domingo, 14 de outubro de 2012

Borges de Barros, Uma Voz que Marcou - Por Luiz Domingues


Desde o advento da televisão no Brasil (inaugurada oficialmente em 18 de setembro de 1950, com a TV Tupi de São Paulo), o papel dos dubladores foi de suma importância. Elogiados por alguns, criticados por outros e ignorados pela maioria, os nossos abnegados dubladores tiveram desde os primórdios, um trabalho notável, ao fornecer inteligibilidade à produção estrangeira de filmes; seriados; documentários; shows; desenhos animados e outras produções em termos de audiovisuais.
Eu incluo-me no rol dos que reconhecem e enaltecem o trabalho desses profissionais. Cresci nos anos 1960, naturalmente impressionado pelos filmes; seriados e desenhos animados estrangeiros que passavam na TV, nessa década e nesse quesito, as vozes desses dubladores apresentou fator decisivamente influenciador para a minha geração.
Entre tantas vozes sensacionais que dublavam diversos personagens, destaco a atuação do ator, Borges de Barros, que além de dublador, foi também um comediante de bastante sucesso na TV e no cinema. Nascido como, Fileto Borges de Barros, em Corumbá, no Mato Grosso do Sul, Borges de Barros, nunca sonhou em ser artista.
Filho de uma família humilde, apenas esforçava-se para ajudar no sustento de seus irmãos, ao trabalhar como guarda-livros e a ser coroinha da paróquia local.
Por uma obra do acaso, ao fazer um trabalho escolar, onde a sua voz destacou-se, foi encaminhado à São Paulo, para fazer um teste de locução na Rádio Difusora. Logo perceberam que ele tinha uma capacidade inacreditável para modular a voz, e a produzir diversos timbres diferenciados. Pois com a chegada da TV e consequente legislação que foi criada ao visar dublar o material estrangeiro a ser veiculado, Borges deslanchou na carreira, para tornar-se rapidamente um dos maiores dubladores do Brasil, ao emprestar a sua voz dotada com timbres múltiplos, a uma enorme gama de filmes de longa-metragem; seriados; desenhos e documentários.
Ao aproveitar a crescente oportunidade surgida dentro do mercado publicitário inerente, Borges também passou a ser muito requisitado para as locuções de comerciais, ou "propagandas", como dizia-se naquela época.

Ainda nos anos 1960, Borges também atuou muito como comediante em programas de TV. O seu personagem do "mendigo aristocrata", era divertidíssimo, onde maltrapilho, fazia citações literárias, falava sobre assuntos culturais em geral e com uma sofisticação verborrágica que contrastava com a sua condição de penúria social, ao torná-lo um personagem incrível, nas gags do programa : "A Praça da Alegria".

Essa caracterização o levou ao cinema, onde atuou em : "Se meu Dólar Falasse" (de 1970), ao lado de Dercy Gonçalves; Zilda Cardoso; Grande Otelo etc. E também atuou em outros filmes nos anos setenta ("Uma Cama para Sete Noivos"; "Simão, o Caolho"; "Regina e o Dragão de Ouro"). Ele teve atuações igualmente em novelas, nas extintas TV Paulista e TV Tupi. Porém, foi como dublador que a sua fama cresceu de fato. Seu apelido no meio era : "O homem das mil vozes". Nas séries de TV, a sua voz ficou marcante em inúmeros trabalhos.
Entre as mais destacadas, cito a voz de Moe Howard, de "The Three Stooges" ("O Três Patetas). Quem nunca ouviu os incríveis impropérios que Moe dirigia aos demais Patetas ? -"Seu Cabeça de Pudim", é um clássico.
 
Em Batman, a série de 1966, Borges dublava o personagem "Pinguim", interpretado por Burgess Meredith. O seu desempenho nessa dublagem é sensacional, ao emoldurar toda a ironia fina do personagem, um vilão cínico, mediante uma língua afiada.
Mas foi em "Lost in Space" ("Perdidos no Espaço"), que o "seu" Borges esmerou-se. Ao criar aquela voz metálica e sombria para o personagem do Dr. Smith (interpretado por Jonathan Harris), Borges amplificou o personagem de uma maneira avassaladora.
Harris foi um ator excepcional, que já tinha extrapolado os limites dados pelos roteiristas da série, através da sua interpretação (com a anuência do produtor, Irwin Allen, que percebeu o potencial dessa modificação e incentivou Harris a prosseguir nessa caracterização anteriormente não prevista no roteiro), e na versão brasileira, a voz metálica e cavernosa que Borges imprimiu, só realçou todo o maquiavelismo do personagem, ao torná-lo ainda mais sensacional.
Quem foi criança nos anos 1960, sabe do que estou a falar, e todos os xingamentos que o Dr. Smith dirigia ao Robot ou os seus gritinhos e interjeições em momentos de medo ou egoísmo, marcou profundamente a nossa geração.
O sucesso de "Lost in Space" no Brasil foi gigantesco, e Jonathan Harris veio ao nosso país, em uma rara visita de um ator internacional de seriados por aqui, naquela época. Hoje em dia, o Brasil é alvo dos seriados como um dos maiores mercados do mundo, e atores vem à São Paulo, Rio e outras cidades brasileiras, como se estivessem em Los Angeles, para ações de promoção, mas naquela época, foi algo muito exótico para eles (e estratosférico para nós). 
Sob um inusitado encontro no programa de Hebe Camargo, então na TV Record de São Paulo, Jonathan Harris foi apresentado ao seu dublador brasileiro, Borges de Barros. Isso ocorreu em 1969. A série já havia acabado nos Estados Unidos, mas ainda exibia os seus últimos episódios decorrentes da sua terceira e derradeira, temporada no Brasil. 
Jonathan Harris, mesmo entender uma única palavra em português, percebeu que a dublagem forjara-se de uma forma impressionante e realçara o seu personagem. Pois então ele elogiou Borges de Barros e disse-lhe que fora sem dúvida, a melhor dublagem que ouvira, entre tantas, em meio a línguas estrangeiras para o seu personagem, o Dr. Smith. E de forma inusitada, pediu que o "seu" Borges dublasse toda a sua produção, não só o personagem do Dr. Smith. Dessa forma, diversas outras participações do ator, Jonathan Harris, em outros seriados, foram dublados por Borges de Barros, também.


Além disso, ele também foi o dublador oficial de atores como : Lionel Barrymore; Lee J. Cobb e Edward G. Robinson, em diversos longa-metragens onde esses veteranos atores atuaram, desde os anos trinta. 

Entre outras séries de TV em que ele atuou como dublador, a sua voz foi usada também em : "The Time Tunnel" ("O Túnel do Tempo"); "Voyage to the Bottom of the Sea" ("Viagem ao Fundo do Mar"); "Land of the Giants" ("Terra de Gigantes"); Bewitched" ("A Feiticeira"); "Lancer"; Here Comes the Brides" ("E as Noivas Chegaram"); "Jaspion" etc.

Em 2004, eu, Luiz Domingues, o encontrei em uma rua do bairro do Belenzinho, na zona leste de São Paulo. Ele estava visivelmente abatido e eu sabia, por ter lido na imprensa, que ele estava doente.
Foi bem próximo desse cruzamento, entra as ruas Conselheiro Cotegipe e Herval, no bairro do Belém, na zona leste de São Paulo, que eu encontrei e cumprimentei o grande, Borges de Barros, em 2004.

Quando ele passou próximo, eu o cumprimentei de uma forma cordial ao chamá-lo como : "seu" Borges e apertei-lhe a mão. Tive vontade em agradecer-lhe por ter sido responsável por uma das lembranças mais marcantes de minha infância e o quanto aquela voz maquiavélica do Dr. Smith fora importante para a minha imaginação infantil, entre 1966 e 1969.
Contudo, eu relutei... e naquela fração de segundos, a garganta travou e assim, eu não disse nada além de um cumprimento comedido. Talvez impressionado pelo aspecto fragilizado dele, naquele instante, com hematomas e cicatrizes (depois desse dia, tomei conhecimento que a doença e a idade debilitaram-no ao ponto de sofrer quedas constantes, daí os ferimentos). 
Arrependo-me amargamente de não ter dito-lhe o quanto admirava-o, pois pouco tempo depois, através de uma discreta nota publicada no jornal "Folha de São Paulo", tomei conhecimento de seu falecimento.
Acrescento a esta matéria, um dos bordões clássicos proferidos pelo personagem do Dr. Smith : "Never Fear, Smith is Here", que sob uma tradução não literal, na voz do "seu" Borges, o Dr Smith falava em nosso idioma português : "Nada tema, com Smith, não há problema". Mas eu encerro a afirmar : "nada tema, com Borges de Barros, não há problema"...


Matéria publicada inicialmente em uma comunidade : "Borges de Barros", na extinta Rede Social, Orkut, em 2010

8 comentários:

  1. O ator Jonathan Harris veio ao Brasil especialmente para conhecer a melhor dublagem do mundo e quis ver os estúdios e seu dublador. Que legal Luiz que você teve a oportunidade de apertar sua mão... Emocionante!

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    1. Muito legal, mesmo !!

      Também fiquei emocionado na hora, mas travei, porque ele estava muito machucado, cheio de hematomas no rosto e não quis aborrecê-lo com conversa amena. Talvez exatamente isso fosse o que ele precisava naquele momento, vai saber, não é ?

      Obrigado !!

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  2. Oi, Luiz

    Que lindo texto sobre Borges de Barros.
    Ele fez parte da minha infância, pois eu assistia a Perdidos no Espaço e Os Três Patetas, e adorava Praça da Alegria.
    Uma vez, li em algum lugar, que o próprio Manuel da Nóbrega é quem criou o personagem do mendigo aristocrata, por causa de uma experiência que ele teve, quando foi aos Estados Unidos. Disse que um mendigo sentou a seu lado, com um exemplar do The New York Time, e se pôs a falar sobre política.
    Parece que ele morou no Belém em seus últimos tempos, pois eu o vi algumas vezes.
    Parabéns, pelo texto.
    Abraços
    Janete

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  3. Oi, Janete !

    Obrigado, amiga !

    O Borges merece esse reconhecimento. Seu trabalho como dublador era sensacional e como comediante, idem.

    Essa estória que mencionou, procede. O processo de criação do personagem do mendigo, se deu dessa forma que descreveu.

    Sim, esse encontro meu com ele, foi na Marquês de Abrantes, esquina com a Conselheiro Cotegipe. Até arrumei uma foto desse cruzamento, com aquele casarão da esquina, como dá para ver. Ele morava na Marquês, no quarteirão entre a Cotegipe e a Celso Garcia, pois o vi entrando num sobrado ali.

    Obrigado por ler, comentar e trazer adendo !!

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  4. Parabéns a estas pessoas que fazem parte da História da Arte Cinematográfica no Brasil, obrigado também Luiz Domingues.

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    1. Eu que agradeço-lhe por visitar o meu Blog e ter participado com sua manifestação tão positiva. Sobre o Borges de Barros, estamos de acordo, contribuiu muito com o cinema, animações, rádio; TV e em tudo mais em que atuou como dublador, ator e comediante.

      Volte sempre, tenho outras matérias a abordar cinema e TV, que a senhora haverá de gostar.

      Grato, Dona Silvia !!

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  5. Fiquei emocionado com o texto, muito obrigado pela incrível e nostálgica recordação.

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    1. Antes de mais nada, agradeço-lhe pela visita ao meu Blog !
      E também aproveito para pedir-lhe desculpas por demorar tanto a responder, pois só hoje tomei conhecimento de sua postagem.

      Grato por manifestar a sua emoção motivada pelo texto ! Fiquei muito feliz por saber disso !

      Convido-lhe a visitar novamente o meu Blog, onde eu tenho mais matérias com teor semelhante, a relembrar e homenagear os grandes artistas que tanto brilharam, nas décadas anteriores.

      Grande abraço !

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