quarta-feira, 13 de fevereiro de 2013

O País do Futuro, Segundo Stefan Zweig - Por Luiz Domingues



A expressão : "o Brasil é o país do futuro", vem sido usada há décadas. Formulada sob todas as formas mediante as mais variadas circunstâncias, pode ser encarada de várias maneiras, em um enorme leque de conotações, que vão da ironia, ao extremo otimismo. Atribui-se a criação dessa expressão à um intelectual austríaco de origem judaica, chamado : Stefan Zweig, que passou os seus últimos dias no Brasil, encantado com o potencial que enxergou, há mais de setenta anos atrás.
Stefan Zweig nasceu em Viena, na Áustria, no ano de 1881, filho e neto de ricos banqueiros da Boêmia. Nesses termos, teve uma educação refinada e desde cedo foi preparado para assumir as instituições financeiras da família, ao lado de seu irmão, mas a vida intelectual o cooptou antes. Mesmo por tratar-se de uma família judaica, segundo Zweig, a religião não era seguida à risca das tradições em sua casa e ele mesmo chegou a afirmar que ser judeu fora algo meramente ocasional em seu Lar. Ele estudou filosofia na Universidade de Viena e obteve o seu doutorado em 1904, ao defender a tese : "A Filosofia de Hyppolyte Taine". Entretanto, mesmo antes da graduação e doutorado, ele já havia publicado o seu primeiro livro de poemas ("Silbern Saiten", "Cordas de Prata" em português), em 1902.
Especializou-se em literatura inglesa e francesa e traduziu vários autores para o alemão (Keats; Baudelaire; Morris; Yeats; Verlaine, entre outros). Foi amigo pessoal de artistas e intelectuais de sua época, tais como : Rimbaud; Romain Rolland; Rainer Maria Rilke; Thomas Mann, e Sigmund Freud, entre outros. Em 1912, duas peças teatrais de sua autoria fizerem sucesso ("A Metamorfose da Comédia" e "A Mansão à Beira-Mar"), mediante encenações concorridas na cidade de Viena.
Começou então a interessar-se pelo cinema com muito entusiasmo, também. Chegou ao ponto de escrever muitos roteiros para tal veículo e até Roberto Rossellini culminou em filmar um roteiro de sua autoria ("o Medo", de 1954, anos após a sua morte). 

Quando, começou a primeira guerra mundial e inflamado pelo sentimento nacionalista que assolou a Alemanha e a Áustria, apoiou o estado germânico, mas logo a seguir passou a ter outra visão do conflito, ao tornar-se um pacifista ferrenho, doravante. Casou-se em 1915 com a escritora, Friderick Von Winsternitz a após o término da I Guerra, e viveu um momento de intensa produção literária, ao lançar livros de poesias; traduções de outros autores e muitas biografias de personalidades do quilate de : Maria Antonieta; Fouché; Dostoievski; Dickens; Balzac; Nietzsche; Tolstoi; Stendhal etc.
Passou a lançar também, romances e ensaios, a partir dos anos vinte. São famosas as obras como : "Amok" (1922); "Angústia" (1925), e "Confusão de Sentimentos" (1927), influenciadas pela psicanálise, que o seu amigo pessoal, Dr. Sigmund Freud, tanto conversou consigo, a respeito, certamente. 


Separado de sua primeira esposa, uniu-se desta feita com a sua secretária, Charlotte Elizabeth Altmann, apelidada como : "Lotte" entre os seus familiares. Com a ascensão do partido nacional socialista ao poder, na Alemanha, Zweig sentiu-se inseguro para continuar a viver na Áustria e às pressas, mesmo antes das primeiras hostilidades antissemitas ter início, mudou-se com "Lotte" para a Inglaterra, no ano de 1934.
Sua ideia inicial foi viver em uma pacata cidade de origem medieval, chamada : Bath, mas as suas atividades intelectuais exigia-lhe com que passasse o maior tempo em Londres. Quando a II Guerra eclodiu, percebeu que mesmo que a Inglaterra, possuísse a mais poderosa força armada para enfrentar os nazistas, na Europa, houve perigo iminente e dessa maneira, o casal fugiu para Nova York, nos Estados Unidos, onde sentiu-se mais seguro.
Em 1940, vieram pela primeira vez ao Brasil. Sua visita ocorreu em vista de palestras em que participou em universidades. No entanto, Zweig encantou-se com a Bahia, onde vislumbrou um paraíso alheio à guerra e impressionou-lhe sobremaneira como as pessoas nativas mostravam-se felizes, mesmo a viver com tão poucos recursos materiais. E nessa primeira viagem, concluiu com entusiasmo um ensaio, onde colocou o seguinte título : "Brasil, o País do Futuro".  



A sua presença foi celebrada pelos intelectuais brasileiros, todavia, certos setores do governo mal disfarçaram a insatisfação pela presença de um intelectual com origem judeu e assumidamente antinazista. Fato, o governo Vargas flertava com simpatia pelo Eixo na ocasião e só mudou a orientação em contrário, por outros fatores e interesses, quando uniu-se aos Aliados, nos estertores do conflito. Cada vez mais impressionado com os avanços dos nazistas, costumava inflamar-se em discursos antinazistas, onde questionava abertamente as intenções racistas de Hitler e por estabelecer o contraponto, considerava que o Brasil seria o exemplo da nova civilização a ser seguido, via miscigenação total de raças e não pelo modelo nazi-fascista em prol da aniquilação de raças ditas inferiores, sob um falso esforço em termos de um apuro genético, que foi a proposta absurda dos nazistas.
Encantado com essa perspectiva, resolveu estabelecer residência no Brasil, ao comprar um imóvel na cidade de Petrópolis, região serrana do estado do Rio de Janeiro. Já a morar em Petrópolis / RJ, Stefan Zweig escreveu mais algumas obras ("O Jogador de Xadrez"; "O Mundo de Ontem", que ficou inacabado e "O Mundo que eu Vivi", onde descreve as suas impressões sobre a I Guerra Mundial). Mas as notícias vindas da Europa não foram nada boas em 1942, e Zweig entrou em um processo de depressão acentuado, quando perdeu a esperança diante dos avanços nazi-fascistas.
E sendo assim, decidiu dar cabo à própria vida, de comum acordo com sua companheira, "Lotte". Deixou, no entanto, uma carta para explicar os seus motivos :  
Antes de deixar a vida por vontade própria e livre, com minha mente lúcida, imponho-me última obrigação; dar um carinhoso agradecimento a este maravilhoso país que é o Brasil, que me propiciou, a mim e a meu trabalho, tão gentil e hospitaleira guarida. A cada dia aprendi a amar este país mais e mais e em parte alguma poderia eu reconstruir minha vida, agora que o mundo de minha língua está perdido e o meu lar espiritual, a Europa, autodestruído. 

Depois de 60 anos são necessárias forças incomuns para começar tudo de novo. Aquelas que possuo foram exauridas nestes longos anos de desamparadas peregrinações. 

Assim, em boa hora e conduta ereta, achei melhor concluir uma vida na qual o labor intelectual foi a mais pura alegria e a liberdade pessoal o mais precioso bem sobre a Terra. Saúdo todos os meus amigos. Que lhes seja dado ver a aurora desta longa noite.
 

Eu, demasiadamente impaciente, vou-me antes.
 

Stefan Zweig

O casal foi enterrado no cemitério municipal de Petrópolis, e a sua antiga residência hoje em dia abriga um Centro Cultural com o nome de Stefan Zweig.


Décadas após, em 2002, o cineasta paranaense, Sylvio Back, realizou um filme chamado : "Lost Zweig, baseado na biografia de Stefan Zweig, escrito por Alberto Dines, denominado : "A Morte no Paraíso". O próprio Sylvio Back, já havia lançado um documentário sobre o casal Zweig anteriormente, e que serviu-lhe como base, além do apoio do livro de Alberto Dines, naturalmente. Uso político à parte, a expressão cunhada por Stefan Zweig, "o Brasil é o País do Futuro", finalmente mostra-se como uma perspectiva concreta nos dias atuais, e não como uma utopia, sujeita ao escárnio da parte dos pessimistas de plantão.

Matéria publicada inicialmente no Blog Planet Polêmica e republicada no Blog Pedro da Veiga, ambas em 2013.

2 comentários:

  1. Boa tarde prezado Luiz Domingues, por obséquio poderia me informar onde posso adquirir obras de Stefan Zweig...!? Nessa madrugada perfiz uma de suas obras "Joseph Fouché" e estou simplesmente apaixonado pelas obras desse Autor. Estou procurando
    - sem secesso - a obra "Cordas de prata" quero muito conhecer seus poemas e iniciar um acervo só com suas obras.
    Atenciosamente à sua disposição,

    Limajr.'. - www.limajr.com

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  2. Olá, amigo Lima Junior !

    Antes de mais nada, quero que saiba que estou muito feliz por sua visita ao meu Blog.

    Sobre o livro que procura, receio ser bastante raro por tratar-se do primeiro trabalho de Zweig. Desconheço uma reedição moderna, portanto, a esperança é procurar em sebos especializados e nos dias atuais os sebos de grandes cidades são organizados, contendo site de buscas etc. Eventualmente, acredito que no "Mercado Livre" seja possível encontrar uma raridade assim, mas certamente da parte de algum particular e com seu estado físico a ser verificado.

    Deixo uma dica de site de busca aqui para que faça a sua pesquisa :

    https://www.estantevirtual.com.br/autor/stefan-zweig&offset=3

    Grato pela visita (volte sempre !!), comentário, e simpatia !! Boa sorte em sua procura !!

    Grande abraço !!

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