quinta-feira, 26 de julho de 2012

MMDC - Por Luiz Domingues


Infelizmente (como um reflexo previsível é bom que se diga), a memória em geral é muito maltratada no Brasil. Eventos históricos, personalidades, obras e monumentos perdem o seu sentido rapidamente, ao cair em esquecimento, muitas vezes de uma forma irreversível. Incluso o nome de pessoas que dão título para ruas, avenidas, praças e outros logradouros pelas cidades.
Entre tantos tristes exemplos nesse sentido de descaso com a sua própria história e cultura, o povo brasileiro de uma forma geral, ignora o significado de seus feriados. No caso específico de São Paulo, essa tendência ganha a agravante da histórica sina em torno da baixa autoestima dos paulistas (isso é um fato), sempre dispostos a falar mal de sua própria terra. Esse é um ponto.

Nesse contexto, de súbito, responda amigo leitor: sabe o que significa a sigla: "MMDC?" 

Não, nem pense em fazer contas por considerar se tratar de uma data observada sob algarismos romanos. Resumidamente, situo a explicação a respeito do significado dessa citada sigla, ao recuar para o anos de ano de 1930, quando Getúlio Vargas assumiu o poder na base da força e ao rasgar a Constituição vigente (de 1891), tratou por nomear interventores em todos os estados da federação (com exceção de Minas Gerais). 

A insatisfação por tal situação abrupta tomou conta de vários setores da sociedade, para gerar o clamor em prol da promulgação de uma nova constituição que cresceu para atingir o seu clímax no ano de 1932.

Estudantes paulistanos marcharam em direção ao escritório da ocupação revolucionária de Vargas, instalado na Praça da República, no centro da capital paulista. Rechaçado com violência pelas forças do governo central, esse ímpeto provocou a morte de quatro jovens. Três de forma instantânea e o último, três dias depois de agonizar em um hospital.

O nome desses quatro rapazes: Mário Martins de Almeida, Euclides Miragaia, Dráusio Marcondes de Sousa e Antonio Camargo de Andrade, cujas letras iniciais de cada nome elencado produziu a sigla, "MMDC". 

No dia seguinte dessa tragédia ocorrida no dia 23 de maio de 1932, se fundou a sociedade secreta: "MMDC", decisiva para eclodir a revolução, em 9 de julho de 1932. Um quinto estudante também ferido gravemente ficou à margem da sigla, por ter tido sobrevida no hospital. Esse quinto rapaz, veio a falecer em agosto de 1932, e justiça seja feita, Orlando de Oliveira Alvarenga merecia estar inserido na sigla, ao torná-la, "MMDCA".

Em princípio, o estado de São Paulo contava com o apoio de todos os outros estados neste clamor, mas no calor dos acontecimentos, ficou isolado, apoiado apenas pelo Mato Grosso. Sem condições para enfrentar o poderio federal, perdeu teoricamente a guerra, mas na pratica, não foi inteiramente vencido, pois Vargas sentiu-se impelido a promulgar uma nova Constituição, para começar, ainda que insipidamente, a restituir a normalidade democrática na nação, pelo menos parcialmente.

Lamento muito que essa suposta reivindicação legalista, que ceifou tantas vidas, gerou sofrimento, angústia e apreensão para os nossos antepassados, seja ignorada retumbantemente nos dias atuais pelo ponto de vista da história.

Deveríamos saber mais informações ao olharmos para o Obelisco do Parque do Ibirapuera, ou ao trafegar pelas Avenidas 9 de julho e 23 de maio e também através das Ruas Martins; Miragaia, Dráusio, Camargo e Alvarenga, localizadas no bairro do Butantã. Isso sem contar com diversos monumentos espalhados por cidades interioranas e litorâneas do estado de São Paulo, como o mausoléu aos Heróis de 32, no cemitério da Saudade, em Campinas, a Av. Voluntários de São Paulo, no centro de São José do Rio Preto e a Praça Heróis de 1932, na cidade de São Vicente, entre outras inúmeras manifestações nesse sentido.
Bem, agora que o leitor sabe o que significa "MMDC", rogo-lhe que pense bem sobre a liberdade democrática, no sentido em que custou vidas e o mínimo que podemos fazer em relação a isso, é respeitar o significado do feriado de 9 de julho, em todo o estado de São Paulo. 

E a pensar detidamente sobre o que significa ter liberdade, direitos civis assegurados, constituição e leis que sejam aplicadas para todos, realmente, é preciso ter em mente o outro lado da história. Se por um lado a revolução perpetrada por Vargas e seus apoiadores foi conduzida de forma violenta e instaurou uma ditadura que perdurou por anos, há também de se considerar que considerar a história analisada apenas por um lado, não é uma forma correta de se buscar entender o âmago dos conflitos e da política em específico.

Porquanto se Vargas liderou um movimento revolucionário para ele e seus seguidores e na visão dos oposicionistas, a se tratar de um golpe arbitrário, há de se ponderar que nos anos imediatamente anteriores ao movimento que levou Vargas ao poder, em 1930, a política brasileira estava a ser constituída por uma manobra escusa, apelidada pejorativamente como "política do café com leite" ou a trocar em miúdos, um conluio entre oligarcas paulistas e mineiros, uns produtores de café e ou outros de leite, para estabelecer uma farsa disfarçada de democracia que os mantinha sob uma vergonhosa alternância de poder e a reverter em privilégios para esses poucos que se julgavam senhores feudais.

Fruto da pressão econômica de quem se julgava dono do país, tais acontecimentos tornam a visão sobre a tomada arbitrária do poder por Vargas, relativa em alguns termos, pois truculência e opressão a parte, talvez a ação dos que tomaram o poder, não tenha sido em vão, mas para destruir uma velada forma de ditadura da parte de saudosistas da escravidão, entre outras barbaridades. Em suma, se por um lado a ideia paulista de reivindicar uma nova constituição e amenizar assim a ditadura imposta por Vargas teve a sua validade, por outro, vitimar-se eternamente por ter o poder da parte de sua elite cerceado e daí ter tido o ímpeto de se revoltar, é algo muito discutível.

De minha parte, enxergo que há prós e contras na visão dos dois grupos e claro, independente de qualquer consideração mais aprofundada a respeito, tenho consideração pelos jovens mortos, todos os que tombaram ou se machucaram e nesse sentido, acredito que os rapazes cujas iniciais deram sentido à sigla "MMDC", merecem a minha/nossa consideração.   

Matéria publicada inicialmente no Site/Blog Orra Meu, e republicada a seguir no Blog Pedro da Veiga, ambas em 2012

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