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sábado, 6 de setembro de 2014

Filme : Taking Off (Procura Insaciável) - Por Luiz Domingues

She’s leaving home, bye, bye...

Na letra da linda canção dos Beatles, "She's Leaving Home", Paul McCartney detectara já em 1967, um fenômeno social que crescia na Europa e nos Estados Unidos, principalmente : adolescentes empolgados com o crescimento do Movimento Hippie, estavam a sair de casa, inebriados pela ideia em buscar a aventura em viver como nômades em comunidades hippies, que multiplicavam-se ao redor do planeta.
A despeito dessa euforia por uma vida livre, ao sonhar com uma nova sociedade pautada por valores menos massacrantes e egoístas dos que o da sociedade tradicional, foi evidente que a opinião pública conservadora assustou-se com essa tendência que crescera sob uma proporção geométrica e dessa forma, o conservadorismo reagiu. Reação essa que ajudou a minar o lado bom do movimento, mas convenhamos, houve também as distorções inerentes, e se a pureza de propósitos existiu por parte da maioria, houve também oportunistas para minar, e aproveitar-se da situação, mediante interesses escusos.
Foi dentro desse contexto que o diretor Tcheco, Milos Forman, filmou : “Taking Off” (“Procura Insaciável”), o seu primeiro filme fora da Europa, após radicar-se nos Estados Unidos. A ideia inicial começara ainda em 1968, na França, quando ele começou a elaborar o roteiro com a parceria do roteirista francês, Jean Claude Carriér. Todavia, já instalado nos Estados Unidos, em 1970, Forman recebeu a ajuda providencial do diretor norteamericano, John Klein.
Forman estava muito impressionado com o movimento Hippie que via expresso pelas ruas de Nova York, principalmente com manifestações teatrais espontônaneas, realizadas ao ar livre em logradouros públicos e certamente apaixonara-se pelo espetáculo : “Hair”, que mostrava-se como um sucesso retumbante desde 1968. De fato, ele culminou em adquirir os direitos para produzir “Hair” no cinema, em 1976, e o lançou enfim, em 1979. No entanto, “Taking Off” surgiu ali no calor dos acontecimentos, ao ter sido filmado no verão de 1970, e lançado em 1971.
Apesar de seu entusiasmo com o projeto, Forman não conseguiu convencer os executivos a conceder-lhe uma verba razoável, e dessa forma, teve que contentar-se com “parcos” oitocentos mil dólares, ou seja, muito dinheiro para uma pessoa comum, mas a revelar-se como uma verba irrisória para os padrões do cinema norteamericano. Mesmo assim, Forman usou bem o dinheiro "mínimo" que recebeu e fez um filme muito interessante, ao ponto em que arrebatou vários prêmios, entre os quais, a Palma de Ouro do Festival de Cannes.
A história gira em torno de uma grande confusão ocorrida dentro do cotidiano de uma família típica de classe média dos Estados Unidos, a desvelar esse desespero que rondava os lares durante os anos sessenta e boa parte dos setenta, a respeito dos adolescentes que desapegavam-se dos valores materialistas do capitalismo norteamericano, ao desprezar o estilo de vida pautado pelo dito : "american way of life", para buscar a liberdade anunciada pela vida hippie, sob valores frugais.
Nesses termos, o filme inicia-se com uma adolescente chamada, Jeannie Tyne (interpretada por Linnea Heacock), que chega em bar, onde está a ocorrer um “Open Mic” (“microfone aberto”, spb uma tradução livre), que vinha a ser uma típica sessão de caça talentos musicais, e que ocorriam com frequência nos Estados Unidos, naquela época. Nesse tipo de teste aleatório para selecionar-se supostos novos talentos na música, pessoas talentosas misturam-se com outras pessoas completamente sem noção, entretanto, o sonho era igual para todos : tornar-se um artista reconhecido.

As primeiras cenas do filme mostram as tomadas de tais testes e o semblante a denotar um profundo tédio da parte dos avaliadores, a mesclar-se com todo tipo de performance ali exibida, incluso as bizarras. Uma garota toca ao violão, uma balada folk de um acorde único, todavia sob intensa emoção e Forman soube inserir isso de forma proposital pois dizia muito do sentimento daquela geração : “ I Believe in Love, Love, Love”, ela cantou a acreditar piamente na premissa...
Gente desafinada; gente estranha e eis que um rosto conhecido hoje em dia, mas na época não exatamente, aparece a tocar e cantar uma canção chamada : “Even Horses Had Wings” : Kathy Bates Doyle, que nos anos noventa ficaria famosa como uma atriz premiada por atuar em filmes como : “Misery”(“Louca Obsessão”), “Fried Green Tomatoes” (“Tomates Verdes Fritos”), entre outros tantos.
Outra aparição rápida, mas marcante para quem acompanha a música dos anos sessenta e setenta, Carly Simon, a grande e bela musa do Soft Rock, canta um trecho de : “Long Term Physical Effect”, com a letra a exprimir-se explicitamente sobre os efeitos das drogas, outro ponto sintomático daquela época e que marcou tal geração.
Enquanto Jeannie espera a sua vez em apresentar na audição, o seu pai, Larry Tyne (Buck Henry), está  a submeter-se em uma consulta com um terapeuta alternativo, que ensina-lhe uma técnica de relaxamento e autocontrole mental. Uma das técnicas aprendidas está no uso da mão como catalisadora de energia restauradora, mas aquilo é muita loucura para um homem cartesiano e bom cidadão norteamericano, em dia com as taxas.
Quando chega em casa, eis que a sua esposa, Lynn Tyne (interpretada por Lynn Carlin), está nervosa por que a filha adolescente do casal saiu a afirmar estar na casa de uma amiga, mas por azar, os pais dessa amiga, estranharam tal colocação por ser falaciosa e a filha do casal foi desmentida. A preocupação passa rápido para o desespero, e um casal de amigos é chamado para ajudar, pois o rapaz em questão é um “especialista” em fugas de adolescentes, algo que revelava-se epidêmico na ocasião. Em uma inspeção pelo quarto da garota, os seus pais acham cigarros e o pai jurava que ela nunca fumara na vida, mas sintomáticos são os desenhos achados pelas gavetas : verdadeiras viagens lisérgicas e shamânicas, a sinalizar que a mente da menina estava a viajar para longe...


Na mudança de cena, enquanto Carly Simon relata através da sua canção, que estava muito louca ("Get Stoned"...), uma concorrente diz à Jeannie, como uma espécie de confissão, que costuma cantar muito mal, normalmente, no entanto, quando tomava um ácido, sentia-se como se fosse a maior cantora do mundo... e tal loucura ali no meio do salão, fez sentido, é claro.
De volta à residência dos Tyne, a mulher do especialista faz amizade com a senhora Lynn Tyne e lhe faz confissões sobre intimidades dela com o marido, ao tornar a conversa quase um colóquio de adolescentes no banheiro do colégio... de fato, todos procuram o prazer, até os que zelam pela conduta moral, aparentemente...


Enquanto isso, os homens vão parar em um bar e ficam completamente bêbados. O ex sóbrio senhor Tyne, tenta ensinar a técnica duvidosa de condicionamento mental que aprendera com o terapeuta, ao seu amigo, mas a bebedeira trata em não deixar nada ficar sério, é evidente. Droga é abominável, todavia, bebida alcoólica, é aceitável na sociedade... ora vejam só a hipocrisia que grassa...
Jeannie volta para a sua casa. A sua intenção não fora fugir, pelo menos nesse instante, porém, todo esse rebuliço fora causado pela apreensão da família por conta do surto de fugas que alardeava-se. certamente foram tempos libertários para os jovens que sonharam ao deixar o imaginário comum e obediente ao sistema, atônito. Mas no dia seguinte a garota sai novamente e a família desespera-se mais uma vez. Munido de uma fotografia da filha, o senhor Tyne sai às ruas em seu encalço.
Atordoado com a situação, ele senta-se em um banco de praça pública e começa a fazer o tal exercício de concentração que aprendera, ao usar a sua própria mão como “âncora”, mas um rapaz negro o vê e faz o sinal simbólico do movimento "Black Power", bem parecido, ao considerar que estava a ser cumprimentado. Definitivamente, o senhor Tyne não estava a entender o que ocorria na América de 1970...


Ele entra então em um bar e pergunta à dona, se ela vira a sua filha por ali, ao mostrar-lhe uma foto da moça, dessas de porta-retrato familiar. A senhora diz que não, e imediatamente mostra-lhe uma caixa de papelão, cheia com fotos de rapazes e moças, ali deixadas pelos seus respectivos pais, e assim o senhor Tyne fica desolado.Ele resolve mexer nas fotos mostradas pela dona do bar e por coincidência, percebe que uma foto, a exibir a face de uma moça, corresponde com a fisionomia de uma menina que está sentada em meio à alguns hippies ali mesmo, naquele bar. Ele confere a fotografia e o rosto da moça e mediante o contato na própria foto, liga para os pais da moça, ao falar-lhes sobre ter reconhecido a moça. Eis que os hippies que a acompanhavam levantam-se para deixar o bar, e ele aborda a moça, de uma forma ingênua, ao justificar a abordagem em dizer-lhe tê-la reconhecido, e que telefonara para os seus pais, que viriam buscá-la naquele instante. O senhor Tyne estava plenamente imbuído em ajudar, iludido sobre aquela situação, ao imaginar que ela estivesse a ser submetida a um sequestro ou ato similar.
Claro que a moça sai a correr e os hippies vem para cima do senhor, e este trata por evadir-se rapidamente para preservar-se. Nesse ínterim, chega a mãe da moça, que apresenta-se esbaforida a sair de de um táxi, atrás da filha que corre em disparada e o motorista do táxi, também, ao exigir-lhe o pagamento. Momento cômico, certamente, todavia, outro instante ainda mais hilário estaria por chegar à trama. Mais calmos, param em um café e ao conversar sobre o ocorrido, falam que vivem em torno do mesmo drama, com filhas que fugiram de casa. A mulher então aproveita a ocasião e o convida a participar de uma reunião organizada por uma associação de pais de adolescentes desaparecidos.
Ocorre a seguir um chamado da delegacia e parece que a garota está enfim recuperada, mas o casal Tyne desaponta-se quando notam que a garota em questão não tratou-se da sua filha, mas fora a amiga dela, que usara o nome da sua filha, para não ter problemas em sua própria casa, mas claro essa moça que os teria...
O casal Tyne vai à reunião a realizar-se em um salão de um hotel e no anfiteatro desse estabelecimento, está a acontecer um show sensacional de Tina & Ike Turner, a cantar a canção : “Goodbye So Long”, bem naquela loucura do "Soul Train", total ! Ikettes a mil por hora nas coreografias e uma banda afiada, a executar Black Music de primeira qualidade e melhor ainda a tratar-se de artistas reais e sensacionais.


O casal envolve-se em confusões por conta de bebedeiras e paqueras que a senhora Tyne arrumou e o aspecto subliminar do filme funciona ao questionar a hipocrisia velada...pois a contrariar a reclamação recorrente da parte dos conservadores, somente os hippies é que buscavam o hedonismo ? Já em meio à reunião, no dia seguinte, o clima é marcado pela sobriedade total. Dezenas de pais usam crachás com as fotos de seus filhos fugitivos estampados em suas vestes. Uma garota “recuperada” é apresentada e dispõe-se a colaborar com os pais sofredores, ao olhar as fotos dos adolescentes sumidos, no intuito em fornecer alguma informação alentadora para eles.
Ela olha, mas afirma não reconhecer ninguém, até que esboça ter conhecido alguém, ao dizer ao pai : -“eu acho que a conheço”... mas o pai irrita-se ao responder-lhe : -“esse é meu filho”... ou seja, a tratar-se de uma brincadeira para fazer alusão ao inconformismo dos pais com a questão dos longos cabelos a ser usados por seus filhos, e assim quebrar-se o costume militarizado e sedimentado na sociedade, sobre o uso de cabelos longos ser aceitável apenas para as mulheres. A acrescentar um adendo, eu registro que em cinco mil anos de história oficial da humanidade, essa questão nunca fora um problema, mas somente a partir de meados do século dezenove, tornou-se um tabu e o movimento hippie estava ali a quebrá-lo e a incomodar muito a sociedade, enfim...


Um psicólogo toma a palavra e convida os presentes a participar de uma experiência única. Ele diz aos participantes desse congresso formado por pais desesperados, que tornara-se vital que entendessem os motivos pelos quais os seus filhos não acreditavam mais na sociedade e daí a motivação de seus jovens para partir de casa e buscar uma outra forma para viver, e nesses termos, apenas a mergulhar-se na experiência dos jovens, é que seria possível que os pais pudessem entender a motivação que seus filhos tiveram para abandonar a vida tradicional em família. Em seguida, um advogado toma a palavra e lhes diz que o que experimentarão ali, é ilícito pelos ditames da Lei, porém, é válido para obter-se uma compreensão melhor dos fatos. Outro fato subliminar, é claro, pois o advogado demonstra grande familiaridade com o assunto e as suas palavras são plenas de cinismo, algo quase indisfarçável e hilário, por outro aspecto. É chamado a entrar em cena, um dito, “especialista no assunto”, que explica-lhes o procedimento...
Um freak chamado, Vincent Schiavelli (o ator a usar o seu próprio nome, no caso, e que anos mais tarde ficaria famoso por ser o “fantasma do metrô”, no filme : “Ghost”), entra em cena e começa a explicar-lhes didaticamente, como proceder para fumar-se um cigarro de maconha, e claro que é hilária a forma como ele explica, e as pessoas absorvem as instruções. Cinicamente, esse rapaz ensina-lhes que eles deveriam guardar o artefato, quando estes ficassem bem pequenos, e que ele mesmo os recolheria posteriormente...
A seguir, todos recebem o material e começam a fumar. Reações cômicas começam a surgir no grande saguão. Senhoras e senhores não acostumados com os efeitos da marijuana, perdem completamente o senso do decoro social e tornam-se crianças, literalmente. Mulheres cantam em cima das mesas... e o “instrutor”  diverte-se em conduzir tal momento lúdico, como um maestro.
Uma música esvoaçante envolve toda a loucura reinante : -“todas as criaturas brilham”... diz alguém empolgado pela euforia ali instaurada.
Bem, acho que definitivamente os pais entenderam o poder de sedução das drogas, depois dessa experiência coletiva. Completamente fora de si, por conta do estado alterado de consciência gerado pelsa maconha, o casal Tyne convida outro casal a continuar a noitada em sua casa.
Surge a ideia de jogar-se poker, mas um dos convidados sugere um strip-poker e a cada rodada, o perdedor tira uma peça de roupa.
Estão tão alucinados que a brincadeira nem parece conter conotação sexual, mas apenas a motivar risadas intermináveis da parte de quem naquela estado, acha graça de tudo.
Nesse ínterim, a filha do casal, volta para a casa e flagra o pai completamente nu, em cima de uma mesa, a cantar, e com a sua mãe também a apresentar-se nua, e a passar por um ataque de riso interminável, sob os olhares do casal convidado, que também não conseguem param de rir. O clima azeda e a loucura é freada na base do susto, enfim. Choque de realidade, a hipocrisia é desvelada e sem subterfúgios, não há o que dizer para recriminar ninguém, portanto, a filha não tem como ser questionada ante o que viu da parte de seus pais.
Enfim, uma conversa franca ocorre entre pai e filha e mesmo diante de seu vexame, o pai reassume o poder patriarcal, porém, a mostrar-se mais liberal, quando cede ao desejo da filha em aceitar a sua relação com o namorado hippie, desde que o rapaz venha compareça à residência da família, para participar de um jantar formal de apresentação. Na ótica do sr, Tyne, tal gesto de tolerância seria o máximo em termos de comportamento moderno que ele poderia suportar, em aceitar um cabeludo a entrar em sua casa, mas com a devida condição estabelecida para que o rapaz observar um comportamento a demonstrar um mínimo de respeito e adequação aos padrões da sociedade tradicional.
Muito bem, grandes transformações são difíceis para ser absorvidas de uma forma rápida, e por ser assim que a sociedade avança lentamente, o gesto de boa vontade foi entendido como algo positivo para ambos, pai e filha, ao ceder-se um pouco de cada lado.
No dia seguinte, tudo voltou ao normal na rotina familiar e o casal Tyne prepara um jantar formal para receber o rapaz. Eis que entra na sala de estar, um hippie chamado : Jamie (interpretado por David Glitter). Ele é músico, e fora um dos avaliadores no ”Open Mic” onde Jeannie fora apresentar-se logo no início do filme.
O pai esforça-se ao máximo para ser cordial, e dessa forma cumprir a sua promessa feita à filha, de que ofereceria uma chance ao namorado dela. Então, no meio do jantar o senhor Tyne tenta iniciar uma conversa com o cabeludo soturno, que calado, não faz nenhum esforço para ser simpático.
Pergunta-lhe então, se ele é músico e o rapaz passa a responder-lhe de uma forma monossilábica e às vezes nem isso, apenas a fazer uso de expressões faciais muito discretas para saciar as dúvidas do senhor Tyne. A filha apressa-se em quebrar o gelo, ao afirmar que ele é compositor; cantor e toca vários instrumentos.
O pai não aguenta a sua própria ansiedade e pergunta ao rapaz, ainda que não agressivamente, pois estava a esforçar-se para não ser truculento, se ele ganhava dinheiro com música. Foi quando o rapaz disse, sem alterar-se,e assim demonstrar uma absurda naturalidade, que achava isso engraçado, pois quando ficava com raiva do governo e da sociedade, apanhava um instrumento e compunha canções para atacá-los, e ironicamente tais canções faziam sucesso, a gerar dinheiro, para que, em um círculo vicioso, automaticamente uma parte desses dividendos, fosse descontada para pagar impostos, ao mesmo governo que ele atacara... Uma lógica desconcertante, mas verdadeira, que artistas como Bob Dylan; Joan Baez, e Woody Guthrie deviam conhecer bem na vida real, certamente...
Mas o senhor Tyne não queria uma resposta filosófica e ao mostrar-se mais incisivo, pergunta-lhe mais diretamente : -“mas quanto você ganha com as suas canções, afinal” ?  Sem parar em comer e beber e sobretudo sem demonstrar constrangimento com a pergunta desagradável, o hippie responde-lhe : -“no ano passado, ganhei duzentos e noventa mil dólares”...
Neste instante, o senhor Tyne engasga. O hippie anti-stablishment, anti-materialista e desapegado do american-way-of-life, ganhava em um ano, muito mais do que ele mesmo conseguiria juntar em dez anos de trabalho...


Então, eis que mais uma crítica subliminar sensacional vem a seguir, com a senhora Tyne a tocar piano e o senhor Tyne a cantar em plenos pulmões, a canção : “Strangers in Paradise”, ao estabelecer uma tentativa para agradar o seu “genro”, nesse instante, dadas as revelações feitas sobre a sua conta bancária, mais do que aprovado, e acima de tudo, quem sabe não seria o caso em  mostrar-lhe que possuíam algum dote artístico também ?
Afinal de contas, ninguém acredita normalmente na arte como um meio decente para ganhar-se a vida, mas o fato é que alguns poucos privilegiados conseguem atingir tal proeza, e para isso foram criados os tais “Open Mic”, não é mesmo ? Bem, o filme encerra-se com essa fina ironia, de uma maneira engraçada.
A cena da aula para aprender-se a fumar marijuana tornou-se cultuada entre os cinéfilos, sem dúvida alguma, mas também entre apreciadores de contracultura sessentista. 

Milos Forman fez ainda mais sucesso doravante com a temática contracultural, quando lançou em 1975 : “One Flew Over the Cukoo’s Nest” (“Um Estranho no Ninho”), baseado no livro homônimo escrito por Ken Kesey, um ativista Hippie, muito famoso nos anos sessenta, obra aliás, que teve a participação do ator, Vincent Schiavelli, em seu elenco.
Em 1979, Forman lançou “Hair”, que fez bastante sucesso, todavia, é preciso salientar em uma época errada, pois o movimento Hippie passava por um duro momento em que mostrava-se vilipendiado e assim o filme ficou muito aquém do que fora a sua montagem teatral original em 1968, onze anos antes. Mas obviamente que não foi culpa de Forman, pois a negociação para comprar os direitos e filmar, arrastou-se, e quando ele foi enfim produzir tal obra, por questões meramente fora de seu controle, revelara-se uma época hostil para abordar-se tal temática.


Posteriormente, nos anos oitenta, Forman alcançou muito sucesso com "Amadeus", uma cinebiografia com uma certa aura do espírito contracultural, do compositor erudito, Wolfgang Amadeus Mozart.
Sobre “Taking Off”, por questões de direito autoral, cópias do filme foram retiradas do You Tube, mas existe em sites de cinema que exibem uma versão ao modo "stream". Nas emissoras de TV a cabo, faz tempo que não é exibido, infelizmente e apenas em locadoras especializadas em raridades, é possível achar-se uma  cópia. É uma pena, pois trata-se do tipo de filme que vale a pena assistir pela temática, mas também por todas as curiosidades que eu citei e claro, pelos dardos subliminares que Forman lançou contre os velhos paradigmas da sociedade, e que abre um bom campo para reflexões.
Sob uuma síntese, eu diria que o filme trata sobre a falta de diálogo entre pais e filhos, até aí, algo corriqueiro, mas com a perspectiva da hipocrisia a nortear essa relação conflituosa entre gerações.


She’s leaving home... bye, bye…

sábado, 8 de dezembro de 2012

Filme : Westworld (Westworld, Onde Ninguém Tem Alma) - Por Luiz Domingues

Michael Crichton foi um artista multifacetado, e de certa forma subestimado, infelizmente. Convenhamos, não é muito comum um diretor de cinema que também seja escritor de ficção científica, com muitos livros publicados e ainda por cima, alguém formado em medicina...
Como escritor, Crichton escreveu muitos livros que fizeram sucesso no campo da literatura Sci-Fi. Entre os quais : "O Enigma de Andrômeda " (que foi adaptado ao cinema, sob direção de Robert Wise); "Devoradores de Mortos"; "Jurassic Park" (também motivou um filme, através das mãos de Steven Spielberg); Esfera, Congo, Revelação e Twister (também tornou-se filme), e existem outros.
E o fato de ser médico, o ajudou na elaboração de certos conceitos técnicos em torno da biologia, que ele gostava de usar como elemento em sua literatura Sci-Fi.
Mas ele gostava também de dirigir e tornou-se de fato um bom diretor, com uma carreira não muito longa, mas significativa. Em 1973, Crichton lançou um emblemático filme chamado : "Westworld" (no Brasil, esta obra recebeu o nome de : "Westworld - Onde Ninguém Tem Alma").
Baseado no livro de mesmo título, escrito pelo próprio, Michael Crichton, "Westworld" fantasiou o "futuro", onde existiria um parque temático ao estilo da "Disneyland", mas dirigida aos adultos, chamada : "Delos". Logo nos créditos iniciais, vemos cenas de pessoas a embarcar para essa gigantesca estrutura turística e por conta desse ato, a ser monitoradas por funcionários, a simular a organização desses parques temáticos norteamericanos da vida real.
Todavia, tratava-se de um hipotético futuro, onde a tecnologia sofisticara-se ao ponto das atrações prometidas, observar o realismo extremo.  Sendo assim, a proposta mostrava-se a atender aos anseios dos turistas que interagem com robôs a ostentar uma aparência humana perfeita, com sensibilidade aguçada, inclusive e portanto, a proporcionar todo o tipo de envolvimento imaginável.
Havia três opções temáticas a ser escolhidas : o ambiente do velho oeste norteamericano; a Europa medieval e a Roma da antiguidade. O foco dramatúrgico segue através de dois personagens que escolheram passar alguns dias no velho oeste. Mas ao longo do filme, surgem cenas simultâneas de outros personagens a aproveitar os outros parques temáticos e chega-se em um ponto do filme, quando eles fundem-se. 

Peter Martin (interpretado por Richard Benjamim) e John Blane (James Brolin), são amigos e decidem aproveitar as férias juntos, no velho oeste de Delos.
A diversão é chegar em uma cidade daquele período e passar por todas as situações típicas daquela época, e devidamente expostas pelos filmes de western, décadas a fio. Ou seja, eles pretendem beber; dormir com as garotas do saloon, envolver-se em brigas por motivos fúteis e claro, matar pessoas nessas brigas, sem o menor pudor. A garantia do pacote turístico é total : os robôs brigam de verdade, mas sempre o humano turista vai ganhar, e jamais poderão ferir gravemente e muito menos matar o turista.
Um rígido monitoramento é feito on line e técnicos trabalham 24 horas por dia, para controlar tais ações.  Peter e John sabem disso e põem-se a angariar confusões, como verdadeiros forasteiros petulantes, e assim, a divertir-se muito. Até que surge na cidade um bandoleiro muito temido. Para seguir o roteiro de um filme de western, ambos apreciam a situação, sabedores que mesmo que o robô represente um bandido perigoso e exímio atirador, no final da história, eles o executarão e fim de conversa.
No caso, o robô é programado para ser arrogante; frio e obstinado. Interpretado pelo ator, Yul Brynner, no filme ele é denominado : "Gunslinger"
Cabe observar que o robô é baseado em um personagem que próprio ator, Yul Brynner, interpretara brilhantemente no cinema, desta feita um pistoleiro de carne e osso, no filme : "The Magnificent Seven" ("Sete Homens e um Destino"), um western clássico, lançado em 1960, e baseado no filme japonês, "Os Sete Samurais", de Akira Kurosawa. De fato, o figurino do andróide, Gunslinger é idêntico ao usado pelo personagem defendido por Brynner em "The Magnificent Seven".

Durante a madrugada, técnicos do parque removem robôs "mortos" e são mostradas cenas da oficina a trabalhar a todo vapor, com os cientistas de plantão a emitir o seu parecer técnico. Aí entrou o lado médico de Crichton, que sempre gostou de inserir em seus filmes e livros, tais citações teóricas, ao desejar fornecer um maior embasamento real à sua obra.
No caso de Westworld, são curiosos esses diálogos, geralmente conduzidos pelo diretor do parque, interpretado pelo ator, Allan Oppenheimer. E como os robôs "morrem" para divertir os turistas, eles voltam à cena quando os turistas despertam para aproveitar um novo dia e assim, podem morrer novamente em cada jornada.
Martin e Blane abusam da brincadeira, ao provocar brigas no saloon, onde até Martin é "preso", para momentos depois, Blane ter o prazer de dinamitar o cárcere da delegacia para resgatar o seu amigo e matar o delegado, sem piedade. Em uma dessas brigas, de ambos.Gunslinger é morto, mas claro, após reparos, o robô voltou para a cena, no dia seguinte.
Contudo, algo começa a falhar na estrutura do parque temático. Pequenos sinais aparecem, sem que os turistas percebam a fonte, que na verdade fora um vírus eletrônico que epidemicamente colocou-se a contaminar todos os robôs. Por exemplo, John Blane (Richard Brolin), é picado verdadeiramente por uma cobra andróide; moças andróides programadas para ceder aos desejos sexuais dos turistas, recusam-se a colaborar nesse sentido etc.
Nesse momento, são exibidas as cenas dos outros parques temáticos, a demonstrar que a epidemia também contaminou-os. No mundo medieval, por exemplo, um cavaleiro provoca uma briga com um turista e propõe um duelo de espadas, quando o mata. Na "Roma antiga", tudo sai do controle e o que fora para ser um final de semana envolto sob orgias, torna-se um cenário de matança desenfreada, com requintes de crueldade.
Ainda por não perceber o perigo em que envolveram-se, os amigos Martin e Blane são desafiados a duelar, pelo pistoleiro, Gunslinger. Ao desdenhar da situação, por estar seguros de que o matarão sem problemas, não abalam-se com as bravatas do pistoleiro e assim, portam-se displicentemente diante do perigo. Todavia, Gunslinger está obcecado por matá-los e a portar uma pistola real, atira e mata Blane. Só aí Peter Martin percebe que acabou a brincadeira e foge desesperadamente.
Gunslinger o persegue de forma implacável e essa parte final do filme é muito angustiante, pois sabemos que o robô só vai parar quando for destruído, mas a questão é : como destruí-lo ? Nesse ínterim, os técnicos estão a empreender todo o esforço para desligar os robôs e a duras penas conseguem pequenos progressos, mas Gunslinger continua a perseguir obstinadamente Peter Martin, determinado a matá-lo. Martin alcança o deserto que cerca a cidade do velho oeste e as cenas seguem os clichês dos filmes clássicos de western, com a perseguição em ambiente árido e inóspito.
Ele encontra-se com um técnico do parque, que mais assustado ainda, está a tentar fugir da matança desenfreada. É curiosa essa pequena ponta feita pelo ator, Steven Franken, que mais baseou a sua carreira nas comédias, onde cito o genial garçom bêbado que rouba a cena em "The Party", uma das melhores comédias de Peter Sellers. E claro, Gunslinger mete-lhe bala, para apavorar ainda mais o personagem, Peter Martin.  Então, munido de algumas cápsulas de ácido (que achou no laboratório do parque, durante a sua fuga), espera uma oportunidade e joga o líquido no rosto de Gunslinger.
Essa cena, a mostrar o rosto do robô a derreter, foi uma das primeiras, senão a primeira na história do cinema, onde usou-se a computação gráfica, que logicamente em 1973, ainda engatinhava e não era nada parecida com a que conhecemos hoje em dia. Porém, ao considerar-se a época e os recursos disponíveis, é espetacular.
Martin chega aos limites do mundo medieval, onde os robôs estão desativados, mas também vê-se corpos de turistas mortos. Mesmo sem rosto e com apenas componentes eletrônicos expostos na cavidade facial, Gunslinger continua a sua caçada frenética. Gunslinger chega e Martin corre para a masmorra do castelo e observa uma mulher acorrentada, mas percebe que trata-se de um robô, quando ele oferece-lhe água e o líquido causa-lhe um curto circuito.
A última tentativa é incinerar o robô e parece que Martin salvou a sua vida, enfim. Mesmo carbonizado ele ainda aproxima-se, mas explode a seguir, literalmente. Então, finalmente Martin, atônito com toda a agonia que passou, senta-se em uma escadaria da masmorra, onde pensa na ironia do slogan do parque : "já temos um período de férias para você"...
É óbvio que o filme versa sobre o vazio do homem massacrado pela sociedade capitalista. A ideia de um parque temático nos moldes dos parques Disney, mas com teor adulto e a evocar grandes sets de filmagem de cinema, demonstra claramente que a vida frenética das pessoas, carece de válvulas de escape. Brincar de estar em um mundo diferente e poder extravasar o hedonismo e não só isso, mas também o poder da vida e da morte, sem questionamentos éticos; morais e pela plena desobediência às leis, pode fascinar. Outra observação pertinente, dá-se na comparação que muitos críticos fazem entre Westworld e Terminator, realizado onze anos depois.

Parece claro que o androide assassino e obstinado vivido por Arnold Schwarzenegger, é muito parecido com o robô, Gunslinger, de Yul Brynner. Implacável, ele persegue sua meta até o fim, sem esmorecer.
E certamente algumas ideias também influenciaram, "Predator", outro filme de Schwarzenegger, do final dos anos oitenta. O alienígena protagonista em questão, usa muita tecnologia para empreender a sua caça aos humanos, ao usar recursos vistos em "Westworld", com o robô, Gunslinger. "Westworld" teve uma sequência em 1976, com o ator, Peter Fonda, como protagonista. Nessa sequência, chamada : "Futureworld", teve a participação novamente do ator, Yul Brynner, ao interpretar novamente o robô
Gunslinger, mas essa produção ficou aquém.
Pior ainda foi uma tentativa em adaptar a história para o universo das séries de TV, ao retumbar em um fracasso e que logo cancelado pela Rede CBS, no início dos anos oitenta. Há planos para um remake, há anos e o próprio Schwarzenegger foi cotado para ser o "novo" Gunslinger, mas até agora, não houve concretização dessa produção. Como cinéfilo, torço para que não haja e que assim, poupe-nos de mais um remake cheio de tecnologia moderna e pouquíssimo conteúdo.
Destaca-se, é claro, a interpretação de Yul Brynner, que tornou o robô, Gunslinger, assustador. "Westworld" é mais um desses filmes da safra Sci-Fi setentista, que ganhou fôlego extra após o sucesso mastodôntico de "2001" / Uma Odísséia no Espaço, em 1968. Foi exibido com frequência na grade das TV's brasileiras, geralmente na faixa da madrugada, mas com a mudança de mentalidade dos programadores de hoje em dia, que só privilegiam filmes produzidos até quinze anos para trás, a cota de filmes vintage fica mesmo restrita aos canais de TV a cabo especialistas e para garimpeiros de locadoras diferenciadas da internet. Eu o recomendo, evidentemente, pois considero-o um grande filme Sci-Fi.