quarta-feira, 17 de abril de 2013

TV Record, Padrão de Excelência nas Décadas de 1950 e 1960 - Por Luiz Domingues

A TV Record de São Paulo, foi fundada oficialmente em 27 de setembro de 1953, e teve como o seu patrono, o empresário, Paulo Machado de Carvalho.
Foi a terceira emissora de TV criada na praça de São Paulo, para tornar-se a nova concorrente das duas emissoras já existentes na ocasião : TV Tupi (1950) e TV Paulista (1952). Entrou no mercado com muita determinação, ao desejar empreender uma atuação de TV com qualidade, com programação bastante eclética e apuro técnico de ótimo padrão, ao considerar-se os investimentos iniciais com equipamentos de ponta para os padrões da época, fora as instalações físicas das quais dispunha e pela contratação de técnicos e artistas com alto gabarito profissional. Se por um lado, a TV Tupi já estava sedimentada e apoiada pelo poder de fogo dos Diários Associados, controlados pelo empresário, Assis Chateaubriand, a outra concorrente, a TV Paulista, mantinha-se com parcos recursos, todavia, esforçava-se ao máximo, ao usar de muita criatividade e na base do improviso, tinha uma interessante grade, com boas atrações.
Portanto, a TV Record entrou no ar, sob uma certa pressão, por saber que precisava trabalhar firme, para vencer os seus concorrentes, e claro, isso fora o início de uma disputa sadia, para  engrandecer a TV brasileira, que nessa época, apenas engatinhava. No dia da sua inauguração, o primeiro programa exibido foi um musical, conduzido por Sandra Amaral e Hélio Ansaldo.
Talvez tenha sido um prenúncio do quanto a música seria bem tratada nessa emissora, nos anos vindouros.
Mas os esportes também revelar-se-iam muito importantes nessa emissora. Sem dúvida, por conta de uma pessoa dotada de espírito esportivo, Paulo Machado de Carvalho, como dono e mentor, não poderia ser diferente e para quem não sabe, ele seria, anos depois, o chefe da delegação brasileira nas vitoriosas campanhas realizadas nas Copas do Mundo de futebol, em 1958 e 1962, e a sua biografia já foi enfocada, em um outro texto de minha autoria, basta procurar no arquivo deste meu Blog.
Na primeira foto, José Geraldo de Almeida. Em relação à segunda, trata-se do grande locutor esportivo, Raul Tabajara, e esta foto foi um oferecimento de seu filho, Emílio, que gentilmente cedeu-me esse material de seu acervo familiar

Segundo consta na história da TV brasileira, a primeira "Mesa Redonda", protagonizada por jornalistas esportivos, para analisar o futebol, foi criada na TV Record, em 1954, com a liderança de José Geraldo de Almeida e Raul Tabajara.
Na linha infantil, os palhaços, Arrelia (interpretado pelo grande, Waldemar Seyssel), e Pimentinha (Walter Seyssel, sobrinho de Waldemar), colocaram o seu famoso :"Circo do Arrelia" no ar, para alegrar as crianças nas manhãs de domingo.
O humorista, Manoel de Nóbrega, trouxe o seu programa radiofônico, "Praça da Alegria", para conquistar um enorme sucesso na linha do humor popular.  

Ainda nos anos cinquenta e a atravessar pelos anos sessenta, tornou-se praxe da TV Record, apresentar artistas internacionais de destaque e transmitir ao vivo os seus shows. Esse padrão de qualidade musical tornou-se a marca registrada da simpática emissora e entre tantos astros, destacaram-se : Charles Aznavour; Louis Armstrong; Bill Halley and His Comets; Ray Charles; Nat King Cole; Marlene Dietrich, Sarah Vaughan etc.
Um programa que também fez história, foi o "Show do Dia 7", apresentado pelo jornalista, Blota Junior, e tratava-se de uma revista diversificada, a conter música; sketches de humor e teatro; entrevistas com personalidades e outras variedades, apresentado uma vez por mês, com pompa e circunstância, sempre no dia 7, em uma agenda móvel, a fim de privilegiar o número que a estação usava no dial televisivo, em São Paulo.

Houve época onde as manhãs de domingo mobilizavam a cidade inteira. Foi a fase da Grande Gincana Record, uma espécie de reality show pré-histórico, com equipes formadas pelos bairros da cidade, a enfrentar-se em torno de uma série de provas. Outro programa que mexia com os brios cívicos da criançada e adolescentes, foi o Festival de fanfarras escolares, onde os colégios públicos e particulares esmeravam-se para causar boa impressão, em desfiles transmitidos ao vivo, direto do Vale do Anhangabaú.

Um comunicador que veio do rádio, chamado : Abelardo Barbosa, iniciou uma bela trajetória quando estreou o seu programa : "A Hora do Chacrinha", na emissora paulista.
Outro programa infantil que teve enorme sucesso nos anos sessenta, foi "Pullman Jr.", obviamente patrocinado por essa indústria panificadora. A linha de desenhos animados estrangeiros, que a emissora exibia, foi a da melhor safra de sua época, ao popularizar em larga escala as produções dos estúdios Hanna-Barbera, norteamericano.
Com a condução da então mocinha, Cidinha Campos, e de Durval de Souza, esse programa durou dezesseis anos no ar, para encantar as crianças e formar uma geração de consumidores de pães e bolos e a inevitável mania para colecionar os talheres de plástico coloridos que vinham encartados nas suas respectivas embalagens (quem foi criança na década de sessenta, sabe do que falo...).

Tudo isso foi muito marcante, todavia, foi no campo da música que a Record teve os seus melhores momentos, nessas décadas de ouro de sua história. Muitos programas sensacionais foram criados e entraram para a história, não só da televisão brasileira, mas da música, igualmente.
Por exemplo, "O Fino da Bossa", onde a nata da MPB apresentou-se e como se não bastasse tais aparições sensacionais, o casal de apresentadores foi formado por Elis Regina e Jair Rodrigues.

E muitos outros programas surgiram : "Essa Noite se Improvisa"; "Alianças para o Sucesso"; "Caras e Coroas"; "Guerra é Guerra"; "Show em Si... Monal"; "Corte Rayol Show", "A Hora do Bolinha" etc. Outro programa, a centrar o foco na Velha Guarda da MPB, chamou-se : "Bossaudade". Com Elizete Cardoso e Ciro Monteiro como apresentadores, foi um espaço muito importante para artistas veteranos, ao atingir um público mais velho.
E o contraponto foi um estouro, ao gerar-se até um movimento estético / comportamental. Para extrapolar as expectativas mais otimistas de seus produtores, a "Jovem Guarda" tornou-se um fenômeno, que trouxe um glamour enorme e abriu o caminho para outras plataformas de receitas possíveis, quando o incipiente marketing começou a ser exercido como agente agregador.
Como se não bastasse esse frenesi nas ditas "jovens tardes de domingo", a TV Record mergulhou forte no universo dos festivais de MPB.
A repercussão histórica de seus festivais, revelou ao grande público, artistas que instantaneamente tornaram-se ídolos da nova MPB, e tal sucesso retumbante inspirou outras emissoras a criar os seus respectivos festivais, e quem ganhou com isso, foi a música popular brasileira.  

No campo da polêmica, a TV Record criou o sinistro, "Quem Tem Medo da Verdade" (?), para combater o "Pinga-Fogo", da concorrente, TV Tupi.
Extremamente tenso e polêmico, tal programa teve o objetivo em sabatinar personalidades de diversas áreas da sociedade, mas geralmente ao centrar os seus esforços em artistas populares, sob uma fórmula de inquisição agressiva. Entrou para a história, como uma espécie de julgamento moral, muito pesado, portanto polêmico. Artistas tais como : "Zé do Caixão"; Grande Otelo; Roberto Carlos, e outras personalidades, foram "julgadas" sob um clima tenso, e até mal educado, para causar um desconforto, mas que agradava o público, exatamente por isso.

Na linha de filmes e séries internacionais, a Record chegou em um ponto em que deteve as melhores opções do mercado.


A grades, vespertina e noturna, foram recheadas das melhores produções internacionais, e houve um momento onde a TV Record inovou, ao trazer atores internacionais para entrevistas, a fim de promover séries de sucesso. Causou furor, por exemplo, quando o ator, Jonathan Harris, que interpretava o sensacional, "Dr. Smith", da série, "Lost in Space" ("Perdidos no Espaço"), sentou-se no famoso sofá da entrevistadora, Hebe Camargo, e conheceu nessa ocasião, o seu dublador brasileiro, o saudoso e genial ator, Borges de Barros.
Outro programa na linha do humorismo e que entrou para a história, foi : "A Família Trapo". Tal atração seguiu a linha de uma encenação teatral ao vivo, ao mostrar a vida de uma família completamente maluca. Com texto escrito por Jô Soares e Carlos Alberto de Nóbrega, foi hilário e marcou época.
No campo da dramaturgia, a Record também teve atuação de destaque, embora nunca tenha sido o seu carro chefe. Entre pequenas produções ao estilo "sitcom", encenações teatrais adaptadas e novelas, propriamente ditas, a TV Record teve a sua colaboração, também.

Contudo, os anos de ouro da TV Record estavam por encerrar-se. Vítima de um incêndio |(jamais explicado adequadamente, inclusive), a TV Record obteve um prejuízo muito além do financeiro.
O início dos anos setenta marcou os primeiros anos em termos de dificuldade financeira e decadência artística. Com a ascensão meteórica da TV Globo, e a sedimentação da TV Bandeirantes, a TV Record já não conseguia manter o padrão de excelência dos anos anteriores e modestamente, pôs-se a cair. Já sem a possibilidade para manter uma grade de programas musicais com aquela qualidade de outrora, já não conseguia manter um departamento de jornalismo e esportes competitivo. Tampouco conseguia comprar as melhores séries e desenhos animados internacionais e a sua dramaturgia não pôde mais acompanhar o nível da TV Globo, e nem mesmo da TV Tupi.
Arrastou-se, portanto e assim viveu com lampejos de criatividade, para contentar-se em ser a quarta, às vezes quinta emissora no ranking de audiência, ao perder muitas vezes para emissoras com menor porte como a TV Gazeta, e também para a estatal, TV Cultura. Nos anos oitenta, boatos sobre sua precariedade financeira deram a entender que a empresa poderia fechar as suas portas em qualquer instante. Sem saída, a família, Machado de Carvalho, não teve outra alternativa, portanto, no início dos anos noventa, teve que vender a emissora para um grupo religioso que a domina desde então. Entretanto, os anos de ouro da emissora ficaram mesmo nas décadas de 1950 e 1960, sob a condução de Paulo Machado de Carvalho, sem dúvida, como emissora laica, sem vínculos religiosos.

Resta-me acrescentar que eu tenho algumas ligações pessoais com a TV Record. Em 1970, eu tinha dez de idade e o meu pai conheceu uma pessoa envolvida na produção de shows e dramaturgia da TV Record. Segundo essa senhora, a emissora estava a procurar crianças da minha faixa etária, para participar do programa do ator / cantor / comediante, Moacyr Franco.
Foi ao final do ano de 1970, e lá fui eu participar do programa : "Moacyr Franco Show," gravado no palco do Teatro Paramount. Eu participaria de um sketche de humor, onde ele, Moacyr interpretava um de seus personagens famosos, o mendigo ("hey, você aí : me dá um dinheiro aí"...). Um grupo de crianças precisava interpretar os seus muitos filhos, e a atuação revelou-se bem simples, com as crianças apenas a precisar fingir euforia, ao receber presentes de natal do pai, e depois ficarem tristes, quando o dono da loja retirava-lhes os respectivos embrulhos, por alegar que o pai não poderia pagar por eles.
Foi na verdade uma sketch bem "chaplineana", pois o elemento da tristeza pela dificuldade sócio / financeira, fez-se presente, para emocionar, ou pelo menos, tentar provocar tal reação ao telespectador e também ao espectador ao vivo no teatro, durante a gravação do programa. Nessa atuação, eu estive acompanhado de um primo meu, pois o meu pai culminou em providenciar uma vaga para mais um menino. O pessoal da produção gostou de nós dois, como "atores", e convidou-nos para atuar em mais uma edição do programa, na semana seguinte. O meu primo adoeceu, e perdeu a chance, mas eu fui.
Desta feita, participaríamos de um número musical. A ideia foi cantar junto com o Moacyr Franco, em volta de um piano.  A canção, só fomos aprender quinze minutos antes do programa iniciar-se. Foi uma balada melodramática com sabor bem popularesco, ao estilo do Moacyr (reconheço que ele canta bem, mas o seu espectro sempre foi o popularesco, na base do forte apelo às camadas mais simples da população).
Foi muito constrangedor para a maioria das crianças, meninos e meninas perdidos (eu incluso), sem saber o que fazer diante de uma canção que não conhecíamos. Mas, a contrapartida foi que eu adorei conhecer os bastidores do teatro, com a coxia cheia de figurantes; dançarinas e técnicos em frenesi; ao parecer uma balbúrdia, com tudo sendo improvisado longe dos olhos da plateia. Apesar dessa atuação apagada (confesso, sem conhecer a música, fingi estar a cantar na maior parte do tempo e mal consegui sorrir para os meus pais que estavam alojados em um camarote bem perto do palco, tamanho o meu constrangimento...), recebi o convite para fazer um teste, para atuar como ator mirim em uma novela que entraria no ar, em 1971.


Seria uma adaptação do texto : "O Príncipe e o Mendigo", e os então jovens atores, Kadu Moliterno e Nádia Lippi, seriam os protagonistas. Cheguei a receber um script para decorar, mas desisti da empreitada, pois atuar como ator, definitivamente não seria a minha vocação, nem que eu desejasse isso e além do mais, nunca foi o caso.

Muitos anos depois, eu tive novos contatos com a TV Record, entretanto, por atuar na minha área, a música. Entre 1984 e 1986, participei de programas, ao atuar com duas bandas onde eu fui componente naquela década : A Chave do Sol e Língua de Trapo.
Lembro-me de atuações em programas femininos vespertinos, ao empreender as indefectíveis "dublagens" e uma atuação especial, em um programa chamado : "Frente Jovem", gravado no Palácio das Convenções do Anhembi, onde A Chave do Sol atuou junto aos Engenheiros do Hawaí; Hanoi-Hanoi, e pasmem... Menudo...todavia, essa história eu conto posteriormente, na plataforma correta (está publicada com detalhes nos meus Blogs 2 e 3). Em suma, a TV Record teve a sua importância fundamental na história da TV brasileira e fez muito pela cultura, em seus anos de ouro.


Matéria publicada inicialmente no Site / Blog Orra Meu, em 2013

2 comentários:

  1. Sou filho do Tabajara, e a foto mostrada nesse site não é a dele, como posso enviar uma foto correta da da época?, meu email : emiliojose@gmail.com

    ResponderExcluir
    Respostas
    1. Olá, Senhor Emílio !

      Antes de mais nada, quero agradecê-lo pela visita em meu Blog. E também peço desculpas pela não postagem de foto correta, de seu pai, o grande Raul Tabajara. Agradeço portanto pela correção e gentil oferecimento de uma foto adequada, que receberei e postarei com prazer. Já enviei-lhe um E-mail com meus endereços para o senhor poder enviá-la. Caso não o tenha recebido, avise-me por favor, para que eu possa reenviá-lo.

      Visite sempre o meu Blog, ficarei contente com sua presença por aqui.

      Grande abraço !

      Excluir