sábado, 15 de setembro de 2012

Filme: The Wiz (O Mágico Inesquecível) - Por Luiz Domingues


Você conhece aquela brincadeira do telefone? Você contava um fato a uma criança, que repassava um terceiro participante e assim sucessivamente, até que a última desse círculo, contava à primeira criança que iniciara a conversação, o que ouvira, e esta verificava que a história estava completamente diferente. Em relação ao filme: "The Wiz" ("O Mágico Inesquecível"), lançado em 1978, parece que o seu resultado de crítica e da parte do público, foi motivado por alguma fator nesse sentido da brincadeira que citei neste parágrafo e creio que eu poderei explicar o que eu quis dizer com essa alegoria.
Em sua raiz inicial, tudo começou com a criação de um escritor fantástico, chamado: Lyman Frank Baum, um autor  norte-americano que viveu entre 1856 e 1919. Dono de uma imaginação fértil, ele também foi um estudioso de ocultismo (foi um dos primeiros membros da Sociedade Teosófica norte-americana, vinculada à famosa Sociedade Teosófica de Londres, Inglaterra). Autor de vários livros a retratar universos mágicos e fantásticos, criou um em específico, que tornar-se-ia um best-seller, chamado: "The Wizard of Oz" ("O Mágico de Oz").
Sucesso absoluto, gerou outros livros ambientados em tal universo que inventou, o Reino de Oz e assim a obra original, foi transposta para o cinema em 1939, para gerar um sucesso retumbante e inquestionável, ao fazer dele, um filme cultuado para sempre.
Em 1976, uma adaptação da história para o universo do Rock e ambientada no interior da Austrália, chegou às telas, com o nome de "Oz", dirigido por um cineasta conhecido  como: Chris Löfvén. Filme rústico, sem muita produção, passou ao largo em termos de visibilidade, mas apesar dos pesares, tal obscura película contém os seus (poucos) méritos. Aliás, tal obra australiana consta neste livro com a sua respectiva resenha.

Ainda nos anos setenta, o compositor, Charlie Smalls adaptou a história para o universo afro-americano, ao transformá-lo em um espetáculo musical para o teatro, e de fato, foi um sucesso essa versão chamada: "The Wiz".

Mediante a existência de boas canções e uma excelente produção, a peça musical fez bastante sucesso na Broadway, e outros circuitos teatrais por onde excursionou. Impressionado pelo sucesso na Broadway, a Motown, a mítica gravadora especializada em Black Music, comprou os direitos da peça e bancou a sua adaptação para o cinema.

Logo de imediato, gerou-se controvérsia a mão de ferro em exigir a presença da cantora, Diana Ross, a todo custo para interpretar o papel de "Dorothy". 

No livro de L. Frank Baum, Dorothy é uma menina adolescente, e assim, muitos anos depois quando foi adaptado ao cinema, em 1939, escalou-se a então atriz/cantora adolescente, Judy Garland, para interpretar Dorothy, com sucesso retumbante. Pois nessa versão "black" para o cinema, Diana Ross convenceria como Dorothy, aos 33 anos de idade?  Bem, como tratou-se da versão, da versão da versão... usar-se uma licença poética mastodôntica foi o que não faltou nessa versão cinematográfica. Todavia, tal escolha gerou um mal-estar na produção do filme, ao ponto do primeiro diretor contratado, John Badham, desistir da tarefa. Ele alegou que adorava a cantora, Diana Ross e acreditava no potencial dela como atriz e dançarina, mas a sua idade cronológica naquele instante, mostrava-se completamente inadequada para defender a personagem.
Foi então que se contratou o grande, Sidney Lumet, um diretor com fama e currículo gigantesco, muito respeitado no mundo cinematográfico, e que ao contrário, não considerou suportável contar com Diana para defender o papel. O que é um diferente ponto-de-vista, não é mesmo? Pois Lumet acreditou na capacidade de usar-se a licença poética em nome da arte, ao menos no campo teórico, visto que o filme deixou a desejar em outros aspectos.


E por outro lado, p objetivo de Barry Gordon, o mandatário máximo da gravadora foi prestigiar ao máximo o seu elenco musical e dessa forma, nada o demoveu de sua insistência, e assim, Diana Ross interpretou, Dorothy, sob uma condição, digamos, bem "madura".
E Michael Jackson, já a descolar-se da sua famosa (e ótima) banda que manteve com os seus irmãos, o Jackson Five (posteriormente foi simplificado o nome da banda para "Jacksons"), foi escalado para interpretar o personagem do "espantalho".
É bom situar inclusive, que por uma questão de meses, o Jackson Five havia assinado com uma outra gravadora e não trabalhava mais com a Motown, contudo, Gordon bancou a presença de Michael Jackson no filme, mesmo que não fosse mais um contratado de sua gravadora. Ted Ross fez o leão covarde, e Nipsey Russell, o homem de lata. O ator de ofício, Richard Pryor, interpretou o Mágico de Oz. 

Tal produção teve tudo para dar certo, pois senão vejamos: um ótimo elenco (apesar da dúvida sobre Diana Ross, por estar madura demais para o papel); um diretor do quilate de Sidney Lumet, roteiro por Joel Schumacher, e garantia de uma trilha espetacular, com o melhor do Soul e do R'n'B, a esperar-se dos artistas vinculados à gravadora Motown. Todavia, a expectativa frustrou-se por completo quando o filme foi exibido no cinema...
Para início de conversa, a história ambientada no Harlen novaiorquino, pareceu uma imitação barata de "Godspell", com o figurino utilizado; coreografias e ambientações em externas, muito semelhante a esse outro musical filmado em 1973.
E o seu maior trunfo, por incrível que pareça, a música, não deslanchou. 

Na abertura, o espectador/ouvinte anima-se ao imaginar que vai ouvir Soul Music com alta qualidade, mas à medida que o filme avança, ao deparar-se com canções pouco significativas, sob arranjos com teor Pop, no mau sentido do termo e assim, "pasteurizados", ao deixar toda a tradição da velha gravadora Motown para trás, em busca de uma sonoridade "moderna" com a preocupação em adequar-se à então em voga "Disco Music". Típica manifestação na metade/final de anos setenta, ou seja, deixa muito a desejar.
E o pior de tudo, da história original do Mágico de Oz, não sobrou quase nada, assassinado pela licença poética extrema que praticou-se nesta versão, isto é, se tal fato chegasse aos ouvidos do escritor, L. Frank Baum, dentro daquela brincadeira do telefone que eu citei no início da resenha, a sua reação provavelmente seria afirmar algo como: -"mas... eu não escrevi isso"... 
Ainda a repercutir a parte musical, Quincy Jones foi o produtor. Foi nesse trabalho efetivamente que a amizade entre ele e Michael Jackson frutificou-se e no futuro não muito distante, ainda ao final dos anos setenta e principalmente ao dos anos oitenta, Quincy Jones seria o produtor dos álbuns mais bem sucedidos da carreira solo de Michael Jackson, ao menos pelo aspecto comercial, visto que eu, particularmente, tenho a impressão que sob a análise mais artística, o melhor de Michael esteve contido nos álbuns que gravou com os seus irmãos, a bordo do grupo, Jackson Five, entre o final da década de sessenta e início dos anos setenta. A constar da trilha deste filme, ouve-se canções como: "Glinda's Theme", "Soon as I Get Home", "Believe in Yourself, Dorothy", "So You Wanted to See the Wizard", "Emerald City Sequence", "Poppy Girls", "Is This What Feeling Gets?", "Can I Go On" e outras.


Algumas canções são boas, mas os arranjos extremamente pasteurizados desapontam. Se o espectador for um da Soul Music, R'n'B ou o Funk (o verdadeiro), e eu incluo-me em tal rol, haverá por verificar que essa trilha sonora gera uma expectativa grande, mas que simplesmente não chega a contento, ao gerar-se uma enorme frustração.
Sobre outros atores não citados anteriormente: Lena Horne (como Glinda, a "bruxa má do sul"), Mabel King (como Evillene, a "bruxa má do oeste"), Thelma Carpenter (como Miss One, a "boa bruxa do norte"), Theresa Merritt (com a tia Em e também, Shelby Gale), Stanley Greene (como o tio Henry), Clint Jackson (como o gnomo verde), Gloria Van Scott (a garota do Rolls Royce), Johnny Brown (como o pretendente da Tia Em) e outros atores de apoio. Quincy Jones aparece a tocar piano em uma cena, além de haver também aparições rápidas de outros artistas da música, tais como: Roberta Flack e Luther Vandross, entre outros músicos e cantores reais.
Uma boa explicação para o roteiro ter sofrido transformações externas, bem fora do contexto do livro original escrito por L. Frank Baum, talvez resida no fato de que o roteirista, Joel Schumacher, estivesse muito influenciado por uma linha de pensamento nessa época, a tratar-se de uma filosofia criada por um sujeito chamado, Werner Erhard, e conhecida como "Est". Tal linha de pensamento filosófico, mostrava-se como uma nova perspectiva para enxergar o papel do homem no planeta, a erradicar a fome e o sofrimento, portanto, a mostrar-se como algo nobre, em tese.


Mesmo a fugir da designação a portar-se como uma "seita", na prática foi o que ocorreu em algum momento, enquanto a "Est" existiu e nessa trajetória, muitos artistas e intelectuais tornaram-se membros e entusiastas da filosofia, e no caso, Schumacher foi um desses admiradores.

Diana Ross, segundo consta, também se entusiasmara com a filosofia proposta por Werner Erhard. Enfim, graças ao deslumbramento da parte de Schumacher com tal pensamento, muitas falas foram escritas para exprimir tal filosofia, através de alguns personagens, portanto a fugir do livro original e gerar uma estranheza para quem conhecia bem a história do Mágico de Oz.

Nesses termos, com um texto a conter anomalias: uma Dorothy a mostrar-se como uma mulher madura e pela música que não deslancha, o filme reverberou negativamente e fracassou de uma forma retumbante nas salas de cinema. O fiasco foi tão grande, que não cobriu nem a metade do valor gasto com a produção e provocou por sua conta, o cancelamento sumário de outros musicais que estavam a ser cogitados na época. Frequentemente tal fracasso é considerado pelo prisma histórico, como o fim da década de ouro do cinema "Blaxpoitation", ou seja, os  filmes feitos para explorar a cultura Black nos Estados Unidos e que tanto sucesso houvera feito na década de setenta.
A crítica massacrou o filme e desta vez, acho que não haveria outra alternativa, infelizmente. Falou-se muito mal da escolha de Diana Ross para viver a personagem, Dorothy, por conta da sua idade: criticou-se com ênfase a trilha sonora (opa, parece que a decepção não foi apenas minha, então), e um  certo jornalista chegou a escrever que a canção, "Believe in Yourself, Dorothy", foi a pior música já inserida em um musical, em todos os tempos. E também se falou muito mal sobre o roteiro, exatamente sobre essa opção do roteirista, Joel Schumacher, em inserir as pérolas da filosofia "Est" nos diálogos, para usar o filme como uma espécie de panfleto da seita. Chegou-se ao ponto em até ironizar-se tal espécie de panfleto da seita. Chegou-se ao ponto em até ironizar-se tal prerrogativa de sua parte, ao escrever-se: -"Believe in Est, Schumacher", ou seja, uma demonstração de escárnio nada sutil.

Tal sonoridade imposta por Quincy Jones nesta trilha sonora, norteou a carreira solo de Michael Jackson doravante, a corroborar a minha opinião pessoal que foge completamente  ao senso comum, eu sei, e o leitor pode considerar-me como um purista exigente e intransigente, até, mas em minha avaliação, a Black Music não é isso.
Baseado no livro: The Wizard of Oz", de L.Frank Baum. Roteiro de Joel Schumacher. Produção de Rob Cohen. Direção de Sidney Lumet. Música por Quincy Jones. "The Wiz" foi lançado em outubro de 1978.

Este filme entrou naturalmente para o circuito de TV, mas dado o seu fracasso nas bilheterias, não chamou a atenção em demasiado também na TV. Lembro-me de tê-lo visto ainda em canal aberto, no início dos anos oitenta e a minha reação inicial deve ter sido a mesma de muitas pessoas que nutriram as melhores expectativas possíveis, ou seja, a decepção com a trilha sonora a mostrar-se mais acentuada do que em relação à própria história e produção em si, visto que tirante as crianças, qualquer adulto leva em consideração o fator da fantasia quando pensa em "O Mágico de Oz", portanto, não é possível esperar uma maior densidade dramática para uma fantasia eminentemente infantil.
Nos anos oitenta, a obra chegou às lojas e locadoras, a versão em VHS e ao final da mesma década, uma edição com extras foi relançada. Em 1999, foi lançada a versão em DVD e em 2008, uma edição de luxo do DVD, foi relançada, como parte da comemoração pelos quarenta anos do lançamento do filme. Em 2010, chegou enfim a sua versão em formato Blu-Ray.

Bem, apesar dos inúmeros problemas que este filme acumulou por tantos equívocos cometidos em sua linha de condução, acho que vale a pena assistir-se ao menos por uma vez, nem que for para conferir a subliminar qualidade de algumas canções, a despeito do arranjo infeliz que foi usado, e também para assistir-se alguns astros da Black Music em ação, junto a um bom grupo de atores. E quanto ao diretor, Sidney Lumet, eu nunca soube de alguma declaração dele a lamentar essa obra, no entanto, certamente que é um item maculado em sua filmografia maravilhosa. Ou seja, ninguém é perfeito. 
Tal filme teve uma passagem pelos canais da TV a cabo, certamente, oportunidade em que eu gravei a minha cópia pessoal, aliás, nos anos noventa. Na internet, na atualidade de 2012,, está disponível em versões pagas nos portais, Google Play e YouTube. No YouTube gratuito, há fragmentos; a trilha sonora completa para escutar-se, os trailers oficiais e até micro documentários sobre o seu processo de filmagem. Em portais menores, é possível ser encontrado na íntegra, como por exemplo, em um portal chamado> Trak.tv e em outros, a procurar-se.

Esta resenha foi publicada inicialmente na Rádio/Blog do Juma em 2012. Posteriormente, foi revista e ampliada para fazer parte do livro: "Luz; Câmera & Rock'n' Roll" e está disponível para a leitura através do seu volume II, a partir da página 47.

2 comentários:

  1. Não conheci esse musical mas geralmente não dá certo essas "licensas poéticas" em demasia, pelo menos os livros que eu li e que viraram filmes foi uma bomba!
    A história desse black OZ me faz acreditar cada vez mais que quando não se tem honestidade com a arte genuína , a corrupção de intenções malogra o resultado .

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  2. Sou obrigado a concordar com seu reciocínio, Tarta. No caso específico de "The Wiz", a adaptação do livro para o filme clássico de 1939, foi praticamente ipsis literis. Quando adaptaram a versão Black para o teatro, já mudou muita coisa, mas a música era de primeira linha. Quando chegou ao cinema, diluiu-se completamente e nem com a presença de astros do cinema como Richard Pryor e da música como Diana Ross e Michael Jackson, conseguiram salvá-lo e isso é quase imperdoável se somar-se à ideia de que o grande diretor Sidney Lumet assinou a direção e Joel Schumacher, o roteiro.

    Um desastre, infelizmente...

    Obrigado por ler e comentar !!

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