Não quero parecer implicante, mas tenho uma impressão
pessoal sobre uma sociedade que tolera a sujeira generalizada.
Refiro-me à sujeira propriamente dita, mas claro que
minha tese tende a corroborar a ideia de que a sujeira das ruas tem conexão
direta com a sujeira moral que permeia a estrutura sociopolítica e econômica de
uma nação.
Senão vejamos : falando em países de primeiro mundo,
salvo exceções pontuais (sim, eu sei que existem bairros pobres em Londres,
Paris, Nova York e Los Angeles, para ficarmos em poucos exemplos, que tem
habitações precárias e sujeira nas ruas, becos fétidos e violência urbana
perpetrada por gangs), a grosso modo, o padrão de limpeza nas ruas é exemplar.
O cidadão comum de um país de primeiro mundo nasce numa
sociedade que há décadas, e às vezes, séculos, educa seus filhos com valores
básicos de convivência social e que entre outras coisas, ensina que jogar papel
de bala na rua é errado e daí a ausência de lixo nas ruas.
De tanto bater nessa tecla, chega-se num ponto onde nem é
preciso mais ensinar às novas gerações, pois cria-se na alma ou no DNA como
queiram, a verdadeira naturalidade de se encarar como algo bizarro, jogar lixo
na calçada.
E nem precisa citar só as super potências. Países
inexpressivos na Geopolítica mundial, sem força militar alguma, mas com alto
padrão civilizatório, vivem essa realidade com toda a tranquilidade.
Consegue imaginar as ruas de cidades da Finlândia com
entulho jogado nas calçadas ? Acha plausível que na Suécia as pessoas achem
normal caminhar pisando em embalagens de produtos os mais variados e geralmente
embalagens de comestíveis com os de restos atraindo atraindo insetos e ratos ?
Pois é, isso não acontece e a limpeza extrema vai além do
asseio necessário óbvio, mas reflete-se em vários outros aspectos, muitos deles
sutis.
A limpeza denota valores.
Sujeira e descaso são faces de uma mesma moeda, esse é um
ponto. Indo além, quando jogo lixo na rua, sou desrespeitoso com a urbe e sobre
tudo com o semelhante. E se tenho essa predisposição de não me importar com o
mal estar alheio, levo esse valor para a vida, agindo assim em outros tantos
aspectos.
Quando uma chuva forte cai e os bueiros entopem, todos
ficam alarmados com o desconforto generalizado. Pior que o transtorno, são as
perdas humanas (estendendo-se aos animais domésticos, é claro); prejuízo
material desolador (principalmente aos mais humildes que pouco tem e vivem
sujeitos a perder tudo a cada chuva que cai, num moto perpétuo dos mais
cruéis).
Não eximindo a culpa das autoridades do poder executivo
que pecam pela sistemática má administração pública, é claro que a culpa também
é do próprio povo que nem esboça associar a prática selvagem de jogar lixo nas
ruas, com o drama das enchentes. Em suma : vivemos numa sociedade ainda atrelada a valores da
Idade Média ou pior ainda, da Antiguidade. Exagerando, mas infelizmente sendo
realista, em muitos casos, o nosso padrão de sociedade chega a ser
pré-histórico.
E o que dizer de pessoas que mesmo diante de uma lixeira
pública a ignoram retumbantemente e não ficam ruborizadas em jogar dejeto no
chão ?
Pior ainda, o que pensar sobre a questão do vandalismo,
onde pessoas acham engraçado e eu já vi até quem defenda a “legitimidade” de
destruir lixeiras ? Ato político legítimo enquanto protesto ? Não existe outra
forma republicana do cidadão expressar sua insatisfação com os poderes públicos
?
Já tivemos lampejos de civilidade e os perdemos. Como é
possível regredir ? Pois é, é
possível...
Em décadas passadas, tais valores eram mais observados
pelas gerações anteriores. A limpeza nas ruas era mais acentuada, inclusive em
cidades grandes e onde é mais difícil para o poder público dar conta da
varrição das ruas e certamente havia uma
postura mais colaborativa das pessoas.
No início dos anos setenta, uma campanha de
conscientização foi criada na mídia e até um personagem infantil foi criado
para disseminar a ideia de que era errado jogar lixo nas ruas. Quem viveu a
época, há de se recordar da figura do “Sujismundo”, um personagem prosaico, e que personificava o incauto que
praticava atos de falta de cidadania, condenáveis.
O objetivo claro era impressionar as crianças, formando
uma consciência para o médio –longo prazo. Mas apesar do personagem ter se
tornado popular lá em 1972, o efeito prático não logrou êxito e a situação da
falta de educação popular só piorou, após o decorrer de muitos nos anos e
décadas posteriores.
Falando sobre o aspecto psicológico, a limpeza traz a
sensação de ordem, diante de uma ambientação agradável, as pessoas tendem a
raciocinar de uma forma mais clara, mais criativa e mais solidária, no sentido
de querer estender o bem estar que sentem aos seus entes queridos e tal ação
tende a ser viral, espalhando o bem estar generalizado.
Ao contrário, num ambiente de limpeza extrema, a ausência
de fatores deprimentes que denotem decadência desoladora, estimula as pessoas a
compartilhar suas ideias em benefício mútuo e não presas em instintos selvagens
de sobrevivência que nos prendam às cavernas pré-históricas.
Sendo assim, é inevitável não associarmos o atraso do
Brasil à mentalidade do povo que ainda não chegou num grau de padrão
civilizado, onde nem seja necessário uma campanha de marketing na mídia, para o
cidadão comum não praticar atos
abomináveis de falta de higiene nas ruas. E veja que só estou falando sobre
arremesso de lixo em locais públicos e nem mencionei a vergonha nacional que é
convivermos com pessoas (muitas !!), que acham “normal” praticar suas
necessidades fisiológicas nas ruas.
E outra coisa : não há diferença, tecnicamente falando,
entre jogar um papel de bala e um sofá velho na rua, pensando no aspecto da
imoralidade em que se reveste o ato. Contudo, não há como não associar a
tragédia das enchentes nas cidades brasileiras com o fato consumado que esse
povo joga tudo na rua !!
Como pode não haver enchente com as pessoas agindo como
se a urbe fosse uma enorme lata de lixo ?
Povo imundo merece chafurdar, não é mesmo ? Sendo assim,
não sairemos desse chiqueiro, enquanto não mudarmos a nossa postura pessoal
nesse quesito. De nada adiante a troca quadrienal de poder, pois mesmo que haja
boa vontade política do mandatário da vez, sem a profunda mudança de
mentalidade do cidadão comum, nada mudará.
Para o Brasil subir alguns degraus e se arvorar de ser um
país eminentemente emergente e pleiteante a frequentar o seleto grupo de nações
do primeiro mundo, é necessário que o povo mude sua postura em muitos aspectos
e um deles é do asseio, passando a enxergar, mas sobretudo tratar a cidade onde
habitamos, como uma extensão de nosso próprio Lar.
Ter o sentimento de carinho pelo nosso Lar, precisa se
alargar ao ponto de sentir como “nosso Lar”, a cidade inteira e por
conseguinte, o estado e a união. Só assim o Brasil poderá ser considerado um
país que sonha um dia ser do dito “primeiro mundo”.
Fora disso, é no imaginário do mundo civilizado, apenas
uma republiqueta das bananas e cujo povo costuma jogar as cascas na rua. E quem
escorrega nas cascas, somos nós mesmos...
Matéria publicada inicialmente no Blog Planet Polêmica, em 2016
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