domingo, 6 de abril de 2014

Escolas Vocacionais, uma experiência incrível jogada no lixo... - Por Luiz Domingues

Que o Brasil esboça estar a melhorar sob o ponto de vista econômico, não resta dúvida, apesar das panes geradas pela má administração pública e do câncer crônico da corrupção vergonhosa, uma marca registrada pela índole moldada a partir de preceitos culturais errôneos e arraigados, há décadas, quiçá, séculos. No entanto, mesmo ao analisar-se apenas os aspectos positivos do crescimento do país, sempre esbarramos em algumas questões básicas que atravancam o progresso e o deslanchar do país para o grupo privilegiado que forma o primeiro mundo, enfim.

Um fator nesse sentido, versa pela falta de investimentos pesados e concretos em infraestrutura. Por décadas, isso foi postergado, e como o povo mostrava-se conformado com a eterna situação estagnada pelo subdesenvolvimento, vivíamos resignados com essa situação terceiro mundista em torno do atraso vergonhoso. Agora que o país parece estar a angariar uma maior visibilidade, sobreveio a vergonha da parte de quem despertou para a realidade, ao deparar-se com os piores aeroportos; portos; estradas; logística operacional e tudo isso amarrado com o mais horripilante esquema burocrático do planeta, onde nada funciona, por conta de uma máquina emperrada. O outro ponto crucial desse gargalo que atravanca o Brasil, é o do setor educacional.

Com baixos investimentos na infraestrutura escolar, como pleitear-se um real crescimento ? Se os professores não tem incentivo algum para exercer a sua profissão, não há idealismo que os segure minimamente motivados para dar o seu máximo. E o professor geralmente é um abnegado, que enxerga a profissão com paixão, e normalmente recebe em troca, uma remuneração vergonhosa; péssimas condições de trabalho, instalações a cair aos pedaços; material sucateado e nenhuma segurança no trabalho, aliás, cada vez mais insalubre por motivos amplamente conhecidos de todos e fartamente reportado pela mídia.

Então, é sempre recorrente o assunto em conversas travadas entre as pessoas que discutem o futuro do Brasil, ao culminar com um consenso : o Brasil só vai melhorar, verdadeiramente, quando houver investimento maciço na educação. Fato. Todavia, não podemos deixar em enaltecer a ação de muita gente que já contribuiu decisivamente para a questão educacional no Brasil. Gilberto Freyre é uma lembrança óbvia, mas pode-se arrolar diversos nomes de pedagogos com enorme valor, que a despeito da má vontade oficial em seguir as suas metas, ofertaram-nos a sua contribuição valiosa para melhorar tal panorama. Entre tais ideias a buscar um real avanço educacional, uma experiência fantástica foi feita no Brasil, nos anos sessenta, por exemplo.

Tratou-se de uma linha pedagógica progressista, milhas além da educação oficial e antiquada que era praticada no país até então. Essa pedagogia fora desenvolvida por uma professora chamada : Maria Nilde Mascellani, que a colocou em prática, de uma forma experimental através da experiência exercida em uma escola estadual na cidade de Socorro, no interior de São Paulo, em 1959.

Tal metodologia impressionou o secretário de educação estadual à época, que autorizou a extensão da experiência à outras escolas em outras cidades interioranas e na capital. Dessa maneira, foi implementada de uma maneira experimental em algumas escolas no estado de São Paulo, a partir de 1962.

Tais alunos que passaram por tal experiência educacional, foram alunos do antigo curso ginasial (hoje corresponde ao "fundamental II"), oriundos de algumas escolas estaduais do estado de São Paulo. Uma delas, localizou-se na capital (o famoso, "Oswaldo Aranha", localizado no bairro do Brooklin, na zona sul da capital paulista), e outras escolas distribuídas em algumas cidades interioranas a destacar-se : Batatais; Americana; Barretos; Rio Claro e em São Caetano do Sul, na região do ABC. Como funcioram os ditos ginásios vocacionais ?

Em primeiro lugar, foi determinado encerrar-se o arcaico regime em prol da separação por gênero. Meninos e meninas passaram a estudar em classes mistas, a quebrar um padrão pseudomoral idiotizante, que ainda remetia ao século dezenove, e certamente baseado em parâmetros advindos de seu código de conduta vitoriano a observar um recato massacrante. Outro aspecto libertário, deu-se em  não ensinar matérias tradicionais mediante o programa baseado com uma maçante teoria pesada. Todo o conteúdo técnico que os alunos deveriam absorver, passou a ser proposto a levar em consideração os anseios dos próprios alunos, ao estabelecer um consenso comunitário. Os alunos escolhiam os temas ligados à disciplinas tradicionais, tais como a matemática; geografia; história; português e ciências, de uma forma livre.

Os professores não adotaram mais a postura sisuda como mestres inquestionáveis e severos, mas ao contrário, ao adotar uma postura mais nobre, como mestres dispostos a passar os seus conhecimentos para pupilos queridos, ao criar-se uma troca prazerosa e não ditatorial, sob uma hierarquia inquestionável, de cima para baixo. Há relatos obtidos de ex-alunos das escolas vocacionais, ao dar conta sobre o clima de amizade e admiração que fora criado entre professores e alunos. Estudavam juntos e brincavam também, ao participar das oficinas artísticas propostas e das práticas esportivas.

A ideia foi manter um padrão de educação onde a capacidade de criação do aluno fosse estimulada ao máximo. Mais que fazê-los decorar fórmulas e nomes de personagens históricos, apenas para "passar nas provas", como era (é) o método tradicional, o objetivo foi estimular o aluno a ser livre; crítico e criativo. Para tanto, todo o enfoque foi proposto em torno dos estudos sociais e as especializações saiam desse tronco comum. Fazia sentido, pois de onde vivemos ?  Não é uma sociedade ?

Pois foi a maneira mais inteligente para educar-se as crianças e adolescentes, ao estimulá-las a sentir-se como parte atuante desse núcleo e portanto corresponsáveis pela manutenção e melhoria de tal estrutura, e assim, contribuir para a construção de um futuro cada vez melhor, para todos. Nessa dinâmica, estudavam psicologia; antropologia; história; geografia;, sociologia; filosofia, e outras matérias, como ramos da vida em sociedade, e entendimento do homem em seu habitat.

Grupos eram organizados pelos professores, mas com total autonomia dos alunos para escolher as suas pesquisas. Há relatos de saídas em campo, com o objetivo em observar-se a vida no entorno da escola; nos bairros, a mapear-se tudo o que eles, alunos, considerassem interessante e a posteriori, discutir tais observações na sala de aulas. Onde vivemos ?  Não é em cidades ?

Como funcionam, como é a vida das pessoas pelos bairros ? O que produzem, o que reivindicam os seus moradores ? O que pode fazer o poder público para melhorar o pequeno problema localizado no bairro ? Qual o papel do cidadão comum, nessa equação ? Como é a gestão pública, como é usado o dinheiro dos impostos cobrados, como é a logística da "rés pública" ?

Tudo o que observaram nesses estudos de campo, foi objeto de discussão na sala de aulas e daí, produziam estudos por escrito, com o status de verdadeiros ensaios e não os maçantes trabalhos escolares propostos até então, a constituir-se de uma prática meramente fruto da cópia literal de textos extraídos de livros em bibliotecas, como era de praxe no sistema educacional antiquado.  Pois é... na escola vocacional, os alunos foram estimulados a notar que na sociedade, quem constrói tudo, somos nós. Para fazer uma Brasil pujante e tão bom quanto qualquer nação civilizada de primeiro mundo, a atitude e o senso crítico individual faz a diferença.

Os alunos controlavam a cantina da escola. Eles mesmo cuidavam de sua administração e isso fazia parte de seus estudos em torno da matemática; finanças; contabilidade e administração. O dinheiro arrecadado era usado para financiar os projetos de campo. Essa foi a proposta da escola vocacional, entretanto, forças retrógradas não pensavam assim.

Quando o regime autoritário pós 1964, endureceu mais ainda, a partir da instauração do AI-5, em dezembro de 1968, ideias progressistas ficaram ameaçadas e assim, em 1969, as escolas vocacionais foram extintas pelo governo estadual paulista, subserviente ao comando federal. A experiência avantgarde dessa pedagogia, foi execrada. Não foi surpreendente, aliás isso foi esperado. Na história, situação semelhantes já havia ocorrido. Por exemplo, quanto os nazistas fecharam a escola Bauhaus, na Alemanha, assim que tomaram o poder em 1933.

Gente que pensa incomoda pessoas com tendências autoritárias, que através da sua mentalidade rígida, tem no controle absoluto, não suporta ideias novas que ameacem o seu conservadorismo. Alguns professores foram perseguidos, infelizmente. A própria professora, Maria Nilde Mascellani foi detida sob alegação de "sovietizar a juventude, ao fazer uso de métodos pedagógicos suspeitos".

As escolas vocacionais foram consideradas "subversivas" pelo governo autoritário. Há uma informação de que professores de escolas tradicionais, não praticantes dessa metodologia, oriundas de Americana, no interior de São Paulo, denunciaram a escola vocacional que ali existia, às autoridades, ao alegar que ali formava-se jovens corrompidos. Houve uma intervenção truculenta até, com professores a ser presos na cozinha da escola por um determinado tempo.

De nada adiantou os protestos veementes de pais de alunos ao exprimir desejar a normalização da escola vocacional, não apenas da cidade de Americana, mas igualmente de todas as outras que sucumbiram ao vilipêndio da parte de seus detratores  Extinto portanto, em 1969, o projeto da escola vocacional deixou uma lacuna na história pedagógica brasileira.

Recentemente, um ex-aluno que tornou-se profissional da área dos audiovisuais, produziu um documentário belíssimo, ao resgatar essa história, inclusive a conter raras imagens captadas na época, ali no calor dos anos sessenta, e assim mostrar um pouco como fora estimulante possuir-se um sistema educacional que respeitava o aluno e o estimulava a ser criativo; crítico, pensante...


O cineasta Toni Venturi lançou : "Vocacional, Uma Aventura Humana", que é um documento muito sensível, ao demonstrar o que foi essa experiência educacional belíssima.

 Eis abaixo, o trailer do documentário no You Tube, pois infelizmente por motivos de direito autoral advindo da produtora da peça audiovisual, a sua postagem completa não foi autorizada.


Todavia, o documentário já foi exibido em vários canais educacionais alojados na grade da TV a cabo, e sempre está a ser exibido em mostras cinematográficas por aí, basta ficar atento à programação de tais estabelecimentos culturais...

Para encerrar, devo observar que o Brasil tem solução, sim. Um dia, libertaremo-nos das amarras exercidas por pessoas que não tem interesse que a educação seja melhorada e priorizada. Quem são eles, se aparentemente não vivemos mais massacrados por um regime comandado por retrógrados ? Façamos como os professores da escola vocacional, que estimulavam os seus alunos, e nesse caso, que reflitamos...

E outro fator importante a ser mencionado : quando ocorreu essa experiência em algumas escolas estaduais paulistas ? Entre 1962 e 1969.


Já pensou em estar na escola vocacional nessa época, e ser possível experimentar essa proposta educacional incrível e com The Beatles soando no ar ? Foi a década da libertação, sem dúvida...


De fato, nessa ocasião, eu morei no bairro vizinho ao Brooklin em 1968, chamado, Vila Olímpia, na zona sul de São Paulo. Eu cursei o primeiro ano do curso primário, em uma escola estadual tradicional naquela época, mas ouvia as conversas dos adolescentes mais velhos e o sonho de todo mundo fora cursar o ginasial no Oswaldo Aranha, que vivia essa experiência. Privilegiados esses que passaram por lá, até o sonho acabar, esmagado por forças retrógradas que preferem normalmente impingir pesadelos à sociedade...
Matéria publicada anteriormente no Blog Planet Polêmica, em 2014. 

Nenhum comentário:

Postar um comentário