quarta-feira, 3 de julho de 2013

Gerações - Por Luiz Domingues

Não há nada mais idiossincrático do que usar o surrado clichê : "no meu tempo era melhor". Tendemos a formatar ideais e ideias na adolescência e por conseguinte, criamos a ideia de que a década onde a vivemos, por associação, é o melhor dos tempos. Ícones culturais de tal época perpetuam-se no imaginário, e automaticamente, tendemos a considerar os ícones vindouros, mais "fracos" do os que elegemos em "nossa época".

Isso é um pressuposto corroborado por estudos da psicologia, sociologia e antropologia, em linhas gerais. Contudo, há por separar o joio do trigo. Não podemos generalizar, de forma alguma.
Sob uma análise fria, isenta de emoções pessoais e preferências, portanto, posso afirmar que se tomarmos o século XX como um painel comparativo, temos uma visão clara que diferencia uma geração de outra, a tomar por parâmetro um estudo baseado em décadas cheias, por exemplo. Deixo claro que minha análise é livre e baseada em décadas e não em conceitos sócioantropológicos sobre gerações que existem no mundo acadêmico (Baby Boomers; Geração X; Y; Z; "millenium" etc). 

Dessa forma, os anos "zero" do século passado, ou seja, o período de 1901 à 1910, apresentou uma juventude linear, sem grandes marcas que destacasse-lhe como força motriz pulsante, e capaz de promover grandes mudanças sócio / culturais, e tampouco comportamentais. Pelo contrário, pode-se afirmar que tal geração, seguia ipsis litteris, a tendência que permeou todo o século XIX, ou seja, a observar um continuísmo dos padrões vigentes, sem nenhum incômodo, aparentemente.
Para seguir esse padrão, foi uma juventude pouco participativa e subserviente aos padrões que recebeu como educação e seriamente comprometida com a ideia em perpetuá-los, portanto, a educar os seus filhos e netos com os mesmos valores.
Na segunda década, tímidas mudanças, ocorreram e podemos elencar dois motivos básicos para tal : a popularização do cinema, como elemento artístico de massa e o advento da I Guerra Mundial e sempre que surge um evento impactante desse porte, claro que as atenções do cotidiano são desviadas, para que uma preocupação maior. assuma as discussões na sociedade.

Já nos anos vinte, eis uma grande reviravolta no panorama conservador de outrora, literalmente. A geração vintista entrou para a história como uma das mais libertárias, ainda que o objetivo nunca tenha sido exatamente esse, pois muitas vezes esbarrou na libertinagem, pura e simples, sem medir as consequências. Claro, faz-se uma ressalva em relação aos radicais da política e dois polos antagônicos cresceram nessa década : o fervor pelo comunismo, via União Soviética e o crescente nazi / fascismo na Europa, como exemplos.
Todavia, no campo das artes, foram anos prolíficos, com produção em todas as áreas, notadamente no cinema; literatura e nas artes plásticas, com escolas  estilísticas avantgarde, a dar as cartas e dessa maneira influenciar milhões de pessoas em relação à nova perspectiva para criar-se uma sociedade diferente dos padrões antigos até ali observados.
Muitos historiadores associam os anos vinte, aos anos sessenta, como exemplo de duas décadas envoltas em extrema euforia, gerada por tais ideias e ideais. Eu concordo e acho que existe mesmo essa similaridade. 

Os anos trinta trouxe uma geração mais amarga e não poderia ser diferente. A quebra da Bolsa de Valores de Nova York, em 1929, arrasou a economia, a provocar uma onda semelhante a um Tsunami, e dessa forma, milhões de pessoas ficaram a mingua e portanto, tal geração criou ranços de desesperança; amargura e pouca fé por dias melhores. Claro que tivemos ícones culturais positivos nessa década, mas foi inevitável que fossem marcados por essa amargura, devida à penúria. E onde há dificuldade, há a possibilidade de radicais fomentarem o ódio, ao eleger os supostos culpados pela penúria.
Dessa forma, não foi ´para estranhar-se que o nazi / fascismo tenha crescido e tomado o poder em países europeus estratégicos, como Alemanha; Itália e Espanha. Nos anos quarenta, a geração ficou no fogo cruzado causado pela II Guerra Mundial e de suas consequências terríveis. O medo marcou essa geração e não houvea tempo para pensar-se em nada, além de lutar pela própria vida e cada um tentar proteger a sua família.
O vazio do pós-Guerra, alimentado pelo medo da bipolarização no confronto da Guerra Fria e a iminente aniquilação nuclear, gerou na juventude cinquentista, a vontade em romper com tudo. 

A geração Beat (que na verdade continha sementes geradas nos anos trinta, dentro dos trens, onde clandestinos perambulavam "sem destino" à cata de oportunidades de sobrevivência), teve essa forte razão interior. 

A ideia em romper com o sistema foi "branca", sem intenção revolucionária. Fora apenas o sentimento de entrar na Rota 66, com uma mochila nas costas e viver um dia de cada vez.
Contrastava com outra parcela da sociedade que vivia o oposto. Foi o deslumbre pelo "American Way-of-Life", ou seja, vislumbrar viver em uma linda casa de subúrbio; cheia de modernos eletrodomésticos, um carrão e a grama bem aparada pelo seu filho adolescente.
Mas aí veio o Rock'n Roll e os filmes libertários do cinema e sim, a juventude cinquentista teve o "topete" (perdão pela brincadeira com o ícone da década...), para vislumbrar mudanças. Foi essa juventude que começou a questionar o sistema, via geração "Beat". A questão do feminismo e dos direitos civis dos negros, na América do Norte, entrou para a pauta do dia, sob uma ação sem precedentes na história.
Chegamos à década de sessenta. Não escondo de ninguém que  trata-se de minha década predileta, embora não seja exatamente a "minha", pois eu fui adolescente nos anos setenta. Eu deveria "gostar" mais da década de setenta por afinidade e sintonia pessoal, mas realmente acho que a anterior foi mais vital para a humanidade. Preciso arrolar os fatos e explicá-los ? 


Se os jovens cinquentistas tiveram os primeiros sinais de uma série de elementos que precisavam mudar na sociedade, foi na década de sessenta que a juventude foi às ruas e promoveu as mudanças. 

A pressão pela igualdade de direitos entre homens e mulheres; a grande luta pelos direitos civis para os negros; os protestos contra a existência de guerras, autoritarismo e afins; a quebra da ditadura de preconceitos etc. 

Tudo embalado pela contracultura, explosão do Rock como ícone de expressão e devidamente seguido por outros gêneros artísticos, igualmente libertários.
A busca pela liberdade, nunca foi tão comprometida com o poder da juventude e nesse sentido, ainda não tivemos outra geração que tivesse lutado e conquistado tantas coisas.



A geração posterior nasceu quase no sentido do continuísmo da anterior, mas de uma forma positiva. A década de setenta começou com o sentimento de que o bastão seria levado adiante, e com a obrigação em aperfeiçoar-se as conquistas da geração anterior. 


Todavia, na segunda metade daquela década, movimentos contrários surgiram, ao impor um retrocesso lamentável. Dividida, uma parte parte da juventude ficou obcecada por negar os valores da juventude sessentista e outra, quis resgatar o materialismo extremo do "American Way-of-Life", para tornar-se dessa maneira,  "Yuppies", cujo lema, "Greed is Good" ("ganância é boa"), inspirou o cineasta, Oliver Stone, a produzir o filme : "Wall Street", alguns anos depois. 


A geração oitentista foi norteada pelas duas forças, que na verdade mostrou-se como as duas faces de uma mesma moeda. Não é a toa que a década de oitenta é conhecida pelos historiadores, como a "década perdida". 

A geração dos anos noventa foi a primeira que floresceu sob a influência massiva da tecnologia em expansão. No entanto, é muito cedo ainda para analisar-se os prós e contras desse impacto. 

Houve um quê de retomada de algum valor de mobilização social, quando do advento das manifestações dos ditos, "caras pintadas" (ao referir-me especificamente ao Brasil, naturalmente), contudo, boa intenção a parte, a impressão que ficou, foi a de um movimento mais motivado por farra infanto / juvenil (ainda que tivesse um motivo nobre), do que ideologia. 

E o mesmo aplica-se à geração dos anos "zero", do novo século. A única questão perceptível desde já, é que os seus representantes são assépticos, pois cresceram sob a ditadura do "politicamente correto" e daí, um estrago e tanto está formatado em seu desenvolvimento psíquico, em uma primeira observação.

E a geração dos anos 2010, em vigor (escrevi esta matéria em 2013), parece estar a seguir os passos da anterior e é fascinada por tecnologia. Até aí, não vejo nada demais, mas o uso de tecnologia demanda sapiência e pelo que vê-se nas redes sociais, principalmente, não é nada animador o que está a produzir-se para aproveitar tais avanços.
Vamos torcer para que tal nova geração encontre um mote e que faça uso dessa prerrogativa, de uma forma muito inteligente. E sobretudo, que uma nova geração brilhante apareça, e dê mais alguns passos para tornar a sociedade, melhor.
Nota do editor : Este texto foi elaborado poucos dias antes das manifestações de junho de 2013, por todo o Brasil. Mesmo no calor de todo aquele barulho, é muito cedo para cravar que tenha sido um momento de relevância crucial, que deixe marcas e que portanto, torne a geração 2010, significativa por tal atitude etc (tomara que sim, mas tenho muitas dúvidas por conta da total suspeita em ter sido fruto de manipulações por trás, a conspurcar a espontaneidade dessa garotada...).

Matéria publicada inicialmente no Blog "Sou Bicho do Paraná", do amigo, Juma Durski, em 2013.

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