sexta-feira, 2 de maio de 2014

No Telhado com Jefferson Airplane; Godard & Pennebacker - Por Luiz Domingues

Jean-Luc Godard já era uma celebridade desde o final dos anos cinquenta, por ter chamado a atenção dos cinéfilos do mundo inteiro, graças aos seus filmes realizados mediante forte teor político e riquíssimo em metáforas.

Um dos maiores expoentes da escola de cinema, "Nouvelle Vague", Godard extrapolou as fronteiras dos cinéfilos e estudiosos de cinema, ao tornar-se um nome conhecido, embora a sua obra não seja nada fácil para ser assimilada pelo público em geral. Com a efervescência contracultural total que precipitou-se na década de sessenta ao redor do mundo, Godard, assim como o diretor italiano, Michelangelo Antonioni (outro extraordinário diretor de cinema), interessou-se em aproximar-se do universo da cultura Pop; Contracultura; Flower Power; Rock & afins. Antonioni insinuara um pouco da atmosfera da "Swinging' London" de 1966, em "Blow-Up", e depois em 1970, realizou  outra obra forte com tal teor, em "Zabriskie Point" filmado na América do Norte.

No caso de Jean-Luc Godard, em 1968, ele entrou com a sua câmera e muitas ideias na cabeça, dentro do estúdio onde os Rolling Stones realizavam as sessões de gravação do álbum : "Beggar's Banquet", e a intercalar com cenas dramatúrgicas sob forte teor político (ao misturar os Panteras Negras e militantes ideológicos marxistas), lançou "One Plus One", também conhecido como "Sympathy for the Devil".

Ainda em 1968, ele partiu para a América do Norte, onde faria um novo projeto, mas a buscar o mesmo mote da militância política de esquerda (uma avaliação equivocada de sua parte, aliás, pois o Rock não fora uma manifestação esquerdista, como ele idealizara), misturada à efervescência do Rock naquele momento, como agente libertário e contestador.


Godard teria um apoio sensacional na América, na pessoa do documentarista norteamericano, D.A. Pennebacker, que era mais que seu amigo pessoal e admirador de sua obra cinematográfica. Pennebacker, na verdade, fora o distribuidor da obra de Godard nos Estados Unidos e por ser um documentarista muito famoso e importante na cena norteamericana, forneceu todo o suporte técnico, inclusive como cinegrafista e diretor de fotografia.

Ao ir além, Pennebacker também ostentava um currículo de filmagens com forte teor político. São famosos os seus documentários a cobrir grandes comícios de John Fitzgerald Kennedy; Martin Luther King e outros militantes importantes da política norteamericana nos anos cinquenta e sessenta. Porém, o seu forte mesmo foi os documentários com artistas do Rock, tanto filmagens de shows históricos (Pennebacker filmou dúzias de shows de Jimi Hendrix; Janis Joplin; o festival de Monterey de 1967, e muitos outros).

Portanto, por conhecer muitos artistas importantes de primeira grandeza da cena do Rock norteamericano, e também por estar envolvido com os maiores agitadores culturais da época e das lideranças Hippies mais proeminentes, Pennebacker foi o sujeito certo na hora certa, para Godard poder empreender o seu novo projeto.

A ideia básica foi seguir a linha mestra usada em "One Plus One" (ou Sympathy For the Devil", como é mais conhecido no meio Rocker e entre fãs ardorosos dos Rolling Stones), ou seja, seriam cenas de dramaturgia com o mote político, intercaladas com cenas de shows de Rock ou a evocar tal cena, ao mesclar-se.


Nesses termos, o Jefferson Airplane, uma das bandas mais loucas da cena psicodélica norteamericana de então, foi contactada a participar. A espetacular banda de Kantner; Slick & Cia. mantinha um trabalho musical consistente, e no campo das letras das suas músicas, apresentava uma contundência contestatória interessante, ao falar sobre questões políticas e o que estava em voga naquele instante, foram os protestos contra a atuação norteamericana no Vietnam (Volunteers of America !). Havia outros artistas com atuação ainda mais contundente em termos de contestação sociopolítica, casos de Bob Dylan; Joan Baez, e a banda "Country Joe and the Fish", por exemplo, mas Godard quis a presença do Jefferson Airplane na sua película.

A ideia da filmagem foi inusitada para a época : seria um show surpresa, desprovido de uma estrutura básica, sem permissão das autoridades e a ser realizado em um local inóspito, que não fosse um palco tradicional de um teatro; casa noturna ou de um evento em específico. Dessa forma, o Jefferson Airplane montou um equipamento de forma rápida e improvisada, no telhado de um hotel na cidade de Nova York (Hotel Schuyler, na esquina da 40 West, com a Five Street).

As tomadas tinham de ser feitas de uma forma muito rápida, para aproveitar-se ao máximo o tempo em que conseguiriam tocar antes de ser interrompidos pelas autoridades, notadamente a polícia, que certamente faria uma intervenção forçada. Pennebacker, pessoalmente, foi um dos cinegrafistas e a sua câmera posicionou-se em um prédio do outro lado da rua, dentro de um consultório médico.

Segundo a vocalista, Grace Slick, aquilo foi muito excitante para a banda e através de uma conversa interna com os seus companheiros, chegou-se à conclusão de que valeria muito mais a pena, gastar-se com advogados, se eventualmente fossem presos, como um investimento de carreira, não só pela banda figurar em num filme do grande diretor, Godard, mas pelo efeito publicitário que esse show-Guerrilha exerceria na mídia. Literalmente, -"seria uma ação mais eficaz gastar com advogados, a contratar um assessor de imprensa" (eu não criei esta frase, mas Grace Slick a proferiu com todas as letras, na época)... e não deu outro resultado.

Mal a banda começou a tocar, a polícia foi chamada imediatamente. Pessoas saíam às janelas nas cercanias, atônitas com o som de uma banda de Rock a soar de algum lugar absolutamente insólito. As pessoas que caminhavam na calçada, também ficaram desnorteadas pela manifestação inusitada e claro que o rebuliço estava causado, e é evidente que Godard e Pennebacker estavam a esmerar-se para aproveitar cada segundo, antes que alguma autoridade tirasse o gerador de eletricidade da tomada...

Sem dúvida que o padrão de atendimento da polícia norteamericana, neste caso, foi inoportuno, pois eis que as viaturas chegaram muito rápido e ordenaram o término da apresentação imediatamente, sob pressão. Deu para capturar uma música apenas : "House at Pooneil Corners", e assim o Jefferson Airplane antecipou em pouquíssimo tempo, o que os Beatles repetiriam em Londres, quando fizeram um show relâmpago no telhado do prédio sede da gravadora Apple, em janeiro de 1969.

Para os olhos do mundo, a ação dos Beatles entrou para a história como algo muito mais notório e inédito, mas na verdade, o Jefferson Airplane foi quem tocou no telhado de um edifício, antes. Quanto ao filme, Godard enfrentou dificuldades com essa produção e pôs-se a postergar a sua finalização. Por ter envolvido-se em outras produções, ele engavetou o projeto por muitos anos, até que Pennebacker tomou a iniciativa e ao assumir a produção, editou o material filmado e o lançou com outro título : "One PM", visto que originalmente, Godard o batizara como : "One AM" (One American Movie). Pennbacker brincou com o trocadilho sobre a mudança de horários do dia, que os norteamericanos adotam (AM-PM).

E a performance do Jefferson Airplane no telhado, foi lançada em 2004, no DVD : "Fly Jefferson Airplane", também editado e lançado por Pennebacker. Dá para assistir a rápida performance da banda, que está postada no You Tube.

Mesmo inacabado, podemos afirmar que Godard também fechou com duas obras ao evocar a cultura sixtie, assim como Antonioni também o fizera. Pennebacker remediou a situação, ao salvar a película e transformá-la em um documentário, e dessa forma, anexou mais um documentário histórico em seu currículo inacreditável.

Muitas bandas imitaram essa loucura de show-guerrilha em locais inusitados, mas ninguém fez desse ato, algo histórico como os Beatles em janeiro de 1969, na Inglaterra e o Jefferson Airplane em novembro de 1968, na América do Norte.

Matéria publicada inicialmente no Blog Limonada Hippie, em 2014.

Nenhum comentário:

Postar um comentário