domingo, 11 de novembro de 2012

Elia Kazan e o Macartismo - Por Luiz Domingues

 
Era a noite da cerimônia do Oscar de 1999, e como de costume, chegou o momento da entrega do prêmio honorário. Todo ano a Academia homenageia um grande nome do cinema, pelo conjunto da obra e neste ano, o agraciado foi o consagrado diretor, Elia Kazan.
Grandes nomes do cinema, entre atores; produtores e diretores vinham a receber esse reconhecimento desde os anos vinte e artisticamente a falar, não havia nenhuma surpresa em ter um diretor da importância de Elia Kazan, como homenageado. Todavia, quando esse momento chegou, uma reação radical de vários convidados ilustres sentados na plateia, chamou a atenção, para tornar impossível que a geração de imagens oficial do evento, pudesse disfarçar o descontentamento de muitos com a presença de Kazan no palco, para receber o seu Oscar. Ed Harris; Ed Bengley Jr.; Nick Nolte; Holly Hunter; Ian McKellen, entre outros, recusaram-se a aplaudir e a ostentar propositais semblantes pesados, mostraram claramente estar a protestar contra tal decisão da Academia. Rod Steiger; Richard Dreyfuss e Sean Penn chegaram a formalizar uma nota de repúdio formal na Academia antes da cerimônia e no caso de Sean, fora também algo pessoal, pois o seu pai fora vítima das perseguições do Macartismo.
E afinal de contas, o que Elia Kazan teria feito que tivesse causado tanta contrariedade e o que significou o Macartismo ? Ao retroagir aos anos quarenta, a história mostra que o
ambiente político ideológico, logo após o final da segunda guerra mundial, afunilou-se para a dualidade entre o capitalismo e o comunismo, com os Estados Unidos da América a assumir o comando do bloco capitalista e a União Soviética ao estabelecer o mesmo em relação ao comunismo.
Estabelecida a polarização ideológica em que o mundo colocou-se, a guerra fria passou a monopolizar todo o jogo estratégico da política; militarismo e das agências de espionagem. E claro, toda uma rede de pessoas oriundas de todas as camadas da sociedade, engajou-se em esforços colaborativos, para atuar em diversas atividades, notadamente a espionagem, com direito às delações.
Instaurou-se uma pesada instituição nos Estados Unidos, denominada : "Comitê de Investigações de Atividades Anti-Americanas". E o seu principal artífice, foi o senador, Joseph McCarthy.
Truculento e fanático, comandou uma arbitrariedade atrás da outra, ao violar os direitos civis, sob uma lamentável demonstração só conhecida em países de terceiro mundo.
Tamanha foi a sua contundência nos tribunais inquisidores (algo parecido com as CPI's que parlamentares convocam, aqui no Brasil), que logo o seu nome ficou marcado e o termo "Macartismo" ("McCarthyism", em inglês), tornou-se o emblema dessa fase arbitrária da história norteamericana. E que não impressione-se o leitor, pois do lado soviético, estratégias iguais ou mesmo piores do que essa, foram usadas com direito ao terror arbitrário, não tenha dúvida disso, por isso deixo claro, não estou a defender nenhum dos lados dessa mesma moeda.


Pessoas de qualquer estrato social, de todas as profissões, eram convidadas a esclarecer denúncias vazias que davam conta de suas supostas atividades anti-americanas (leia-se pró-União Soviética), sob uma "caça às bruxas" sem precedentes, desde as bruxas (literais...) de Salém.
Nesses termos, artistas tiveram as suas carreiras destruídas, mediante muitas vezes, falsas denúncias. Professores; cientistas; estudantes universitários, e artistas tornaram-se os principais alvos, ou seja a intelectualidade. Muita gente sofreu boicote, ao ter que buscar outro rumo na vida, visto ser impossível trabalhar, mediante a perseguição. Houve casos de suicídios, inclusive.
Um dos mais célebres prejudicados por essa perseguição, foi sem dúvida, Charles Chaplin. E com isso, tal artista exilou-se na Suíça, sem condições de viver mais nos Estados Unidos.
A lista de perseguidos foi enorme e só com a mobilização da opinião pública, graças às denúncias (foi corajoso, sem dúvida), do jornalista, Edward R. Murrow (da CBS), McCarthy foi desmascarado, execrado e caiu no ostracismo.Tarde demais, pois muitas pessoas inocentes tiveram suas vidas destruídas indevidamente por denúncias falsas. E o que Kazan teve com isso ?
Nascido em Constantinopla, em uma época onde o Império Otomano ainda comandava a região, Elia Kazan era filho de gregos. Emigrou então para os Estados Unidos com a família, e assim, Kazan cresceu a interessar-se por teatro inicialmente e posteriormente nutriu simpatia pela revolução soviética.
Tornou-se um entusiasta da causa proletária, principalmente durante os anos trinta, em meio à grande depressão decorrente da crise da Bolsa de Valores de Nova York, em 1929. Segundo as suas próprias palavras, o mote das peças teatrais que dirigia nessa época, seria em torno de "contos de fadas típicos, onde as injustiças sociais eram superadas pela mobilização das massas." No início dos anos quarenta, Kazan chegou à Hollywood e ao estabelecer uma guinada de posicionamento, abandonou sumariamente os seus ideais de outrora.
Já no fim dos anos quarenta, passou a fazer delações para o Comitê de McCarthy, ao entregar pessoas que supostamente agiam de forma "anti-americana".
Em seu filme clássico, "On the Waterfront" ("Sindicato de Ladrões"), Kazan retrata quase sua auto-confissão, com a história de um homem dividido entre manter a lealdade ao sindicato ou denunciar as falcatruas deste, à polícia.
Infelizmente no caso do tribunal da "caça às bruxas" de McCarthy, a realidade não era bem essa, e muita gente inocente foi prejudicada por denúncias falsas ou infundadas. 


Eu considero Kazan, um grande diretor.
Filmes como : "On the Waterfront"; "Pinky"; "A Streetcar Named Desire"; "Viva Zapata"; "East of Eden"; "Splendor in the Grass"; e "Wild River", entre outros, são obras significativas demais, em minha ótica. Portanto, prefiro separar o artista do homem comum, que colaborou com uma onda de arbitrariedades. Isso foi execrável, claro e além de Kazan, nomes fortes de Hollywood também participaram desse esforço de delações, como o criador de personagens tão adorados no mundo inteiro e cheios de candura, um certo Walt Disney...

Portanto, foi compreensível o protesto político de muita gente, quando Elia Kazan, já idoso, subiu ao palco para receber o seu Oscar, em 1999, aliás merecido, pela grande obra artística.

4 comentários:

  1. Foi uma época negra (dg. mais uma) nos EUA. Foi bem feio por lá. Vi um filme que contava esta nada nobre estória. Bj

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  2. Foi barra pesada mesmo, com registro, inclusive, de suicídios de pessoas que ficaram totalmente desesperadas com a perseguição.

    Obrigado por ler e comentar, amiga Lourdes.

    Beijo !

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  3. Oi, Luiz

    Para algumas pessoas é difícil separar a arte da política. Particularmente, acho isso um problema, pois
    pode acabar com pessoas que tem talentos artísticos. Deixaram de lado a arte dele. Porém, é difícil julgar. Seria uma longa discussão, e acabaríamos enveredando para a política.
    Quanto a ele ter sido um delator, é triste, e ele não foi o único. É uma triste passagem na história dos EUA.
    Abraços
    Janete

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  4. Oi, Janete !

    Sim, é realmente uma lástima que se misturem as coisas. Como disse no texto, eu separo o artista Kazan do homem, nessa questão.

    Claro que não acho bonito o papel de delator, seja lá onde for e sob que ideologia professar. Delação é uma postura muito feia.

    Verdade, outros artistas de Hollywood também enveredaram por esse caminho. Samuel Fuller e Nicholas Ray entre outros, fora o Walt Disney, que citei na matéria.

    Uma página triste na história norte-americana, sem dúvida. McCarthy foi execrado públicamente, ainda bem, graças aos esforços do jornalista Edward R. Murrow, da CBS.

    Muito obrigado por ler e comentar !!

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