quinta-feira, 28 de junho de 2012

Os Múltiplos Talentos de Ignácio de Loyola Brandão - Por Luiz Domingues

Quando o talento é nato, basta que não haja empecilhos na vida, para que deslanche-se. Parece uma frase solta, extraída de um livro de autoajuda qualquer e embora tenha um fundo de verdade, não é só isso que conta no cômputo geral. Esse é o caso do escritor; cronista; jornalista; roteirista de cinema & teatro e editor, Ignácio de Loyola Brandão.
Nascido na bela cidade de Araraquara, no interior de São Paulo e tal localidade é conhecida como a "Morada do Sol", desde pequeno, Ignácio mostrou que tinha o dom da escrita, ao redigir em um caderno escolar, o seu primeiro romance, "Dias de Glória" (1946), um conto policial ambientado em Veneza. Não demorou muito e o cinema arrebatou-lhe. Passou a frequentar com assiduidade o cine-clube de sua cidade, e assim tornou-se um crítico informal, ao publicar resenhas sobre os filmes que assistira, em um pequeno jornal, onde despertou a atenção do maior jornal local, apesar da sua pouca idade na ocasião.

Interessado em entender todo o processo de produção de um periódico, aprendeu também técnicas gráficas. E para expandir os seus horizontes jornalísticos, acumulou, além da crítica de cinema, a coluna social e reportagens gerais, com direito a entrevistas. Daí em diante, foi uma questão de (pouco) tempo para mudar-se para a capital paulista, onde foi contratado para trabalhar no jornal : "Última Hora".
Aí entra o elemento a mais, que eu citei logo nos primeiros parágrafos, ou seja, não basta ter talento e sorte, mas o ímpeto, a iniciativa e a capacidade para antever a oportunidade, que também contam. E foi em um dia comum que o editor berrou na redação do jornal : "-Alguém aí fala inglês com fluência" ?
O repórter Ignácio não pestanejou e apresentou-se. E lá foi com o seu inglês muito incipiente, aprendido parcamente no curso ginasial e reforçado por expressões decoradas em filmes norteamericanos que tanto assistiu, para entrevistar o irmão do presidente norteamericano, Einsenhower, que encontrava-se em São Paulo. No dia seguinte, a entrevista foi destaque com manchete na capa...
E o mesmo deu-se com o idioma francês, onde passou a entrevistar, mesmo tendo só o francês básico da escola pública e o apoio dos filmes e das leituras do Cahiers du Cinema, a super famosa revista francesa de cinema. Ignácio tanto infiltrou-se no meio, que foi figurante no clássico : "O Pagador de Promessas", de Anselmo Duarte e assim, nunca mais deixaria de ter essa estreita ligação com o universo do cinema, ao colaborar inclusive com a roteirização de duas histórias suas que foram adaptadas para a grande tela :
"Bebel, a Garota Propaganda" (de Maurice Capovilla / 1966), baseado em seu conto, "Bebel que a Cidade Comeu" e "Anuska, Manequim e Mulher" ( de Francisco Ramalho / 1969), baseado no seu conto : "Ascensão ao Mundo de Annuska".


O seu primeiro livro foi lançado em 1965, denominado : "Depois do Sol".

Assume posteriormente, o posto de redator da revista "Claudia", onde rapidamente vem a tornar-se o editor-chefe. E sob uma época marcada por fortes transformações sócioculturais, foi o sujeito certo no lugar certo, ao fornecer um novo impulso à linha editorial de uma revista feminina anteriormente bastante engessada em paradigmas antigos sobre o universo feminino.

No início dos anos setenta, surgiu-lhe um novo desafio : a tradicional revista francesa, "Planète", anuncia o lançamento da sua versão brasileira, e ele foi o seu primeiro editor. Nasceu então a revista "Planeta", em 1972, um sucesso no segmento do esoterismo / ocultismo e que existe até hoje, solidificada no mercado. Trabalha também nas revistas "Realidade" e "Setenta".
Da sua ligação de amizade com o dramaturgo, Plínio Marcos, nasceu a ideia de um conto, que após modificações por conta do momento político brasileiro, leia-se "censura", finalmente foi publicado. Em 1975, surgiu então : "Zero", a sua obra mais impressionante. A história fictícia (fictícia ?) de um cidadão comum a viver em uma sociedade violenta e sob uma ditadura ferrenha. Claro, mesmo com a censura, o recado estava dado e o romance estourou, ao tornar-se uma referência para artistas; intelectuais e universitários insatisfeitos com o regime autoritário vigente.
Ao perceber a repercussão, o Ministério da Justiça do governo Geisel, o proibiu, ao tratar de retirá-lo das livrarias. Mas o estrago libertário já estava feito e a emenda ficou pior que o soneto para o governo, pois o romance já estava na ponta da língua de todos que ansiavam pelo seu fim. Em 1979, a aproveitar os ventos da "anistia ampla; geral & irrestrita", o livro foi liberado novamente.
Nos anos oitenta, Ignácio lançaria outro romance com teor político, chamado : "Não Verás País Algum", muito elogiado e premiado, tal como "Zero". Viveu posteriormente, por um bom período em Berlim, onde enviara crônicas muito interessantes e publicadas em diversos jornais brasileiros e continuou a escrever os seus contos e romances. Lançou : "O Verde que Violentou o Muro", em 1984, ao narrar as suas impressões sobre o cotidiano berlinense.
Lançou outros livros a seguir, e no início dos anos noventa, retornou enfim ao jornalismo, como editor da revista : "Vogue". Em 1993, passou a escrever as suas crônicas no "Jornal da Tarde" e logo a seguir, no Caderno 2, d'O Estado de São Paulo.
Em 1996, teve um tremendo susto. Acometido de um mal-estar súbito, descobre no hospital que tem um aneurisma cerebral. Após uma longa (onze horas !) cirurgia, restabelece a saúde, mas muda muito a sua visão da vida, ao pensar em aspectos que não levara em consideração antes de passar pela iminência da morte, e isso reflete-se em suas crônicas, onde passou a falar abertamente sobre tais mudanças. Enfim, são muitos livros; participações em cinema e teatro; crônicas; trabalho jornalístico de muita qualidade e sobretudo marcado pelo ecletismo do autor.
Particularmente, tornei-me fã de sua escrita, por ler as suas crônicas publicadas em um prosaico jornal de bairro, onde foi colaborador por muitos anos. Só depois de algum tempo, fui tomar conhecimento de sua carreira como escritor. E também pela sua atuação como editor da revista, "Planeta", onde imprimiu ao meu ver, a melhor fase dessa publicação, com uma linha editorial instigante para os interessados em tais assuntos ligados ao ocultismo em geral. Hoje, a revista parece adotar mais uma linha em defesa do ambientalismo, tão somente, da qual não aprecio com a mesma veemência.
Entre tantas crônicas suas, geniais que eu li, por tantos anos no jornal de bairro, gratuito : "Shopping / City News" e posteriormente no "Jornal da Tarde" e no "Estadão", recordo-me de uma em especial, onde relatou a sua rotina cotidiana e de onde extraía ideias para as suas crônicas; contos e romances.
É simples, exatamente como deve ser : ao invés de tomar o café da manhã em sua casa, Ignácio vai até a padaria da esquina. Enquanto alimenta-se, apenas ouve as conversas ao seu redor... e
que manancial maior pode existir para um cronista atento ?
Matéria publicada inicialmente no Site / Blog Orra Meu, e republicada no Blog Pedro da Veiga, ambos em 2012

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