sábado, 9 de novembro de 2013

Filme : The Boy With Green Hair (O menino dos Cabelos Verdes) - Por Luiz Domingues



Seja lá qual for o motivo, toda guerra é uma insanidade que só traz dor; angústia; perdas irreparáveis; traumas; mágoas; ressentimentos etc. Não trata-se apenas do inferno gerado na área do front, com morte e mutilações dos militares diretamente envolvidos no embate. Há uma série de respingos que espalha-se como praga pela sociedade civil. A destruição das instituições, instaura verdadeiros cenários de barbárie, com múltiplos gargalos de sofrimento, principalmente para os idosos; crianças e mulheres.

Muitos filmes interessantíssimos foram produzidos para mostrar essa desolação do pós-guerra. Na escola do neorrealismo italiano, são muitas as obras-primas contabilizadas nesse sentido, por exemplo. Todavia, outras escolas cinematográficas também trabalharam com essa temática, e por incrível que pareça, o cinema comercial norteamericano (sempre suspeito, quando retrata a ação yankee em conflitos bélicos), teve algumas ações positivas nesse sentido.

Tudo bem que neste caso em específico, não tratou-se exatamente de uma produção de primeira linha de Hollywood, mas um filme realizado com um orçamento de linha, "B", da parte da RKO Pictures, portanto com um pouco mais de liberdade criativa para o seu diretor. Refiro-me ao filme : "The Boy With Green Hair" ("O Menino dos Cabelos Verdes"), lançado em 1948, sob a batuta do ótimo diretor, Joseph Losey. Tratado como uma parábola infantojuvenil, e mediante uma produção bem simples para os padrões norteamericanos, trata-se de um filme dotado de muitos méritos.

A história retrata o infortúnio de um menino norteamericano (Peter Fry, interpretado por Dean Stockwell), que perde os seus pais na guerra, em Londres, todavia atordoado demais, demora a perceber que a sua vida fora atingida tragicamente por conta do conflito. Tudo inicia-se sob um recurso de "flashforward", com o garoto muito contrariado, dentro de uma delegacia de polícia, a conversar com um psicólogo (Dr. Evans, interpretado por Robert Ryan), que habilmente trata por arrancar-lhe a sua história, com uma linha de conversa envolvente. O menino está com a cabeça raspada, e aparentemente abandonara o seu lar, a andar a esmo pelas ruas.

O menino conta-lhe que fora recolhido pelas autoridades, e
encaminhado para um orfanato, que tentou entregá-lo a uma família, para a sua adoção. Ele passou por maus momentos, em lares desestruturados, até ser finalmente acolhido por um homem bondoso, que laconicamente atende somente por : "Vovô Fry" (Interpretado por Pat O'Brien). Ali, "Grampa Fry", dá todo o suporte e carinho que o menino precisa, ao tornar-se de fato, afetivamente a observar-se, um zeloso avô para ele.


Encaminhado para uma escola, a vida parece caminhar lentamente para a normalidade social, apesar dos escombros e escassez de recursos, típico do Pós-Guerra em que a sua pequena comunidade, encontra-se. Entretanto, que não pense o leitor que está a assistir um filme forjado pela realidade crua. Pelo contrário, tudo é adocicado ao extremo, com até números musicais inclusos, e a miséria do pós-guerra é bastante edulcorada (o que suscitou críticas da parte de muitos analistas, certamente).

Peter tem, na medida do possível, a sua vida a voltar à normalidade, porém, um detalhe chama-lhe a atenção, e o assombra, de certa maneira : ao olhar para alguns cartazes, onde figuras de crianças órfãs e tristes por conta da guerra são retratadas, ele parece identificar-se com elas em um nível diferente, que não compreende exatamente.

Um colega da escola diz-lhe que ele é um órfão, tal como as crianças tristes dos cartazes e ambos brigam, até a chegada da doce professora, Miss Brand (interpretada por Barbara Hale), e do vovô. Um dia, a arrumar-se para ir à escola, ao olhar-se no espelho, o menino toma um susto : o seu cabelo está inteiramente verde !

Seria o sabonete ? Um shampoo ? Algum produto usado indevidamente ? Aparentemente o estranho evento não causou-lhe um grande constrangimento. Mas o vovô sabe que isso vai acarretar-lhe problemas, e dessa forma, providencia uma consulta médica para tentar entender, e "resolver" o problema. Nesta altura, andar na rua parece ter ficado difícil, com o comércio a parar de funcionar, literalmente, para que todos pudessem ver o menino dos cabelos verdes.

O médico não detecta nada de errado com o garoto, e a sua angústia por chamar muito a atenção, só tende a aumentar. O escárnio; o bullying e a intolerância trata em piorar. O vovô o defende com muita contundência, todavia, o garoto passa a amuar-se diante dos olhares e comentários maldosos das demais pessoas.

Nesse ínterim, a professora tem uma ideia genial, quando realiza uma enquete, ao perguntar quantas crianças tem cabelo preto na sala de aula. A seguir anota o número e pergunta sobre quantas tem castanho; louro... e verde ? Peter levanta o seu braço reticentemente, e ela anota o número um, para em seguida perguntar sobre ruivos presentes, e um menino apenas, apresenta o cabelo "vermelho". A professora encerra a sua enquete, com a pergunta : "alguma pergunta" ?, com a clara intenção em desconcertar o bullying imbecil que muitos ali praticavam anteriormente. Contudo, nem essa ação da professora apaziguara o seu sofrimento. O menino sai da escola e ao correr a esmo, chega em um bosque. Cansado pela situação toda em que está a sofrer, cai aos prantos, desolado.

Então, ele percebe que outras crianças o observam. São crianças maltrapilhas; sujas; tristes e aparentemente famintas, que o fitam. Tratou-se das crianças retratadas através dos tristes cartazes que ele vira no mural de sua escola. Uma delas, aparentemente um adolescente e líder do bando, diz-lhe que estavam a esperá-lo por ele. Peter retruca, ao dizer-lhes que era infeliz por ter cabelos verdes e estar a sofrer por ser "diferente". O menino afirma-lhe que ele é especial e tem uma missão importante. O seu cabelo verde representa a esperança desses órfãos de guerra, para chamar a atenção do mundo.

Ao contrário do que Peter pensava, o cabelo verde seria um fato para orgulhar-se, pois representava a esperança de milhares de crianças naquela situação igual à delas. Ele representava o alento delas para que os homens não realizassem mais guerras. Peter muda o seu comportamento completamente, doravante. Confiante, sai às ruas e conversa com diversas pessoas, para falar-lhes sobre a estupidez das guerras, e o quanto essa insanidade prejudicava milhares de crianças no mundo.

No entanto, ao chegar em sua casa, vê o vovô apreensivo, a conversar com outros homens. Eles o pressionavam a obrigar o seu neto a raspar a cabeleira, pois os boatos na cidade estavam por atrapalhar a vida de muita gente. Falavam que tal ocorrência seria uma doença que estaria na água encanada, ou a contaminar o lote de leite que abastecia a cidade, e mais outras hipóteses absurdas. Se raspasse a cabeça, tais boatos dissipar-se-iam, e seria a melhor medida a ser adotada para o bem da comunidade. O bullying dos garotos da escola piora, quando percebem a movimentação dos adultos. O vovô sente-se enfraquecido e mesmo indignado com a pressão invasiva, convence Peter que o melhor é raspar o cabelo, para precipitar assim o fim da ação de bullying.

O ato na barbearia, é constrangedor e opressivo, com várias "autoridades" locais a acompanhar a raspagem, em contraponto com o vovô a sentir-se derrotado. Peter fica apático depois de ver-se careca no espelho. Mais que a estética, foi como se tivessem cerceado-lhe a possibilidade em cumprir a sua "missão" com as crianças que sofriam por conta das agruras da guerra.

Deprimido, ele arrumou a sua trouxa de roupas e decidiu abandonar o lar, ao não querer mais causar aborrecimentos ao seu vovô. Corte. Peter encerrou a sua história ao psicólogo. Mais calmo, ao sair do gabinete, encontra-se com o vovô, acompanhado da professora e do médico, aparentemente as três pessoas que mais deram-lhe apoio na vida.

O vovô tira uma carta do bolso e a lê em voz alta, ao arrancar lágrimas de Peter. O seu conteúdo ? Assista o filme, pois já contei quase tudo...

Final feliz, claro, com Peter a voltar para a casa com o vovô. Mas antes, uma indagação do psicólogo ao médico, é uma chave da história  : há explicação para tudo isso ? Bem, de fato, tratou-se de uma grande parábola. É evidente que a questão da diferença e consequentemente a discriminação, tem o seu apelo muito forte, sob uma primeira visão.


O fato do cabelo ser verde, também foi emblemático, pois tal cor representa no imaginário popular, a esperança, ou seja, uma óbvia mensagem subliminar. A questão do libelo anti-guerra, também é clara, apesar dos detratores de plantão sempre ranger os seus dentes, sob a acusação do caráter prosaico e piegas, que tal ideal em torno do pacifismo possa significar para eles. 

Dean Stockwell foi um dos poucos atores mirins que seguiu na carreira, vida adulta em frente, sem prejuízo da imagem calcada em torno de sua condição infantil à época.




De fato, Dean construiu uma carreira longa ("Kim"; "Compulsion"; "Blue Velvet"; "Paris-Texas"; "Dune" etc), e até trabalhou certa vez em uma produção brasileira ("Jorge, um Brasileiro", de Paulo Thiago, onde o universo dos caminhoneiros e as estradas mal estruturadas do Brasil é retratado), além de alguns seriados de TV ("Quantum Leap", "Battlestar Galactica" etc).

Joseph Losey também teve uma carreira recheada por sucessos, como diretor ("A Gun in His Hand"; "The Big Night"; "Modesty Blaise"; "The Assassination of Trotsky" etc). Na trilha original do filme, consta um sucesso que entrou para o Hit Parade de 1948, na bela voz de Nat King Cole : "Nature Boy" .



Atores de quilate como Pat O'Brien; Robert Ryan, e Barbara Hale, ofertaram um verniz ao filme, apesar da sua produção geral ter pautado-se pela simplicidade. "The Boy With Green Hair" é um filme leve, sob curta duração e a conter uma bela mensagem pacifista. É singelo ? Sem dúvida, que sim.

Porém, prefiro mil vezes acreditar em uma parábola infantil sobre o pacifismo, a acreditar que a solução para o mundo seja usar uma máscara a ocultar a covardia, e sair por aí a quebrar tudo. Fecho com o amigo, Lennon, nesse aspecto : "você pode dizer que eu seja um sonhador, mas eu não sou o único"...

Recomendo assistir, no entanto aviso tratar-se de um filme bem leve, a conter uma dose generosa de açúcar em sua composição...


8 comentários:

  1. Realmente uma Historia Triste de um período pós 2º guerra, onde a Arte do Cinema retrata muito bem essas Crianças, daquela época. Hoje infelizmente ainda continua assim , o pavor das Gerras, espalhadas pelos 4 cantos do Mundo.Segundo seu grande relato desse filme é um pouco adocicado mas bem tratado.Sem querer falar de coisdas tristes de uma Guerra, assisti um filme tedioso, triste ,depressivo mesmo que é o relato de uma Homem que voltou todo mutilado de uma guerra,que chama ''''Johnny vai a Guerra'''.Ate hoje ainda tenho as impressões do filme na minha cuca.Fica aqui mais um abraço.

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    1. Grande Oscar !

      De fato, qualquer guerra produz muitos estragos irreparáveis, não só no âmbito da integridade física das pessoas, mas também nas suas respectivas almas...

      "Johnny Vai à Guerra", é um outro exemplo de filme muito tocante, e que revela ao mundo essa triste realidade.

      Muito grato por ler e comentar !!

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  2. Geralmente, os filmes que falam sobre a guerra são chocantes e muito forte. Infelizmente, os filmes de guerra não se trata de uma ficção e sim de uma realidade que marcou a vida de muitas pessoas de uma forma negativa. Esse filme "The Boy With Green Hair" é bem interessante (pelo o que eu li), por que eles conseguem aborda este tema tão carregado de uma forma leve, então é uma linda história de esperança e que serve para nós refletirmos.
    Já assistir outros filmes sobre a 2° guerra , "O menino de pijama listrado" que achei muito chocante por saber que muitos judeus foram torturados até a morte no campo de concentração e eu não consigo mais esquecer este filme que é muito triste, e " A vida é bela" que eu gostei mais por não ter um fim tão trágico. Mas espero um dia assistir este filme do menino do cabelo verde que parece ter um final feliz.

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    1. Oi, Karina !

      Sem dúvida...filmes de guerra, geralmente são tristes, a não ser que sejam sátiras explícitas como "General Butiglionni", "How I Won the War" "Private Benjamim", ou outros do gênero.

      Dos filmes que citou, acho "A Vida é Bela", muito singelo, e de certa forma, tem uma proximidade com o filme desta resenha, "O Menino dos Cabelos Verdes", pela capacidade de trazer algo do lúdico infantojuvenil, para retratar algo tão triste como o ambiente de uma guerra.

      Recomendo assistir "The Boy With Green Hair", porque é um filme leve e que traz muita esperança.

      Muito contente com a sua participação, lendo e postando um rico comentário !

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  3. Oi, Luiz

    Não assisti ao filme O Menino dos Cabelos Verdes, mas conhecia pelo nome.
    Pelo que entendi nos teus comentários, o ponto alto do filme é a discriminação.
    A guerra ficou meio secundária. Talvez, pudesse ser um outro tema.
    Gostaria, agora, depois de ler o teu artigo de poder ver o filme. Quem sabe, um dia, eu consiga.
    Abraços

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    1. Oi, Janete !

      Sim, o mote inicial do filme era o drama da orfandade, oriunda das agruras da II Guerra Mundial, mas a questão da discriminação racial acabou ganhando uma importância maior, no cômputo geral.

      Vale a pena assisti-lo, pois a mensagem é bonita, apesar da ingenuidade infantojuvenil que o norteia.

      Muito grato por ler e comentar !!

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  4. Assisti na minha primeira infância. Só que, não entendi a razão de tanta tristeza que senti. Não entendia o pano de fundo da trama, mas creio que a dor que o menino sentia, devo ter percebido. Passava algumas vezes nas tardes do final dos 60s e começo dos 70s. Sempre me lembrava do filme, e saí a procurar na web. Parabéns, pelo texto.

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    1. Antes de mais nada, estou feliz por sua visita ao meu blog, e de antemão, convido-a a visitá-lo mais vezes e procurar no arquivo do mesmo, outras resenhas sobre cinema clássico que encontram-se aqui publicadas.

      Sobre suas impressões, perfeito. A mensagem desse filme realmente era profunda ao ponto de não ser entendida pelas crianças, apesar de supostamente ser um filme feito para o público infantil. Portanto, muito normal a sua reação quando o viu algumas vezes na época que relatou, em sua infância.

      Sobre a mensagem, além da questão da estupidez da guerra, esse filme trata da questão do respeito às diferenças e posiciona-se como anti bullying, o que é notável, pois tal assunto não era popular ao final dos anos quarenta do século passado, quando de sua produção, sendo assim, trata-se de mais um mérito para ele, que mostrou-se vanguardista, sem dúvida.

      Muito grato pelo elogio à resenha, Rose, e reforço o convite : o blog é seu, volte sempre !!

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