sexta-feira, 5 de outubro de 2012

Tropicália : Pão, Circo e Desbunde - Por Luiz Domingues

 
"Eu oriento o movimento, eu organizo o carnaval"...

A turbulência política que o Brasil viveu na metade dos anos sessenta, polarizou a música popular brasileira entre os estudantes universitários.

A rapaziada simpática à ideologia da esquerda, fechou com a ideia de que somente possuía valor a produção musical 100 % engajada na questão ideológica e sendo assim, deu muitas vaias em quem não compactuara com tais conceitos, no auge dos festivais de MPB, principalmente os realizados pela TV Record de São Paulo. Detestavam o que consideravam sub-arte imperialista e americanizada, a Jovem Guarda, por exemplo, e também a MPB Velha Guarda, alheia aos temas políticos em sua temática.
Mas o mundo não girava apenas em torno de quem torcia pelo comunismo ou capitalismo e alheia à essa polarização da guerra fria, a contracultura estava a todo o vapor com o movimento Hippie a explodir; luta em torno dos direitos civis na América do Norte; feminismo e a arte POP, entre tantas outras manifestações simultâneas, que deram margem para novos paradigmas, muito além da luta de classes. E nessa efervescência total, para fazer uso da oportunidade dos Festivais da TV Record, foi que surgiu para o grande público, um grupo de artistas antenados nessa vanguarda estética.
Caetano Veloso; Gilberto Gil; Tom Zé; Gal Costa; Os Mutantes; Torquato Neto; Rogério Duprat; Capinan; Nara Leão, e outros que posteriormente aderiram, formavam a comissão de frente desse novo movimento, que foi batizado como : "Tropicalista". Qual foi o seu mote ? Tudo...
Ao resgatar o conceito de Osvald de Andrade, em relação à "antropofagia", os tropicalistas propuseram digerir todas as influências modernas e antigas e regurgitá-las, sem pudores. Com a sólida base da MPB, via Bossa Nova, através de artistas como Nara Leão e Caetano Veloso, principalmente e as influências nordestinas de Gilberto Gil, uniu-se nessa mistura, o Rock como jamais outros artistas da MPB haviam ousado experimentar de uma forma aberta, quando encontraram-se com os argentinos do Beat Boys e os paulistanos d'Os Mutantes.
Nesse sublime encontro da queixada de burro com o violão super brasileiro, porém a empreender harmonizações jazzísticas sofisticadas, acrescentou-se a banda de Rock, com a distorção da guitarra; o baixo elétrico e a bateria com pegada forte e estamos a falar de Rock lisérgico sessentista, ou Acid Rock, para ser mais específico. Isso sem contar o acréscimo avantgarde das orquestrações de Rogério Duprat, ao outorgar o toque de experimentalismo, que Tom Zé também traria, com a sua desinibição total para chocar, sem receios.
Vestidos como Hippies, coloridíssimos e a ostentar longas cabeleiras, estavam coadunados com San Francisco e Londres de 1967, em uma condição de igualdade inédita para os padrões de Pindorama. E mais uma marca registrada : o resgate da velha MPB, a misturar-se com toda a modernidade, sem nenhuma discriminação, muito pelo contrário, em tom de exaltação.
No caso de ter gravado a canção : "Coração Materno", do cantor da velha guarda, Vicente Celestino, por exemplo, Caetano queria "complexicar os critérios críticos", conforme costuma dizer, para romper o conceito do que é "bom ou ruim" na MPB, em opiniões formatadas e paradigmatizadas.
O LP coletivo, "Tropicália ou Panis Et Circencis" é um exemplo de toda essa manifestação efervescente, onde Chacrinha e Andy Warhol foram tratados com a devida igualdade. Jimi Hendrix; The Beatles; João Gilberto e Jackson do Pandeiro, pululavam juntos na panela antropofágica, com a clássica imagem de Carmem Miranda a usar um cesto de frutas à cabeça, que poderia ser tranquilamente considerada uma Hippie de Haight-Ashbury, com um LP do Silvio Caldas debaixo do braço...
Em 1968, os Tropicalistas foram parar na TV. Com um programa semanal na TV Tupi, promoveram uma verdadeira loucura sonora / visual / estética e comportamental que foi demais para os senhores censores a serviço do regime totalitário. Pressionada, a TV Tupi teve que tirar do ar aquele bando de doidos para total azar de quem estava antenado nessa vibração libertária.
E como toda essa loucura foi demais para a época que o Brasil atravessava, a repressão tratou em livrar-se de seus dois principais articuladores, quando convidou Caetano e Gil a sair do país, em um dos atos mais tristes cometidos contra a cultura. O movimento dispersou-se, mas o espírito libertário, não, com todos os envolvidos a continuar a produzir, e seguir em frente em suas respectivas carreiras.
Apesar do exílio, Caetano e Gil continuaram com tudo e em 1972, mesmo com o Brasil ainda a viver um tempo muito difícil na política, eles voltaram ao país, com força total. Além de Gal Costa e Tom Zé, que acharam o seu espaço na música mainstream, igualmente com Os Mutantes, que alcançaram uma carreira vitoriosa, etc.
Pode-se atribuir ao movimento tropicalista, um elo a estabelecer-se como uma continuidade lógica do conceito, além do LP "Tropicália ou Panis Et Circensis", assim como os primeiros trabalhos individuais de Caetano; Gil; Gal e Tom Zé e certamente os dois primeiros Lp's dos Mutantes.
Recentemente, sob a direção de Marcelo Machado, foi produzido o documentário : "Tropicália", com entrevistas de diversos personagens do movimento, mais imagens inéditas da época. O cinema tem sido generoso e multiplicam-se documentários interessantes sobre a produção artística e cultural dos anos sessenta e setenta. Hora de prestigiarmos essa produção audiovisual que resgata o tesouro artístico nacional. E certamente é o caso desse ótimo documentário.
Afinal de contas, "quem não se comunica, se estrumbica", como dizia o velho guerreiro, balançando a pança...  aquele abraço !
Matéria publicada inicialmente no Blog Limonada Hippie, e posteriormente republicada no Blog Pedro da Veiga, ambas em 2012

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