valores primordiais e como foi por esperar-se, tornou-se alvo de violentas críticas da parte de detratores preocupados em defender os seus respectivos posicionamentos políticos, tanto da direita, quanto da esquerda.
Os comunistas o acusavam em ser um acólito do capitalismo selvagem americano e os direitistas, de ser "antiamericano", por disseminar ideias socialistas em tom valores a evocar a solidariedade...
Em "Mr. Smith Goes to Washington" ("A Mulher Faz o Homem", em português, aliás, uma aberração como tradução, diga-se de passagem), Capra mexeu em um vespeiro e tanto. Ao retratar a corrupção dentro do Senado norteamericano, gerou protestos, tentativas de boicote, irritou políticos e o seu filme foi proibido de ser exibido na Alemanha; Itália; França; Espanha e União Soviética, para comprovar o que eu disse nos parágrafos anteriores, sobre desagradar gregos e troianos.
A história inicia-se com a morte repentina de um senador do estado de Montana e assim que o governador desse estado toma conhecimento (Hubert Hooper, interpretado por Guy Kibbee), percebe que precisa indicar um substituto para representar Montana no Senado federal.
Mas ele é um político manipulado por um empresário corrupto, Jim Taylor (interpretado pelo fabuloso, Edward Arnold, um ator de confiança para Capra), que comanda um esquema de obras superfaturadas e mantém-se mancomunado com o governador de Montana e o Senador Joseph Paine (interpretado pelo tarimbado ator, Claude Rains).
Os filhos do governador sugerem o nome de um ídolo deles, e de todas as crianças e adolescentes no estado, Jefferson Smith (interpretado com extrema convicção por James Stewart), líder escoteiro; idealista e ingenuamente bem intencionado. Taylor e Paine vislumbram nesse nome, o ideal para agradar a juventude e ao mesmo tempo que ele porte-se como facilmente manipulável, e assim pressionam o governador Hooper, a indicá-lo.
Smith aceita a incumbência e prosaicamente ao considerar que o Senado é uma casa formada por idealistas como ele, ele vai para Washington tomar posse, munido de muitos sonhos, por desejar dar o máximo de si, ao sugerir ideias para projetos interessantes para o povo etc e tal. Logo que chega à capital, é muito bonita a cena em que ele visita pontos emblemáticos da cidade de Washington DC, principalmente o memorial de Lincoln, ao imbuir-se de força interna para assumir uma missão muito difícil.
Todavia, ele começa a frustrar-se, ao verificar que ali, o idealismo é para os tolos que não conhecem os meandros da realidade corrupta dentro dos meandros da velha política. Por exemplo, o velho Senador Paine, desencoraja-o friamente a criar projetos muito complexos e a título de mantê-lo ocupado e longe de seu esquema corrupto, sugere que o novato, Smith, crie um projeto simplório para beneficiar os escoteiros.
Smith elabora então um projeto para criar um acampamento em Montana, em um lugar próximo ao rio Willet Creek. Por azar (ou sorte ?), trata-se de um local que faz parte dos planos do empresário, Jim Taylor, para mais exercer uma falcatrua em sociedade com o Senador Paine. Paine e Taylor pressionam o idealista Senador Smith, a retirar o projeto e armam provas falsas contra ele, caso não coopere, ao obrigá-lo a sofrer o risco de ser cassado do Senado, por falta de decoro parlamentar.
Nesse ínterim, a secretária, Clarissa Saunders (interpretada pela bela Jean Arthur), que em princípio considerou que Smith fosse um caipira ingênuo e manipulável, nota o idealismo puro em sua real intenção e ao afeiçoar-se, passa a orientá-lo sobre os procedimentos regulamentares do Senado e os cuidados necessários para não sair picado mortalmente em meio àquele covil de víboras que é o ambiente político.
Então, ao usar uma artimanha do regimento interno da casa, Smith, orientado por Clarissa Saunders, adota a estratégia de fazer um longo e emocionante discurso para vencer os senadores pelo cansaço. Trata-se de uma cena muito emocionante, com o discurso inflamado a tornar-se uma prova de resistência física e psicológica.
Enquanto usa esse dispositivo regimental, os Senadores que desejam derrubá-lo, nada podem fazer, a não ser esperar que ele dê por encerrado o pronunciamento. Claro, a imprensa cobre tal fenômeno e o povo toma conhecimento da situação parlamentar, para inflamar-se com essa heroica resistência. Os escoteiros montam um esquema de apoio e milhares de cartas chegam ao Senado, a prestar-lhe solidariedade.
Smith vai à loucura, ao denunciar a corrupção; evocar o espírito da democracia; denunciar a máquina de corrupção construída por sanguessugas do povo; os ideais americanos de liberdade; Abraham Lincoln etc. No estertor de suas forças físicas, dirige-se diretamente ao Senador Paine, ao dizer-lhe que ele fora o seu ídolo e que seu pai também havia sido seu eleitor fiel, a quem reputava como um nobre representante do estado de Montana no Senado e sendo assim, não podia acreditar que a verdadeira face do velho Senador, fosse a da corrupção; das falcatruas; da formação de uma quadrilha formada junto a empresários corruptos etc.
Smith desmaia a seguir, completamente exausto pelas horas a fio em que resistiu no parlatório. Contudo, as palavras duras que ele proferiu por horas a fio, calou fundo no velho Senador Paine, que não resiste mais e aos gritos, diz abertamente que ele é que deve ser cassado e não Smith, pois tudo o que Smith dissera em seu longo discurso, representou a mais pura verdade !
Capra conseguiu promover a vitória do homem comum, contra o sistema podre, para lavar a alma de milhões de pessoas simples. Claro, conforme citei no início, seu filme causou polêmica, a começar pelo próprio Senado americano na vida real, onde diversos senadores pronunciaram-se acaloradamente contra o filme, ao acusá-lo de ser uma falácia; ofensivo; calunioso etc.
O filme foi indicado para onze Oscars, mas só ganhou um, pelo roteiro. Muito falou-se que também incomodou os poderosos de Hollywood, e a sua derrocada na premiação foi um boicote velado. O fato, é que o filme merecia ter mais premiações, pelo seu brilhantismo, em todos os quesitos.
Estou a comentar sobre um filme produzido e lançado em 1939, com essa grau de contundência extraordinário. Quando observamos os acontecimentos da política, em pleno 2012, só resta-nos torcer para que surja um idealista como o personagem, Jefferson Smith, que suba ao parlatório e diga no rosto dessa classe política horrorosa que temos, o quanto os desprezamos pela sua natureza torpe e imutável.
"Mr. Smith Goes to Washington" é um filme emocionante, onde mais uma vez Frank Capra mostrou a sua fé no ser humano decente. Isso é ser ingênuo ? Talvez, mas ainda assim, prefiro aliar-me nessa visão de mundo do grande Frank Capra, com esperança por dias melhores e mais justos.
domingo, 17 de junho de 2012
Filme: Freaks (Monstros) - Por Luiz Domingues
Em tempos de parâmetros forjados em torno da consciência de que todos somos rigorosamente iguais e de que toda forma de preconceito é algo execrável, um filme como "Freaks" parece ter sido feito hoje em dia (2012) sob encomenda. Todavia, trata-se de uma produção de 1932, ou seja, produzido em uma época na qual os conceitos e sobretudo a intenção dos produtores, eram bem diferentes.
Segundo reza a lenda em torno da produção dessa obra, após o estrondoso sucesso de "Frankenstein", do estúdio Universal, o maioral/big boss da companhia MGM, Irving Thalberg pediu ao produtor, Willis Goldberg uma história que fosse segundo a sua expectativa, "mais horripilante ainda", para superar o concorrente.
Incrível, mas tratou-se de uma história ambientada em um circo cujas maiores atrações estariam concentradas entre pessoas especiais que ganhavam a vida a exibir as suas deformidades físicas. Muito popular na América do Norte e na Europa, os "Freak Shows", misturavam atrações circenses tradicionais com a exibição de pessoas com terríveis deformações, exibidas cruelmente como formas chocantes, daí o nome do filme, "Freaks", que popularmente designava: "aberrações", sob o sentido completamente pejorativo.
Na trama, descobre-se que o artista circense, Hans (interpretado por Harry Earles), um anão, é herdeiro de uma fortuna. Rapidamente, a trapezista Cleopatra (interpretada por Olga Baclanova), o seduz e apesar dos apelos de outra anã que percebe o ardil, ele deixa-se levar pela beleza de uma "mulher normal", ao mostrar o quanto o preconceito era forte, a minar a autoestima dessas pessoas.
Amante do gigante, "Hercules" (Henry Victor), Cleopatra fica noiva de Hans e em meio a uma festa de noivado entre os "freaks", acontece uma das mais impressionantes cenas do filme, quando ao demonstrar união, as "aberrações" aceitam Cleopatra, uma dita mulher normal (se não considerar-se a sua deformidade moral), entre eles, a entoar o côro: -"We accept you, one of us, one of us" ("Nós a aceitamos, uma de nós!").
Essa coro ficou tão famoso após o lançamento do filme, que tornou-se uma febre na América do Norte, ao ser entoado desde então, em toda situação na qual um grupo de pessoas quer demonstrar força, união etc. Aliás, é cantado até hoje em diversas situações dessa monta. No entanto, Cleopatra embriaga-se e decorrente da sua falta de freio moral, mostra como realmente pensa a deixar clara a sua real repugnância ao grupo de "aberrações", quando expulsa-os da mesa sob uma demonstração de desdém por eles.
O final, bem... como muita gente não assistiu apesar de ser um filme a contabilizar mais de oitenta anos de idade, vou guardar a surpresa e não cometer o dito "spoiler". Para resumir, era para ter sido um filme horripilante de terror na intenção de seus produtores, pois assim pensavam os formadores de opinião naquela época, ou seja, pessoas com deficiências físicas sofriam esse tipo de humilhação, a exibirem um padrão de crueldade e sordidez medieval e sendo assim, mostrá-las na tela do cinema, seria em sua concepção, uma oportunidade mórbida para humilhá-las, publicamente.
Mas os anos passaram e os conceitos mudaram, ainda bem. O tiro saiu pela culatra nesse sentido, por que "Freaks" notabilizou-se como um exemplo pungente de humanidade, solidariedade etc.
Aquelas pessoas que trabalhavam no âmbito do circo eram (são) honradas, honestas, puras de coração e a pergunta final é inevitável: quem são as verdadeiras aberrações humanas?
Eu recomendo o filme: "Freaks", sem reservas. Em meu entendimento, esta obra assinada pelo diretor, Tod Browning, é um libelo sobre a dignidade humana.