domingo, 10 de agosto de 2014

Hinos Manchados pelo Sangue - Por Luiz Domingues



Somos educados desde a tenra idade, a decorar o hino nacional e mesmo sem entender a maioria das palavras ali contidas, tendemos a não preocuparmo-nos com a interpretação de seu significado a conter metáforas; analogias e outras figuras de linguagem implícitas em sua verborragia cívica. A maioria dos hinos nacionais dos países, é antigo e isso explica muito o por quê do uso de palavras pouco usuais ao coloquial moderno, não só da nossa compreensão em português, mas a valer para todas as línguas, praticamente.

A exaltação das respectivas belezas e recursos naturais de cada país, são costumeiras, assim como o enaltecimento de características humanas observadas na cultura e psiquê de  seus respectivos povos, mas existe um dado além, que chama a atenção pela grande profusão, e trata-se do caráter bélico, contido na maioria dos hinos nacionais ao redor do planeta. Isso é compreensível, na medida em que por serem antigos, geralmente, trazem carga em anexo de uma mentalidade arcaica e arraigada em valores norteados por disputas territoriais que remontam à Idade Média e em alguns casos, até à Antiguidade. Fala-se muito no conceito da vida e morte; luta, defesa da honra e da fronteira, como o mais alto valor a ser defendido. Não é incomum observar-se nas letras dos hinos, citações de batalhas; guerras & revoluções; sangue derramado; dor e sofrimento de seu povo; restrições & penúria material etc.

Geralmente ninguém dá conta de que a mentalidade generalizada em tais composições, perpetua valores segregacionistas, com todo mundo a defender com unhas e dentes o seu pedacinho de chão, a sua língua e a cultura particular, em detrimento de uma visão mais macro do planeta, como casa de toda a humanidade, sem fronteiras como dizia o brother Lennon na sua canção, Imagine.

Em época de Copa do Mundo e Olimpíadas é que a mídia dá mais ênfase na execução dos hinos das nações participantes de tais jogos e aí, escancara-se toda essa constatação que venho a estabelecer. A começar pelo hino brasileiro, onde observa-se algumas colocações que corroboram tal tese. Por exemplo : “Verás que um filho teu não foge à luta”, nem teme, quem te adora a própria morte”...

No da Itália, seria natural que exaltassem as glórias do Império Romano, mas convenhamos, sob o fio afiado das espadas ou gládios, para sermos precisos : “Com o Elmo de Scipio, cingiu sua cabeça, onde está a vitória, lhe estenda a coma, que escrava de Roma, Deus a criou... estamos prontos para a morte, a Itália chamou... estamos prontos para a morte”...

No de Portugal, foi natural que exaltasse-se a coragem dos descobridores, via tradição marítima, mas contém truculência, também : “Ás armas, às armas, sobre a terra e sobre o mar... contra os canhões, marchar, marchar”...

Não tenho dúvida que o hino da França é um dos mais belos, senão o mais belo do planeta. Mesmo não sendo francês e não tendo nenhuma identificação com tal nação, quase todo mundo arrepia-se quando ouve a Marselhesa, todavia, quem já parou para analisar que tal hino foi criado no calor de uma revolução sangrenta e retrata na sua letra, ipsis litteris, um banho de sangue, ainda que a lutar por nobres ideais de liberdade  (bem entendido, para a situação daquela época) ?

Nem reproduzirei trechos da letra, porque nesse caso, a letra inteira exalta os cidadãos a marchar, lutar e derramar o seu sangue...

O hino inglês exalta a monarquia e isso não surpreende em nada, ao levar-se em conta o tradicional espírito conservador britânico. Mesmo ameno e formal, tem lá seu lado raivoso : “Ó senhor nosso Deus, venha dispersar seus inimigos... e fazê-los cair... confunda sua política, frustre seus truques fraudulentos”...

O México expressou em seu hino, o trauma da dizimação dos povos pré-colombianos, através dos ataques perpetrados pelos colonizadores espanhóis, pois fala em defesa do solo, que cada cidadão é um soldado em potencial e a espada dos arcanjos está ao seu lado para a eventualidade... caso parecido como hino da França, abstenho-me de reproduzir frases, pois é inteiro calcado nesses valores em favor do belicismo.

De nosso vizinhos argentinos, o espírito libertador do jugo colonialista europeu, espírito comum em todos os países latinoamericanos, nos traz a frase emblemática : “Coroados de glória vivamos, ou juramos com glória morrer”...


A Argélia mostra também o seu lado de exaltação da força em defender-se : “Juramos, pelo raio que destrói, pelos rios de generoso sangue derramado... somos soldados em revolta, pela verdade”...

A Grécia traz o enaltecimento do seu passado da antiguidade tal como a Itália que cita Roma, mas ao invés de exaltar a sua cultura privilegiada de outrora, via filosofia e artes, fala do belicismo : “Reconheço-te pelo gume do teu terrível gládio”...

Enfim, para não tornar esta matéria gigantesca, encerro por aqui, mas acredite amigo leitor, os hinos nacionais, salvo honrosas exceções, ainda trazem como teor de suas exaltações, o espírito bélico em seu bojo, sob uma visão nada amistosa da convivência entre os povos e a considerar que na verdade, a casa onde moramos, o planeta Terra, pertence a todos e a divisão com arame farpado, de pequenos terrenos, é mera invenção sociopolítica e ultrapassada em termos humanistas.
Matéria publicada inicialmente no Blog Planet Polêmica, em 2014

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