sexta-feira, 25 de maio de 2012

Filme: Phantom of the Paradise (O Fantasma do Paraíso) - Por Luiz Domingues

Sob uma soma de influências, a abranger da literatura ao cinema clássico, Brian de Palma realizou um dos filmes mais loucos com o mote do Rock, ao alinhavar tais referências múltiplas, ao lançar em 1974: "Phantom of the Paradise" (O Fantasma do Paraíso).

Fracasso retumbante de crítica e de público à época (com exceção da cidade de Winnipeg, Canadá, onde ficou em cartaz por mais de um ano e vendeu mais de vinte mil cópias do LP, com a trilha sonora, algo deveras estranho enquanto fenômeno isolado), o filme paulatinamente ganhou status como "cult movie", à medida que envelheceu, por agradar Rockers em geral; fãs de literatura e cinéfilos, tamanha a profusão de referências misturadas desses ramos, em seu enredo. 
                          O grande diretor, Brian De Palma

É preciso situar o leitor em torno dessa miscelânea criada pelo diretor britânico, Alfred Hitchcock, Brian ficaria famoso por seguir a linha de seu ídolo, no sentido de filmar histórias a conter mistério, quase no limiar do terror e com forte conotação política em torno de crimes espetaculares, geralmente a envolver ação da parte de serial killers etc. 

Tanto foi assim, que Brian foi estigmatizado por alguns críticos como o "novo Hitchcock". No entanto, antes de adquirir tal fama em ser supostamente um seguidor da tradição do velho mestre (com a devida ressalva de que em 1968, o seu filme, "Murder a la Mod", foi fortemente influenciado por Hitchcock e a misturar-se com os ecos da Nouvelle Vague francesa, via Jean-Luc Godard e em 1973, "Sisters", outro filme seu, também apontara para esse caminho).

De Palma também filmara com uma certa influência da contracultura que explodia nas ruas, vide o caso de "Greetings", filme que lançou em 1968, a conter críticas à Guerra do Vietnã, em tom de comédia e também com "Hi, Mom", de 1970 (uma sequência direta de "Greetings", onde  em meio à trama, o cinema alternativo e sobretudo o teatro experimental, muito em voga no bojo da movimentação contracultural da época, foi mostrado em cenas muito interessantes e fortes, em tom de denúncia e repúdio ao racismo. Em síntese, Brian teve em mente desde sempre o seu caminho como diretor, bem delineado, mas a contracultura de uma maneira ampla, também o influenciara de certa forma.
Sobre "Phantom of the Paradise", propriamente dito, além da inspiração explícita em "Faust" de Goethe e "The Phantom of the Opera", de Gaston Leroux, acrescente-se também a clara inclusão do conceito de "The Pictures of Dorian Gray", de Oscar Wilde para fechar  a tríplice lista de romances da literatura que misturados e devidamente embalados por uma história desenvolvida em torno da indústria fonográfica (e a reboque a trazer o universo  da música Pop e as suas múltiplas ramificações a envolver as manipulações perpetradas pelo show business), gerou esse filme, que poderia  ser considerado, tamanha a sua multiplicidade de informações, um autêntico "Frankenstein", no sentido que foi montado a partir de muitas partes distintas entre si.

Caminho perigoso para um diretor que vinha a construir uma boa reputação, o fato foi que Brian arriscou e mesmo que o resultado imediato em termos de repercussão tenha apontado para um fracasso, na verdade, ele logo recuperar-se-ia quando lançou "Obsession", ao voltar para a sua linha em torno do Thriller psicológico/policialesco ou "filme de suspense" como muitas pessoas costumavam rotular tal gênero, mas sobretudo, alcançaria a consagração com "Carrie", logo a seguir. 

E mais um dado, se imediatamente, "Phantom of the Paradise" apontara para um fracasso, com a passagem do tempo, tal obra ganhou uma outra conotação, ao tornar-se um filme cultuado, portanto, o demérito reverteu-se em mérito, aliás, mais um em sua filmografia bem avaliada.

Bem, como Brian de Palma desenvolveu essa mistura de referências da literatura, visto que ele também foi o roteirista deste filme? Eis a história então: Winslow Leach (interpretado por William Finley) é um jovem compositor que vislumbra uma chance para ascender na carreira, ao ser abordado por um executivo da gravadora: "Death Records", cujo dono é o enigmático, "Swan" (interpretado pelo ator e cantor, Paul Williams), que o convida a levar seu material à sede da gravadora.
Uma vez em suas dependências, Winslow tem as suas partituras roubadas sumariamente e é escorraçado do edifício. Revoltado, ele invade o teatro onde estão a ser realizados os testes para cantores a suprir o elenco de um espetáculo, patrocinado por Swan e verifica que a sua música indevidamente surrupiada, será usada sem cerimônia e para piorar o seu infortúnio, ele apaixona-se pela principal candidata, a cantora, Phenix (Jessica Harper).  

Ao perceber a presença de Winslow no teatro, asseclas de Swan capturam-no e plantam provas falsas para incriminá-lo, como se ele fosse um traficante de drogas. Ele é preso e sentenciado a cumprir prisão perpétua na temível penitenciária "Sing-Sing", onde é submetido à um programa subsidiado pela própria fundação Swan e tem seus dentes arrancados brutalmente, ao obrigá-lo a usar uma horrível dentadura com dentes de aço

Conformado com o seu destino, ouve através do rádio, na prisão, o anúncio de que a banda, "Juicy Fruits", culminou em lançar um álbum com as suas músicas e então, enlouquecido por essa infâmia, ele foge da prisão para cometer um ato de loucura, ao tentar sabotar a fábrica de discos. Mas um terrível acidente ocorre, para deformá-lo completamente, além de provocar a dramática destruição das suas cordas vocais, arruinadas irremediavelmente, pela força brutal de uma pesada prensa ardente, a esmagar e incinerar o seu rosto

Dado como morto pela imprensa, Winslow sobrevive a preambular pela rede de esgoto da cidade e assume, por conseguinte um visual aterrorizante, mediante o uso de uma capa e máscara a conter feições de um pássaro. Eis que ele sabota o carro da banda, "Juicy Fruit", com uma bomba e Swan descobre a sua identidade.

O perverso Swan monta então um ardil, onde convence Winslow, agora conhecido como: "The Phantom", a parar com o seu plano de vingança e o contrata como compositor e arranjador. The Phantom faz então um contrato assinado mediante o uso de sangue com Swan e exige a presença da cantora, Phenix, a sua paixão secreta, como principal cantora no espetáculo de inauguração do teatro.

Mas Swan rompe o contrato, e coloca no seu lugar um ridículo cantor glam ("Beef", interpretado por Gerrit Graham), sem a menor condição para ser levado a sério, no lugar da cantora. 

Sem saber disso, The Phantom conclui a obra "Fausto" e os asseclas de Swan mais uma vez roubam as suas partituras e trancam-no no estúdio, com o objetivo de que ele morra ali, por inanição.

Mais uma vez traído, The Phantom enlouquece e consegue escapar, quando a seguir, passa a assombrar o teatro. Então ele aborda "Beef" durante o seu banho, para ameaçá-lo, caso Phenix não seja efetivada como cantora titular do espetáculo. E no dia da estreia, contrariado, assassina o vocalista "Beef", ao eletrocutá-lo com uma placa de neon, diante do público que fica extasiado, por julgar ser um efeito pirotécnico proposital do show.


Swan seduz Phenix e The Phantom, desolado, tenta o suicídio com um punhal, mas não morre. Swan diz-lhe cinicamente que o contrato assinado anteriormente, obriga-o a viver eternamente a não ser que ele, Swan, morra primeiro, mas faz a ressalva de que ele jamais morrerá, pois também está sob contrato de vida eterna, via pacto demoníaco, ou seja, desesperado, The Phantom descobre que Swan fizera pacto com o Diabo e jamais morreria e nem mesmo, envelheceria. Então, descobre que a única maneira para destruir Swan, seria arruinar um vídeotape que servia de contrato entre Swan e o Diabo. 

Swan e Phenix vão casar-se durante o espetáculo e The Phantom destrói todas as fitas com rapidez, pois sabe que Swan planeja matar Phenix para apoderar-se de sua voz.

Enfraquecido pela queima dos filmes, Swan tem a sua aparência envelhecida rapidamente e The Phantom aproveita para golpeá-lo de uma forma mortal, mas o seu destino também é morrer, pois o seu contrato também fora rompido. A bela cantora, Phenix, desespera-se, em meio ao frenesi do público, que atônito, confunde a ação dos crimes reais como se fossem efeitos cênicos do show e assim delira. E a tragédia marca com bastante movimentação o fim do filme.

Bem, as referências que o diretor Brian de Palma usou para compor esse roteiro tão esfuziante, foram inúmeras, a beber da literatura e do próprio cinema clássico. "Fausto/Mefistófeles", com o pacto de riqueza a vender a alma para o Diabo), "O Fantasma da Ópera", de Gaston Leroux (o compositor deformado e roubado que vinga-se a assombrar os bastidores de um espetáculo operístico), "O Retrato de Dorian Gray", de Oscar Wilde (o pacto de juventude e beleza eterna com o Diabo, ao transferir a decrepitude à uma imagem, no caso deste filme, ao invés de um quadro, os vídeotapes), "O Gabinete do Dr. Caligari" (os membros da banda "Undead", vestidos como o "Sonâmbulo", do filme expressionista alemão), "Frankenstein" (após a eletrocussão, pedaços do cantor "Beef" espalhados, são reagrupados e formam um Ser disforme), e "Psycho!" (a cena do então enlouquecido, The Phantom a ameaçar o cantor "Beef", remete ao filme de Alfred Hitchcock). 

A trilha sonora foi composta por Paul Williams, que mantinha uma carreira interessante no espectro da música Pop em geral, com influências fartas no campo da Country Music e Folk-Rock. Embora Willians não possa ser credenciado como nenhum gênio da música, a sua carreira pode ser considerada como algo bastante razoável ao ter atingido uma relativa fama como compositor e cantor e no caso de sua atuação como ator, Willians chamava a atenção pela sua aparência, a notar-se a sua baixa estatura e para alguns críticos, ele seria uma espécie de "novo James Cagney" (mas cabeludo, certamente), por observar-se tal traço fisionômico similar entre ambos, mas sinceramente, fica apenas anotado que pela semelhança física, pois Cagney foi certamente muito mais ator do que Willians, em minha opinião.

Outra curiosidade que merece destaque, Sissy Spacek, ainda não famosa como atriz, trabalhou com figurinista, pois era namorada de Jack Fist, produtor adjunto de Brian de Palma, Sissy, no entanto, estouraria logo a seguir nas mãos do próprio, Brian De Palma, como a paranormal: "Carrie". 

A cena onde Winslow/The Phantom é deformado pela ação de uma prensa fonográfica, foi perigosíssima em sua concepção e Brian fez de tudo para filmá-la em tomada única, a minimizar um grande risco para o ator, William Finley. Consta nos anais dessa produção, que a máquina, mesmo com todas as medidas de segurança adotadas, simplesmente poderia não obedecer a limitação imposta, tamanha a sua força e neste caso, Finley sentiu muito medo de filmar nessas condições e de fato, um princípio de pânico foi instaurado no set de filmagem quando ficou claro que o acidente seria inevitável durante a tomada, a culminar com o óbito do ator, mas a produção agiu rápido e evitou a tragédia. 

Mais um dado estimulante para os Rockers em geral, dá-se com a cena onde The Phantom trabalha em um estúdio cercado por teclados e equipamentos. Eis que ela foi filmada no The Record Plant, um estúdio verdadeiro e onde inúmeros artistas importantes da história do Rock, gravaram (John Lennon, Elton John, David Bowie, Elvis Presley, The Who, CSNY, Frank Zappa, Queen, Aerosmith etc).

As cenas de Teatro, foram filmadas no Teatro Majestic, de Dallas, Texas. Segundo consta na história desse filme, a sua produção disparou um alarme usado para agrupar gado e todas as pessoas que entraram no teatro a esmo, motivadas por esse barulho ensurdecedor, foram convidadas a participar como extras. 

Tal obra demorou, mas tornou-se cultuada entre cinéfilos & Rockers, como algo bastante histriônico e típico dos anos setenta, em termos de exageros cênicos. Apesar da salada incrível de referências que Brian De Palma misturou, "Phantom of the Paradise" é um filme interessante e com boas canções na trilha. Se não dá para ser levado a sério, é ao menos, diversão certa!
A bilheteria desse filme foi um fiasco na ocasião, com a já citada exceção surpreendente observada na cidade de Winnipeg, no Canadá, onde foi muito bem, inclusive a motivar a venda de mais de vinte mil cópias do LP a conter a sua trilha sonora, somente nessa simpática localidade, que aliás, é a terra natal de uma ótima banda de Rock canadense, o The Guess Who, autor dos grandes sucessos, "American Woman", "Share the Land" e "These Eyes", nos anos sessenta e de onde derivou uma outra grande banda nos anos setenta: Bachman Turner Overdrive, ou "BTO", como ficou apelidada entre os seus fãs, dos quais eu incluo-me.
A crítica, no entanto, não foi inteiramente negativa, pois nem todo mundo arrasou o filme, como seria esperado. No entanto, os mais impiedosos classificaram a obra como uma peça simplesmente "infantil" e no sentido pejorativo do termo.

Uma última curiosidade sobre este filme, o fato da gravadora ficticia controlada por "Swan", chamar-se "Swan Song Enterprises", teve que ser suprimido do filme pelo fato de chocar-se com a real, ""Swan's Song", gravadora criada particularmente para atender aos interesses do Led Zeppelin. Naturalmente que o empresário dessa super banda britânica, Peter Grant, não aceitaria a menção, ao considerar-se a maneira com a qual ele geria os interesses do grupo, com a dita "mão de ferro", mesmo que fosse necessária ao filme tal denominação por conta do vilão da história deter o apelido: "Swan" ("cisne " em português).  Mesmo assim, essa determinação não foi inteiramente obedecida, pois por força das filmagens já concluídas, não foi possível retirar todas as menções a tal gravadora fictícia, que é observado em algumas cenas.
Sobre a música apresentada no filme, a trilha mostra-se agradável. A conter Pop Rock em essência, traz em seu bojo a boa influência do Coutntry-Rock, com baladas boas em seu esteio, uma generosa dose de Folk-Rock e até insinuações ao Hard-Rock em certos momentos. A canção "Special to Me", chama a atenção (cantada por Phenix/ Jessica Harper), durante a sua audição inicial como candidata a cantora no musical que Swan vai produzir e como baixista que sou, não posso deixar de observar que o som do Fender Jazz Bass que o baixista nessa gravação usou, é magnífico, assim como a boa linha que ele criou. Destacam-se também os temas  mais grandiloquentes atribuídos às composições de Winslow/The Phantom, como teor operístico e a esbarrar no Rock Progressivo, por conseguinte. O tema do musical: "Beauty and the Beast" ("A Bela e a Fera"), também foi utilizado, mas naturalmente com um arranjo especial a personalizá-lo para este filme.


Alguns atores não citados que participaram: George Memoli (como George Philbin e o sobrenome "Philbin", que atuou na versão clássica de "The Phantom of the Opera", de 1925), Peter Elblind, Archie Hahn & Jeffrey Comanor, não receberam os nomes das suas personagens, mas foram os cantores do grupo de Rock fictício, "The Juicy Fruits". Nota-se que ao longo do filme, eles reaparecem em outras ocasiões, a compor outras duas bandas: "The Beach Bums" e "The Undead".

E mais: Mary Margaret Amato (como groupie de "Swan"), Jennifer Ashley (como outra groupie), Janet Baldwin (mais uma groupie), Janus Blythe (outra groupie), Katherine Mastellos (mais uma groupie), Robin Mattson (outra groupie), Keith Allison (cantor Country), Troy Haskins (como o juiz) e outros.

Produzido por Edward R. Pressman. Escrito e dirigido por Brian De Palma. Foi lançado em outubro de 1974. No Brasil, o fracasso comercial também foi observado e eu recordo-me que certos críticos brasileiros chegaram a afirmar que este filme ao misturar tantas referências, tornou-se apenas confuso para justificar uma fábula histriônica sobre o Rock. Enfim, o filme teve curta carreira no circuito comercial tradicional e rapidamente foi realojado em salas alternativas de cine clubes, onde eu aliás, pude assistir, durante uma noite de sábado, mais uma, em que passei nos anos setenta, sentado em uma poltrona do saudoso Cine Bijou, onde invariavelmente a programação a privilegiar o cinema de arte em geral e produção contracultural, em específico, sempre brindou os cinéfilos Rockers, freaks e hippies da pauliceia. Em seguida, o filme teve exibições na TV aberta e também com fartura de reprises em canais de TV a cabo.

Demorou bastante e somente na década de noventa chegou ao mercado a sua versão em formato de fita VHS. Mais tarde ainda, nos anos dois mil, enfim adquiriu a sua versão em imagens digitais, através de um DVD e posterior Blu-Ray. Na internet, na atualidade (2019), será encontrado na íntegra, em portais como Archive e Amazon, mas no YouTube, receio que serão encontrados apenas fragmentos.

Resenha publicada inicialmente no Blog do Juma, em 2012. Esta resenha foi posteriormente revista e aumentada para fazer parte do livro: "Luz; Câmera & Rock'n' Roll", disponibilizada em seu volume I, a partir da página 204


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