quinta-feira, 20 de setembro de 2012

Roberto Piva, Beatnick da Paulicéia - Por Luiz Domingues


Mesmo através de uma época onde as comunicações deixavam a desejar no quesito velocidade, podemos afirmar que o movimento Beatnick não chegou com grande atraso à terra tupiniquim. E dessa forma, a literatura libertária produzida por escritores como : Jack Kerouac; Allen Ginsberg; William Burroughs, entre outros, espalhou-se quase simultaneamente entre alguns jovens paulistanos, a produzir uma vontade imediata, pela identificação causada, em extravasar no papel, a sua veia literária e libertária, digamos. Roberto Piva foi um deles.

Nascido em São Paulo, em 25 de setembro de 1937, Roberto Piva teve outras influências marcantes na sua juventude, além da Beat Generation, que mescladas, imprimiu-lhe uma sólida base.

A começar pelo Marquês de Sade, que certamente apontou-lhe a trilha do erotismo, e passar pelos malditos da literatura francesa oitocentista, com Rimbaud e Baudelaire na cabeceira.

O teatro de Antonin Artaud e o cinema de Pier Paolo Pasolini, também impressionou-lhe fortemente, sem dúvida e tudo condimentado devidamente pela poesia de Álvaro de Azevedo e Jorge de Lima. Sem contar que Piva foi um dos maiores especialistas em Dante Alighieri, cuja obra estudou à exaustão, no Instituto Cultural Ítalo-Brasileiro.
Também entusiasta do surrealismo, foi um dos poucos (ao lado de Claudio Willer e Sérgio Lima) a ser resenhado pela revista francesa : "La Breché Action Surrealisté", editada por André Breton. Com tudo isso a reverberar decisivamente em sua imaginação, foi evidente que o impacto da literatura Beat imprimiu-lhe a dose final para que pudesse formatar a sua obra contundente.
A sua primeira obra publicada constou na antologia de novos poetas : "Antologia dos Novíssimos", de 1961 (Editora Massao Ohno).
Mas foi através de seu livro, "Paranoia", de 1963, que ele ganhou o destaque que tratou em torná-lo verdadeiramente conhecido e respeitado no meio literário brasileiro. A riqueza de suas múltiplas influências certamente abriu-lhe um diferencial em relação ao modus operandi dos poetas Beat, norteamericanos. Ao invés de seguir a marca registrada das impressões colhidas nas ditas "Road Trips", Piva concentrou-se nas imagens paulistanas que rodeavam-no. A sua substância poético forjou-se em meio a viagem pelas ruas da Pauliceia e o encontro com seus meandros; submundos e tipos.

De certa forma a redescobrir São Paulo, após Mário de Andrade já ter passado por essa epifania nos anos vinte, Piva agora a via pelas lentes do movimento Beat, com muito Jazz; anfetaminas e sexualidade lasciva. E assim, evoca em sua obra as "locomotivas uivantes", "cadillacs sem sangue" e "a garoa cinza que engrossa num céu de cimento"... as portas da percepção escancaram-se através dos Beatnicks, para antecipar a lisergia contracultural dos Hippies que viriam a seguir.
Seguiu-se : "Piazzas" (1964); "Abra os Olhos e diga Ah !" (1975); "Coxas" (1979), e "20 Poemas com Brócoli" (1981), entre outras obras significativas. Tornou-se admirado pelas gerações posteriores, protagonizou diversos encontros literários; saraus & palestras, sempre animadas pela sua declamação inflamada. Nos seus últimos dias, mostrou interesse pelo tema do xamanismo.
Roberto Piva deixou-nos em 3 de julho de 2010, ao abrir uma lacuna difícil para ser preenchida na literatura paulista e brasileira.

Matéria publicada inicialmente no Site / Blog Orra Meu, e republicada no Blog Pedro da Veiga, ambas em 2012

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