quinta-feira, 11 de outubro de 2012

Love me Do, Mr. Bond - Por Luiz Domingues




A década de sessenta foi importante para o planeta Terra, por dúzias de motivos. Cabe um texto para cada um deles e certamente nesse mosaico enxergar-se-á um alinhamento de uma engenhosidade incrível no tocante às mudanças sociopolíticas; culturais e comportamentais que desencadeou-se por conseguinte. Em especial, foi uma década de ouro para o Reino Unido. Talvez desde a consagração da Revolução Industrial, nunca falou-se tanto de cultura britânica ao redor do mundo, com a "Union Jack" a tornar-se uma febre mundial, até iconicamente como Art-Pop.
Em outubro de 1962, separados por um só dia, dois acontecimentos tipicamente britânicos desencadearam um processo epidêmico nesse sentido e esta matéria visa traçar esse paralelo entre ambos.
Em 5 de outubro de 1962, uma banda de Rock até então obscura, oriunda do norte da Inglaterra, mais precisamente da cidade de Liverpool, estava em Londres a observar o seu primeiro lançamento oficial em disco, com um compacto simples a conter as músicas : "Love me Do" em seu lado A, e "PS, I Love You" no lado B. A despeito de estar na ativa já há alguns anos e possuir um público cativo em sua cidade natal e também em Hamburgo / Alemanha, onde fizeram uma extensa temporada pelas boites barra pesada da zona portuária em 1960, eram ainda completos desconhecidos do grande público britânico e estaca zero no âmbito mundial.
No dia seguinte, 6 de outubro de 1962, entrava em cartaz nas salas de cinema da Grã-Bretanha, um filme que enquadrar-se-ia no rótulo da "espionagem e ação", ao apresentar como protagonista, um agente do serviço secreto de Sua Majestade. Baseado no personagem criado peleo escritor, Ian Fleming, em 1954, quando lançou o romance, "Casino Royale", o "agente 007" ajustou-se como uma luva no cenário real do cotidiano, em torno da tensão da Guerra Fria, em 1962.
E não foi fácil levar o personagem às telas. Os produtores, Albert R. Broccoli e Harry Saltzman esbarravam na relutância sistemática por parte do executivo da United Artists, Harry Slatzman, que alegava ser impossível comprar os direitos editoriais do personagem e produzir um filme à altura de suas aventuras mirabolantes, com uma verba modesta disponível. Dessa forma, Broccoli e Saltzman foram astutos e criaram uma manobra empresarial. Abriram uma pequena editora e uma produtora de cinema na Suíça, onde os impostos eram muito menores dos que os ingleses e assim adquiriram os direitos, para baratear a produção.
Com o sinal verde, decidiram usar outra história escrita por Fleming e não o romance inicial, "Casino Royale", que consideraram mais dispendioso para o momento (Casino Royale só seria lançado em 2006, muito tempo depois, portanto), como outra providência importante, contrataram o diretor, Terence Young. Foi delicadíssima a decisão para escolher um ator perfeito para interpretar James Bond. Terence indicou, Richard Johnson, mas os produtores o vetaram e na contrapartida, sugeriram, Roger Moore.
Moore recusou o convite, no entanto (anos depois, na década de 1970, assumiria enfim, ao trabalhar em vários filmes da franquia,  na sequência), e decidiram-se enfim pelo ator escocês, Sean Connery. 


Paralelamente, nos estúdios Abbey Road, o empresário, Brian Epstein não medira esforços para dar as melhores condições para os jovens músicos de Liverpool. A primeira sessão de gravação do quarteto de Liverpool, ainda contara com o baterista, Pete Best, em seu formação. A escolha da música teve o peso da influência de Brian Epstein, pois Paul; George; John e Pete, queriam gravar a canção : "How do you do it ?" como música principal.
Em várias biografias dos Beatles, afirma-se igualmente, que além de insistir em "Love me Do", Brian sugeriu o uso da gaita como instrumento para reforçar a frase melódica da introdução. Nos arranjos originais, George Harrison a executava na guitarra, enquanto John seguia na base harmônica, mas sabedor que John conhecia os rudimentos da gaita com certa desenvoltura, Brian insistiu nesse detalhe.
Essa primeira sessão ocorreu em junho de 1962 e o produtor artístico, George Martin não gostou do resultado, quando vetou o lançamento. Nesse ínterim, tomou-se a duríssima resolução em substituir o baterista, Pete Best (que ficaria com a terrível alcunha de "o homem mais azarado do mundo"), e daí, convidaram outro amigo de Liverpool, chamado : Richard Starkey, mas apelidado como, "Ringo Starr". Com Ringo já efetivado na banda, fizeram uma nova sessão de gravação, mas George Martin vetou novamente, ao considerar a atuação de Ringo, insegura. Fechados na ideia de que Ringo tornara-se uma membro fixo e não aceitariam uma nova mudança, decidem então fazer uma nova sessão, ao usar os préstimos do baterista de estúdio, Andy White e Ringo a tocar apenas uma percussão leve, mediante maracas na gravação, em setembro de 1962. 

Em janeiro de 1962, começaram as filmagens do filme de James Bond. A história seria batizada como : "Ian Fleming's Dr. No".

A primeira tomada filmada, foi a cena "39". Nela, James Bond (Sean Connery), passa à frente de uma fotógrafa, e entra em uma briga com um motorista (interpretado por Reggie Carter). Muitas das marcas registradas do personagem, que arrebatou multidões de fãs pelo mundo afora, a posteriori, já fizeram-se presentes logo no primeiro filme.
O glamour do personagem que transitava entre um super agente secreto, capaz de executar façanhas físicas e intelectuais impressionantes, além de revelar-se como um bon vivant; culto, sarcástico e também como um sedutor de lindas mulheres, irresistível. A boa equipe à sua volta, para dar-lhe o devido suporte; a clássica trilha sonora exclusiva (com a tradição ali inaugurada em conter uma música tema, interpretada por um astro britânico da ocasião); a presença de uma "Bond-Girl" sob extremo glamour e claro, a enfrentar um vilão absolutamente carismático, ou seja, muitos elementos muito fortes para resultar em uma química certa para o sucesso. Neste debut, "Dr. No", o primeiro e terrível vilão,  tratava-se de um cientista dotado de um alto poder intelectual e a mostrar-se frio como uma serpente, que chefiava a organização secreta e criminosa, "Spectre", com objetivos claros de domínio e exploração.

E no caso da primeira Bond-Girl, Ursula Andress, ela foi foi um estouro, a partir da cena clássica onde sai do mar a trajar um ousado bikini para os padrões da época, quando chegou a suscitar comentários de que seria a sucessora de Marilyn Monroe no posto de maior Diva sexy do cinema.

Em 5 de outubro de 1962, a canção : "Love me Do" chegou à praça e o seu primeiro desempenho foi modesto, para alcançar o 17° posto na parada de sucessos britânica. Não precisou de muito tempo para chegar ao n° 4, e catapultar esses garotos de Liverpool para um voo astronômico.
Em 6 de outubro de 1962, James Bond entrou em nossas vidas para não sair mais. O mundo sobreviveu ao medo do colapso atômico perpetrado pela crise dos mísseis em Cuba (que deixou em alerta máximo, dois mandatários com os seus respectivos dedos sob dois botões vermelhos assustadores) e sobrevivemos para divertirmo-nos esses anos todos com a saga do "agente 007". E também vivemos para ver o "Fab Four" virar o mundo de cabeça para baixo, ao espalhar a sua música revolucionária, que propôs o amor como solução definitiva e não as maledettas bombas. Torço para o mundo não acabar ao final de 2012, mas não vejo nenhum novo Bond no horizonte e muito menos alguém minimamente próximo à envergadura artística dos Beatles...
Sniff, sniff...

É isso, outubro de 1962 marcou em dois dias seguidos, um triunfo da terra de sua Majestade para o planeta.

6 comentários:

  1. Oi, Luiz

    Bem lembrado! Beatles e 007! Dois acontecimentos que marcaram uma década. Muito bom o artigo.
    Eu, na verdade, era nova para assistir 007, e também estava um pouco mais preocupada em brincar do que ouvir músicas. Eu me lembro que eu tinha um cinto, cuja fivela era um 007!
    Anos mais tarde, já na década de 70 e 80 é que vou ouvir os Beatles e assistir filmes de 007.
    Abraços!

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    1. Oi, Janete !

      Muito obrigado, amiga !!

      Realmente,trata-se de uma coincidência incrível esses dois ícones da cultura britânica terem tido seu debut perante o grande público, separados por um só dia.

      Eu também sou fã do 007, desde sempre. Apesar de sua característica de exagêro, sempre ultrapassando o limite da verossimilhança, gosto muito.

      E nessa análise, a diversão é garantida mesmo tendo em conta que lidaremos com um clichê crônico, pois no fundo, um filme do 007 nunca muda...

      James Bond sempre passará por perigo de morte iminente, mas escapará; derrotará vilões terríveis que não tem coisa melhor para fazer na vida a não ser tentar "dominar" o mundo (convenhamos, que tremendo esforço para ficar com um abacaxi desses...), será sarcástico e frio mesmo em situações limítrofes e seduzirá mulheres belíssimas só com seu charme, sem nenhum esforço extra...

      Mesmo assim, o próximo filme do Bond sempre será esperado com ansiedade por nós, fãs do personagem.

      E quanto aos Beatles...Hors Councors !! é indiscutível como Pelé no futebol.

      Abraço e grato por ler e comentar !!

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  2. Uma vez ouvi a seguinte estória: Nós só conhecemos o 007 porque um repórter entrevistou o Presidente Kennedy e perguntou o que ele gostava de fazer nas horas vagas. Ele respondeu: Ler os livros de Ian Fleming. Ótimo artigo Luiz!

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    1. Sensacional essa estória, Lourdes !

      Gostei bastante de saber.

      Obrigado por ler, comentar, contar essa estória e elogiar !!

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  3. Completando a informação. O Presidente disse que "Moscou contra 007" era o seu preferido.

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    1. Muito bom, Lourdes !

      Eu não tenho um único favorito, mas gosto bastante de "Moscou contra 007", que considero um dos melhores.

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