sábado, 2 de fevereiro de 2013

Filme: O Caso dos Irmãos Naves - Por Luiz Domingues





Luiz Sérgio Person havia lançado o excepcional, "São Paulo S/A", que chamou a atenção da crítica e público cinéfilo brasileiro, de uma forma muito positiva, em 1964. Pois logo no segundo trabalho, tal jovem cineasta paulistano comprovou o seu talento, com um filme impressionante, baseado em fatos reais. 

Através de uma obra forte, tal como: "O Caso dos Irmãos Naves", Person conseguiu não apenas manter a excelente impressão causada com o trabalho anterior, como sedimentar a sua condição como um cineasta de grande porte no panorama do cinema brasileiro. A história é chocante e o grande desafio de Person foi mostrar essa arbitrariedade, sem no entanto recorrer aos efeitos apelativos de um melodrama, tampouco fazer da obra, um panfleto meramente ideológico. Com extrema felicidade, Person conduziu o filme com a tensão no limite, sem jamais usar qualquer sinal, mínimo que fosse, de pieguice, e convenhamos, isso seria muito natural para acontecer nas mãos de um diretor menos atento.

A história dos irmãos Naves é considerada como o maior caso de erro jurídico do Brasil. Portanto, uma história forte, com direito à exibição de um festival de arbitrariedades cometidas contra pessoas absolutamente inocentes. Sebastião e Joaquim Naves, foram, na vida real, dois irmãos de uma família humilde de Araguarí, interior de Minas Gerais. Trabalhavam como pequenos agricultores, e assim ganhavam a vida com muita labuta árdua e poucos recursos. 

Por volta de 1937, fizeram sociedade com um primo de ambos, um rapaz chamado, Benedito Pereira Caetano. Infelizmente, Benedito não tinha uma conduta reta como a de seus primos e graças à má administração do investimento, envolveu-os em uma dívida além de suas possibilidades para honrá-la. Pois eis que em uma determinada noite, sorrateiramente esse Benedito fugiu e levou consigo todo o dinheiro que os primos dispunham e que serviria para amortizar a dívida que ele mesmo contraíra e colocara na conta de seus ingênuos primos. Desesperados, ambos foram à polícia para denunciar o ato ilícito de Benedito, mas por azar, o delegado da cidade fora substituído por um tenente da polícia que viera de Belo Horizonte, nomeado graças às mudanças estratégicas de comando que a ditadura Vargas realizou por todo o país, no ritmo do Estado Novo.


Esse tenente, chamado: Chico Vieira, foi um homem truculento, arbitrário, e sem nenhum pudor em abusar de seu poder, portanto ao dar um novo rumo ao caso, cismou que os irmãos Naves, mentiam, e que haviam na verdade, matado o tal primo deles, Benedito, para apoderar-se do dinheiro, sem pagar a dívida, a caracterizar um crime premeditado. Com o poder nas mãos, prendeu os irmãos, e passou a torturá-los barbaramente, a fim de obter uma confissão mentirosa de ambos. 

Sádico ao extremo, usou todo o seu repertório abjeto, ao tornar a vida dos irmãos, um inferno. Os irmãos, atônitos com essa injustiça, negavam-se a assinar uma confissão, pois não  conformaram-se com tal acusação absurda. 

Todavia, foi tarde demais para o tenente, Chico, pois este sabia ao longo desse processo que havia iniciado, que não caberia reconhecer o erro e pedir desculpas depois de tantas torturas empreendidas. Sendo assim, resolveu ir até o fim, para levá-los ao estado de verdadeiros farrapos humanos, a fim de que assinassem e assim a sua tese fosse comprovada, para dar-lhe a devida e injusta, convenhamos, moral, perante a sociedade local e ao sistema judiciário.

Mas os irmãos, mesmo a sofrer de uma forma absurda, não desistiam em sustentar a tese de sua inocência. Cada vez mais irritado, o truculento tenente Chico foi às raias da loucura, e passou a perseguir os familiares dos Naves.  

Prendeu e torturou a mãe idosa de ambos, à sua frente, mas a própria senhora suplicara que os seus filhos não confessasse. Não satisfeito, prendeu as esposas de ambos e as estuprou; agrediu e humilhou-as. 

Foi marcado um julgamento para 1938, ocasião onde o tenente passou por cima da Lei, e falou mais que o promotor público, para intimidar a todos no tribunal.  

Com muito esforço, a família conseguiu recorrer ao advogado, João Alamy Filho, que usou todas as provas e testemunhas possíveis, mesmo ao ser, ele também, também ameaçado pelo tenente e seus capangas. O primeiro julgamento fora anulado por falta de decoro no tribunal. Um novo julgamento foi marcado a seguir, e o advogado conseguiu enfim, provar a inocência dos irmãos Naves. No júri popular, vencem por seis votos a um, e os irmãos são absolvidos da acusação. 

Contudo, vivia-se um estado de exceção com a ditadura Vargas, e o rigor da Lei excepcional, alegou que a inocência só poderia ser aceita sob unanimidade. Sendo assim, os irmãos Naves foram condenados a uma pena de vinte e cinco anos e meio de prisão, para cada um. 

Posteriormente houve uma redução para dezesseis anos e quando completaram oito anos e três meses de prisão, foram libertados por "bom comportamento".  Joaquim Naves não teve muito tempo para aproveitar a liberdade, contudo, pois três meses mais tarde, morreu, pois teve a saúde seriamente comprometida pelas torturas que recebera entre 1937 e 1938. 

Sebastião, todavia, passou a procurar indícios do primo desaparecido, a fim de provar a sua inocência e de seu falecido irmão, porém somente em 1953, descobriu que o famigerado, Benedito, estava vivo e a morar na cidade de Nova Ponte, também interior de Minas Gerais. Ao alegar nunca ter sabido desse imbróglio todo, Benedito não esboçou vontade para esclarecer nada, mas Sebastião levou a polícia até ele. Sob um golpe fortuito do destino, um acidente automobilístico ceifou a vida de Benedito quando este dirigia-se à delegacia, para esclarecimentos, no entanto, ficara caracterizada toda a farsa que destruiu a vida dos irmãos Naves.  

Ainda transcorreu uma longa jornada burocrática e jurídica até 1960, quando o advogado da família, João Alamy Filho, conseguisse enfim, uma indenização do estado para amenizar o sofrimento dos Naves. Sebastião teve enfim mais quatro anos de vida, com relativa tranquilidade. 
O advogado, João Alamy Filho, escreveu um livro para revelar ao Brasil, essa história aviltante e Person tratou por adaptá-lo ao cinema, em 1967.
Juca de Oliveira interpretou, Sebastião Naves e Raul Cortez, interpretou Joaquim Naves. Lélia Abramo, fez Ana Naves, a mãe de ambos. E John Herbert, foi o advogado, João Alamy Filho. O tenente Chico, foi interpretado por Anselmo Duarte, com uma contundência impressionante.
Anselmo sempre atuou com ator até então, ao interpretar galãs, principalmente, em sua carreira pregressa, mas na pele do truculento, Chico, teve uma atuação espetacular, talvez a sua melhor, em toda a carreira. Person explorou muito bem a questão da arbitrariedade; o poder desmesurado e inebriante que obscurece a razão de um homem comum.
O contraponto da injustiça, também funcionou esplendidamente, com os atores citados a observar atuações muito comoventes. Mais que suscitar a comiseração, Person conseguiu extrair dos atores, a possibilidade em provocar o "nó na garganta", como sintoma da indignação, que acompanha o espectador até o final. Não dá para deixar de observar que todo esse clima observara uma segunda leitura em 1967. 
Ao viver-se um período difícil, o Brasil também estava a ser amordaçado e dessa forma, o filme de Person ganhou essa conotação metafórica com a situação política, à época de seu lançamento. Isso remete à uma questão : como esse filme, com esse  teor, passou pela censura ferrenha, à época ? 
E para ir além : de forma inacreditável, houve um lançamento na TV, ainda em 1967, em um exemplo raríssimo em termos de simultaneidade com as salas de cinema, para os padrões dessa época. Portanto, cabe a estupefação, pois como pode ter passado na TV, com aquelas cenas a conter torturas horríveis, perpetradas arbitrariamente por uma autoridade policial ? Bem, eu tinha apenas sete anos de idade, assisti o filme na íntegra e mesmo diante da minha natural ingenuidade infantil à época, atesto que fiquei fortemente impressionado. Com o estômago revirado, mas arrebatado pelo filme tornei-me um fã do Person, daí em diante.
"O Caso dos Irmãos Naves" é um filme que causa desconforto, não vou negar, mas trata-se de uma obra com uma contundência tremenda.  Não dá para assistir na "sessão da tarde", a mastigar pipocas, e pelo contrário, mostra-se necessário haver um estado de espírito propício para que espectador possa ver. Todavia, mesmo ao advertir que carece de uma cautela toda especial para assisti-lo, recomendo-o com entusiasmo.  

10 comentários:

  1. Já havia lido sobre esse caso, mas não tive coragem de assistir ao filme apesar do Person e de todos os grandes atores que fazem parte dessa obra. Admiro a coragem e dignidade de todos eles, tanto os que a viveram quanto os que a retrataram. Aos torturadores o covardes, nosso eterno desprezo e horror.

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    1. Tata :

      Antes de mais nada, lhe agradeço por ter lido e comentado.

      De fato, o filme choca e amplifica-se a indignação ao sabernos que se trata de uma história real.

      Gostei de sua observação : É mesmo coisa de covardes, o uso da arbitrariedade típica de fascistas, que merecem só desprezo !!

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  2. Nossa,show de horror mas como toda história arbitrária deve ser denunciada, contada e retratada!!! O filme e o livro foram fiéis a história!!!! Além dessa constelação de atores de primeira linha ainda temos a a Cacilda Lanuza que me remete aos especiais da TV Cultura e as novelas da Tupi. E a Marina Person depois fez um documentário chamado PERSON falando sobre o pai já que ela só tinha 6 anos quando ele morreu. Mais um filme pra minha lista contada por Luiz Domingues. Vc nunca pensou em ser um contador de histórias????

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    1. Exatamente, Silvana !

      E só não citei a Cacilda Lanuza porque ela não teve um grande papel no filme, apesar de suas cenas serem fortes, como a esposa violentada de um dos irmãos Naves, abusada pela truculência policial.

      De fato, era figura carimbada nas novelas da TV Tupi, nos anos sessenta e setenta.

      Verdade !! O documentário da Marina Person sobre seu pai, é muito bom.

      Pode assistir esse filme, pois é revoltante pela história, mas incrível como obra de arte.

      Contador de histórias ? Mas já não cumpro essa função com o Blog ?? Ha ha ha...adorei !

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    2. Que estória triste Luiz! Na época da ditadura, muitos inocentes pagaram com a própria vida. Essa foi uma das estórias que ficaram conhecidas. Muito bom o cineasta Luiz Sérgio Person, ter divulgado através do filme a vida dessa família. Os atores, ele escolheu muito bem! Todos ótimos! Não dá para assistir esse filme, sem que choremos. Cenas fortíssimas! Mas recomendo.
      Parabéns pelo texto e ilustrações!
      Você é muito bom em tudo que divulga.

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  3. Pois é, Bete...

    Essa história dos irmãos Naves foi considerada como o maior caso de erro do judiciário brasileiro.

    O Person foi corajoso em fazer o filme e foi impressionante o fato da censura da ditadura ter deixado passar, pois o caso era uma metáfora clara à própria situação do Brasil, sob a truculência e com o salvo-conduto do AI-5.

    O filme é muito forte e de fato, precisa ter estômago forte para encará-lo.

    Muito grato por ler e comentar !!

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  4. Vc cumpre brilhantemente a função de contador de histórias!!!! Por falar nisso vc já viu esse filme "O Contador de Histórias"????

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    1. Que elogio bacana, Silvana ! Tomo-o comno um incentivo para prosseguir !

      Não me lembro de ter visto o filme que citou. Dê mais detalhes, por favor.

      Obrigado !!

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  5. É a história de um menino pobre criado na FEBEM dos 6 aos 13 ou seja, ele sai de lá analfabeto até conhecer uma francesa que o cria e ambos vão viver na França e lá ele consegue terminar seus estudos é quando retorna à Febém, como educador, e inicia sua história com outras crianças e adolescentes que ele vai adotando e criando uma família numerosa, com vinte filhos adotivos, alguns, como ele, ditos irrecuperáveis. É uma história verídica e começa nos anos 70, por aí acho que vc já vai gostar porque ele vira literalmente um contador de histórias como você Luiz Domingues!!!1

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    1. Interessante, Silvana !

      Vou dar uma pesquisada nisso, posteriormente.

      Agradeço o esclarecimento e mais uma manifestação de apoio ao meu Blog !!

      Abraço !

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