sábado, 14 de setembro de 2013

"O Príncipe" de Maquiavel : Quinhentos anos e um Equívoco - Por Luiz Domingues

Em 1513, foi publicado um tratado sobre política chamado : "O Príncipe", escrito pelo filósofo italiano, Niccolo Machiavelli. Nesta obra, Nicolau Maquiavel (para aportuguesar o seu nome), versou sobre normas de conduta que considerava adequadas a ser observadas pelos governantes de seu tempo.

Uma das máximas ali descritas, cabe muito bem ainda na concepção política contemporânea, ou seja, o conceito de que o governante tem que estar atento aos anseios do povo, por mais que soe óbvia tal afirmação, mas que geralmente é ignorada pela classe política. Infelizmente, outros conceitos ali descritos pelo autor, foram muito mal interpretados, e no passar dos séculos, o peso dessa má interpretação tornou-se um paradigma.

De seu nome, criou-se o neologismo : "maquiavelismo", com outros derivados, como "maquiavélico", a denotar algumas ações perpetradas e premeditadas, pior ainda, sob a égide do extremo egoísmo, ao fazer-se uso como metodologia, das práticas escusas, fora da Lei, portanto, inescrupulosas. Historiadores atribuem essa má interpretação, principalmente a uma frase de efeito, supostamente por ele cunhada, onde ele teria dito : -"os fins justificam os meios", quando na verdade, ele jamais quis dizer isso, pois o texto correto é : "certos fins justificam certos meios", sob uma interpretação muito mais ampla.

Outros pontos importantes da obra, aludem à imperfeição do Ser Humano, e como a organização sociopolítica é naturalmente norteada por tal condição intrínseca. Por exemplo, Maquiavel diz que : -"às vezes, é preciso descumprir promessas para agradar o povo" .
O populismo e a demagogia são odiosos, eu sei, todavia, como pode um governante administrar um estado, sem deixar de agradar e / ou desagradar o tempo todo ?  Conviver com tais conflitos de interesses, seria uma condição sine qua non para o bom administrador, na opinião de Maquiavel, e nesse sentido, justificava essa questão, ao afirmar : -"a um príncipe, é necessário ter o povo ao seu lado, porque de outro modo, ele sucumbirá às adversidades".

Outra questão controversa, dá-se com a máxima : -"política é um território traiçoeiro e que nem sempre uma conduta marcada por princípios rígidos, leva aos melhores resultados".


Nicolau Maquiavel foi um homem com certas convicções republicanas, em plena renascença, mas sabia que o interesse da rés pública, esbarrava em perigos iminentes daquele período, onde a estabilidade dos pequenos principados e reinos, não permitiria uma estratificação da soberania territorial; jurídica e social, de uma forma absoluta. A constante ameaça de um reino / principado / ducado aos demais pares, com invasões militares, fez com que as ideias de Maquiavel para a condução gerencial de um povo, fizessem sentido naquele contexto histórico.

Portanto, estabelecer alianças políticas, fazia-se mister, tanto quanto manter um estado de alerta permanente entre a população, e inerente preparação militar para a constante instabilidade inerente. Antes de julgá-lo como um conselheiro de péssimas intenções, como o conceito popular o rotulou, é preciso entender  o contexto histórico onde ele viveu. Não fora nada espantosa a ideia de monarcas contratar exércitos mercenários para ações expansionistas e / ou anti-expansionistas, por exemplo. Muito das ideias presentes no livro, foram preocupações de Maquiavel, expressas em seus estudos baseados em obras clássicas da antiguidade. Virtude e fortuna, remeteu-o à Roma antiga, quando citava Tito Lívio com entusiasmo, por exemplo.

Nesse sentido, ele observou a teoria de que todo estado formal mantinha três estágios básicos como ciclos : fundação / organização; enriquecimento / expansão e por último, decadência / extinção. No cômputo geral, "O Príncipe" salienta essa maleabilidade que o governante precisa observar para poder governar, mas ao levar-se em consideração que o Ser Humano é imperfeito, como base inexorável.

Dentro dessa premissa, e a recordar as recentes manifestações populares (será que foi tudo espontâneo, mesmo ?), ocorridas em junho de 2013, por todo o Brasil, seria bom levarmos em conta que a despeito de muitas reivindicações aparentemente serem justas, para não dizer todas, os manifestantes em geral não levaram em consideração um aspecto importante : de onde vem os políticos e tecnocratas que formam as máquinas que servem aos três poderes da República ? Figuras execráveis que perpetram atos odiosos no deslumbre do poder, para prejudicar toda  a coletividade, saíram exatamente de onde ? Tais facínoras, vieram de algum planeta distante ?  Seriam seres extradimensionais ?

Pois é... os políticos saíram do seio do povo, como todos nós, e se agem como bandidos, ao cometer furtos do erário público, ou a manipular as Leis para favorecer a si próprios, e seus companheiros de conluio, a culpa é inteiramente nossa pela situação, ao votarmos sem critério algum, nessas pessoas mal intencionadas, sob uma primeira abordagem, e adiante, em um pensamento macro, mais avançado, falta-nos uma visão menos egóica do mundo, ao deixarmos de lado o hedonismo acentuado que norteou a história da humanidade até aqui, e daí em diante, buscarmos assim, um sentimento real de compartilhamento das responsabilidades e benesses produzidas. Antes que acusem-me de ser um "sonhador", como falava o Lennon, prefiro dizer que a evolução é lenta, mas visível, mesmo para os pessimistas de plantão.

Há muito o que melhorar, mas se dependesse das pessoas que não acreditam em sonhos, estaríamos ainda nas cavernas, certamente. Enfim, mediante a comemoração pelos quinhentos anos do lançamento dessa histórica obra do filósofo, Nicolau Maquiavel, fica a impressão de que tais ideias precisam ser relidas e reavaliadas pelos políticos, e sobretudo, algumas passagens polêmicas, a ser reinterpretadas sob a verdadeira intenção do autor, e assim desmistificar-se a ideia de que o "maquiavelismo", trata-se de uma intenção escusa e imoral.

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