terça-feira, 1 de abril de 2014

Germano Mathias : O Grande Príncipe da Malandragem no Samba Paulista - Por Luiz Domingues

Se o samba sempre foi associado ao Rio de Janeiro sob uma primeira instância e à Bahia através de uma segunda leitura, não pode-se afirmar que em São Paulo não houvesse guarida para tal estilo musical. Pelo contrário, muitos artistas genuinamente paulistas, marcaram na história do samba e nem precisamos recorrer à uma enciclopédia para lembrarmo-nos de imediato, dos Demônios da Garoa, aliás, considerado pelo Guinness, o conjunto musical mais antigo do mundo em plena atividade, ao bater vários grupos formados em torno das vertentes da Soul Music & R'n'B da música negra norteamericana que ostentam tal característica em termos de longevidade e sobre os próprios Rolling Stones, em relação ao Rock.

Adoniran Barbosa é uma outra referência básica e lógica, sendo natural a sua associação intimamente ligada aos Demônios da Garoa, como o grupo que tornou-se o seu principal intérprete. Outros exemplos pululam facilmente mediante uma uma pesquisa básica e claro, salta-nos aos olhos a figura de Germano Mathias.

Se no Rio, uma figura carismática como Moreira da Silva, representara a malandragem romântica da noite boêmia, com o seu chamado "samba de breque", em São Paulo surgiu alguém nessas características, entretanto ao construir a sua identidade própria, ultra paulistano até a medula, e esse artista é Germano Mathias.

Paulistano do bairro do Pari, Germano Mathias surgiu no mundo artístico nos anos cinquenta, e logo mostrou-se a destoar do padrão visual em torno de cantores a apresentar-se trajados com "smoking", que apareciam nos programas de TV de então, com as suas vozes impostadas, e a exagerar no gestual melodramático & afins. Germano mostrava-se simplório na maneira em apresenta-se, sem nenhuma preocupação em mostrar-se apresentável aos parâmetros da classe média burguesa, e pelo contrário, ao fazer uso de vestimentas simples, ao mostrar-se como um homem comum do povo, ou seja, uma novidade para os padrões da época.

Musicalmente, o seu samba revelava-se como o popular ouvido pelas ruas, com letras a exprimir o cotidiano do trabalhador. as suas dificuldades & agruras, e também sobre a felicidade expressa nas pequenas coisas da vida e claro, a relação homem / mulher vista por esse viés do homem simples do povo, coloquial e muito realista. Claro, fãs de Adoniran Barbosa; Demônios da Garoa; Jackson do Pandeiro; Zé Keti; Moreira da Silva e outros artistas populares desse espectro, naturalmente interessaram-se e passaram a acompanhar o trabalho de Germano no decorrer de sua carreira.

Característica musical típica de seu samba, foi a forma sincopada para cantar. Sem grandes explicações da teoria musical para não entediar ninguém, apenas digo que a "síncope" é um recurso rítmico, onde o acento no tempo forte é modificado, com um sutil prolongamento.

É bem verdade que não foi Germano Mathias quem inventou esse estilo. Cantar sincopadamente fora a marca registrada de Cyro Monteiro, outro grande nome da MPB da velha guarda, mas Germano o fazia como recurso extra em sua malandragem típica.

Dos anos cinquenta em diante, Germano prosseguiu a produzir bastante. Discos como : "Em Continência ao Samba", "Hoje é Batucada", "Ginga no Asfalto", "Samba de Branco", "O Catedrático do Samba" e "Samba é Comigo Mesmo", proporcionou-lhe uma carreira de respeito.

Ele permaneceu por um tempo em recuo sabático, sem gravar, e nesse ponto, caiu um pouco no esquecimento do público, após 1974, e dessa forma, somentó voltou a lançar um novo trabalho em 1997, infelizmente. 

Tornou-se igualmente, uma personalidade celebrada em programas ao estilo "Mesa Redonda de Futebol" na TV, pois sempre levou a sua irreverência a tais programas, para amenizar o clima tenso que sempre é gerado pelas polêmicas, naturais ou as "armadas"e típicas desse tipo de atração esportiva. 

Em 1984, tive o prazer em dividir o camarim de um teatro com ele e outros artistas. Tratou-se dos bastidores de um programa de TV que iniciava então as suas atividades, chamado : "Perdidos na Noite".

Na verdade, foi um programa derivado de uma atração que já existia no Rádio e que agora começava uma carreira televisiva. No rádio, chamava-se : "Balancê" e era veiculado pela Rádio Excelsior / Globo de São Paulo. Tratava-se de um programa anárquico, por intercalar matérias sobre futebol (as chamadas "sonoras", com os boletins a reportar o cotidiano dos clubes), e atrações artísticas, geralmente a apresentar músicos a lançar os seus respectivos discos ou a divulgar os seus shows e atores de teatro a divulgar as suas peças em cartaz. Eu participei várias vezes desse programa (mais de dez, segundo os meus registros), com o Língua de Trapo e também com A Chave do Sol, dois grupos em que fui componente. O seu apresentador era um rapaz robusto, ex-repórter de campo de transmissões esportivas, chamado : Fausto Silva...

Nesse dia em específico, eu estava com o Língua de Trapo e nós dividimos o camarim com as outras atrações da noite : Germano Mathias; Martinha (sim, aquela da Jovem Guarda); o quarteto Pop-brega "Genghis Khan"; a banda de Rock Ultraje a Rigor; e o então jogador do Corinthians, Biro-Biro. Nem preciso dizer o quanto foi divertida essa mistura improvável...

Germano interagiu fortemente com o Laert Sarrumor, ao contar piadas em uma animada roda de conversa, ao mostrar-se muito simpático e confirmou a imagem que tínhamos dele : um artista sem nenhuma afetação ou estrelismo, ou seja, um homem autêntico e simples do povo.

Mal típico do Brasil, o esquecimento do público é cruel com os artistas; a arte e a cultura como um todo. Pois tirante uma aparição na "Virada Cultural" de São Paulo, em 2010, ele anda sumido da mídia e dos grandes shows.


Se fosse nos Estados Unidos, uma artista popular da importância de Germano Mathias seria reverenciado para sempre. Guardadas as devidas proporções, Germano Mathias é para o samba, o que Chuck Berry o é para o Rock'n Roll. Aqui, o descaso revolta. 

Pois eis que leio uma matéria no jornal, ao dar conta que uma das últimas apresentações ao vivo do malandro, foi através de um improvisado show realizado em um colégio, onde ele teria trocado o seu merecido cachet por uma bolsa de estudos para o seu neto. Tremenda atitude nobre dele como artista e avô, contudo, ao mesmo tempo, que tristeza para o Brasil, ver uma situação dessas, onde um grande artista, que tanto contribuiu para a cultura, esteja em dificuldades financeiras, às vésperas de completar oitenta anos de idade (ele é de junho de 1934).

É assim que o Brasil trata seus artistas e isso precisa mudar ! Germano Mathias é um tremendo malandro do bem. A sua malandragem boêmia é romântica e inofensiva ao comparar-se a certas manifestações de subcultura que grassam por aí, hoje em dia. Trata-se de um poeta popular e muito inspirado, grande figura humana e um tremendo contador de"causos".

Matéria publicada inicialmente no Site / Blog Orra Meu, em 2014.

2 comentários:

  1. Germano Mathias é fantástico. Seu esquecimento é um sintoma nosso. Ele ainda faz shows, para nossa alegria. E vai sair uma minissérie na globo em que ele atua. Ele mesmo disse em uma apresentação, na minha cidade: "A globo lembrou que eu existo". Pois é...

    Obrigado pelo texto!

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    1. Julio :

      Fiquei muito contente com sua visita ao Blog e leitura de meu texto, mas sobretudo pelo comentário elogioso e com direito à uma adendo sensacional.

      Uma minissérie da Globo, com a presença de Germano, será uma oportunidade excelente para ele voltar à tona, lugar onde um grande artista popular como ele, jamais pode sair.

      Grato pela participação e fica o convite para visitar meu Blog, sempre !!

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