Antes de
avançar sobre esta resenha do filme em questão, “Detroit Rock City” (“Detroit,
a Cidade do Rock”), é preciso contextualizar ao leitor, que a ideia de que a
cidade de Detroit, localizada no estado de Michigan, nos Estados Unidos, foi em torno dela ser considerada por muitos anos a cidade do Rock, por conta de ali ter havido por
um bom período, uma cena forte nesse sentido. É preciso salientar no entanto,
que não apenas o Rock teve um generoso espaço nessa cidade, mas também a Black Music,
através das suas principais ramificações. E o outro lado dessa imagem de
pujança que a cidade ostentou, deveu-se ao fato de ali ter sido construído o
maior polo de construção de automóveis, do mundo. Por décadas, a cidade
enriqueceu por conta dessa indústria e praticamente toda a sua população teve
como fonte de renda, direta ou indiretamente, a indústria automobilística como
a sua principal provedora. Nesses termos, nessa cidade, nos anos sessenta e a estender-se
pelas décadas posteriores, os filhos dos operários da indústria e de toda a
cadeia a gerar a pequena indústria e comércio de auto peças e acessórios
automotivos, cresceu, para se tornarem cabeludos e entusiastas da música &
guitarras elétricas e daí, uma infinidade de bandas de Rock surgiu e fez a fama
de Detroit, ao ser considerada como a “Cidade do Rock”.
Isso é um fato, embora
não seja uma verdade absoluta, visto que não obstante Detroit ter sido um
importantíssimo polo para o Rock, não foi o único nos Estados Unidos e tampouco
pode ser considerado como o “mais importante”, visto que outras cidades também protagonizaram
cena Rocker vital, tais como San Francisco, Los Angeles e Nova York, apenas
para citar algumas poucas, portanto, não é uma verdade absoluta que Detroit
seja a mais importante. Entretanto, é uma das mais, sem dúvida alguma.
Encerrado
este preâmbulo, está portanto explicada parcialmente a intenção do título desse
filme, ainda que a peça cinematográfica não verse exatamente sobre a cidade e a
sua cena a destacar algum artista em específico, e nem mesmo a dramatizar a história
de um grupo de Rock fictício, mas o seu mote é a expectativa gerada por um
grupo de adolescentes que anseiam assistir um show do Kiss, em uma arena (Cobo
Hall), localizada na tal cidade citada.
Bem, trata-se
de uma comédia de costumes bem interessante a satirizar o fanatismo infanto-juvenil
e os preconceitos arraigados da parte dos conservadores a respeito do Rock,
portanto, a priori, se analisada sob tal prisma, é uma diversão leve, sem maior
profundidade e ao mesmo tempo, inofensiva. De fato, não há nenhuma profundidade
maior; entrelinhas e que tais, no entanto, em comparação com outras comédias
similares, este filme é um dos mais engraçados produzidos a retratar os anos
setenta, sob o mote do Rock, ainda que sob o prisma infantilizado.
Sobre a
história em si, o roteiro é bem simples: é focado em um grupo de garotos adolescentes que mostram-se
fanáticos pelo Kiss, na ambientação de 1978, ou seja, com tal banda a viver os seus
dias de ouro na carreira, em termos de fama e repercussão. Eles são colegas de
escola e vivem, cada um à sua maneira, as agruras da idade em que estão a
ostentar naquela ocasião, em relação aos conflitos escolares típicos que
enfrentam e sobretudo em seus respectivos lares, ao lidar com os seus pais que
são invariavelmente conservadores e naturalmente avessos ao Rock.
Esses meninos
vão além em seu fanatismo pois o seu entusiasmo fez com que montassem uma banda
cover do Kiss (“Mystery”, e inclusive a imitar a tipologia usada no logotipo
oficial do Kiss), onde tentam reproduzir o repertório dessa banda, entretanto,
em cenas em que eles são mostrados a ensaiar em um garagem residencial,
pertencente a um deles, a realidade ali exibida é que eles são principiantes a
tocar e cantar muito mal. O lado bom dessa constatação é o fato que isso é
irrelevante, pois não há nenhum indício de que eles sonhem em levar a sério o
aprendizado musical e a consequente luta para buscar um lugar no mercado da música
profissional, portanto, a impressão é que tocam pura e simplesmente para
extravasar a sua energia juvenil em torno do seu fanatismo pelo Kiss.
A história
desenvolve-se no sentido em que eles sonham em assistir a sua banda predileta,
e que vai apresentar-se no Cobo Hall, em Detroit, daí o mote e o título do
filme e certamente a mencionar a famosa música do Kiss, com esse mesmo título.
Eles conseguem os ingressos, mas uma série de fatores ocorre a atrapalhar o seu
intento, e por conta de tais dissabores, é sob tal motivação que dá-se o sustentáculo humorístico ao
filme, pois muitas situações são geradas para impedir que eles concluam o seu objetivo,
a começar por obstruções de ordem escolar e sobretudo, pela perseguição assumida
da parte de uma certa mãe, que vai deliberadamente sabotar os planos de seu
filho e por conseguinte, de seus amigos. Nesses termos, as sketches foram
criadas a gerar muitas risadas e trazer em seu bojo, sutis referências ao Rock (principalmente
ao Kiss), e sobretudo ao comportamento padrão dos adolescentes norte-americanos,
no desenrolar dos anos setenta.
Creio que não
valha a pena esmiuçar a trama como geralmente eu procedo em meu estilo para
produzir resenhas, visto que o mote geral do filme já foi bem ressaltado acima.
Citarei algumas cenas e/ou piadas apenas, para acrescentar tais dados como
adendo. Por exemplo, logo no começo do filme, a cena da mãe de um desses
rapazes a procurar por um LP para colocar na vitrola, é hilária e oferece o
cartão inicial ao espectador, no sentido de anunciar o que será mostrado ao
longo da obra. A senhora citada é simplesmente mostrada em seu cotidiano
caseiro a procurar um disco para ouvir e relaxar. Ela escolhe um disco dos Carpenters
(e deixo claro, eu não tenho nada contra esse duo formado por um casal de
irmãos e que transitou entre o Pop e o Soft-Rock durante os anos setenta e cuja
obra eu enxergo méritos, inclusive), e então a senhora coloca o disco na vitrola para ser tocado. Todavia,
o filho trocara as capas e o que ela ouve é o LP “Love Gun” do Kiss, e a sua
reação é muito engraçada, pelo susto gerado que quase faz com que a casa
desmorone. Essa senhora vai além da mera antipatia ao Rock, porém mostra-se
como uma beata católica, e enxerga o Rock e o Kiss em específico, como algo
antagônico às suas crenças.
Dessa maneira, ela faz de tudo para que o seu filho
afaste-se dessa sua predileção manifesta espontaneamente. Em diversas cenas, essa mãe
desesperada protagoniza ótimas piadas nesse sentido, pois entre outras coisas,
ela lidera uma associação de mães preocupadas como ela, a promover ações de
sabotagem em portas de teatros, arenas e similares que promovem shows de Rock.
Em outra cena dramática, a mesma mãe dominadora interna o seu filho em um
monastério, com o intuito em impedi-lo de se dirigir à Detroit e também para que o
padre exorcista ali presente, faça alguma coisa para extrair a "influência
satânica" de seu filho. Os seus amigos no entanto, arquitetam um ardil a fazer
com que o padre e muitas freiras ali presentes, comam pedaços de pizza dotados
de cogumelos alucinógenos e daí, já dá para imaginar o resultado...
E o pior de
tudo, em uma cena que é engraçada, mas remete ao sadismo, essa mãe ateia fogo
aos quatro ingressos do Kiss que o seu filho e amigos tanto sonharam comprar
para assistir tal show.
Peripécias
estudantis também ocorrem, quando os quatro aficionados do Kiss escondem-se no
banheiro feminino para fugir da perseguição perpetrada pela direção do colégio
onde estudam. Claro, meninos com hormônios à flor da pele, não aguentam o
próprio instinto em querer ver as meninas em situações embaraçosas, e isso gera
uma situação escatológica abominável, mas que inevitavelmente é engraçada.
Ainda na escola, a artimanha de um dos garotos para ludibriar o diretor, a fim
de pedir permissão para ir ao banheiro, chega a ser hilária, pois lembra um truque
barato feito por um mágico amador, entretanto, gera risadas, certamente.
Outra cena
hilária e também emblemática, dá-se no embate entre os quatro garotos e uma
turma formada por dois casais jovens, porém completamente antagônicos,
culturalmente a observar-se. Os Rockers são mais libertos em relação às
convenções sociais, digamos assim, e a diferença é reforçada sob muitos estereótipos,
como por exemplo: os carros que ambos usam, em completo contraste; figurinos
usados pelas personagens e sobretudo pelo som que ouvem. Enquanto os garotos
ouvem e cantam canções do Kiss em plenos pulmões, os burgueses também escutam
música alta e cantam, mas a trilha em seu automóvel, é a Disco Music. Os dois
grupos hostilizam-se mutuamente na estrada, como a configurar uma animosidade
gerada pelas diferenças culturais e entre diversas traquinagens que ocorrem na
estrada, eis que finalmente os carros chocam-se e os rapazes vão às vias de
fato.
Após um embate verbal a culminar na destruição do cartucho que continha o
som do Kiss, da parte dos burgueses, o clima esquenta. Em princípio, os rapazes
mais velhos, mesmo em menor número, intimidam os adolescentes fãs do Kiss,
entretanto, após uma reviravolta e com direito ao uso de um golpe baixo, eis que
os adolescentes mudam a situação e com direito à humilhação e destruição do
bólido dos burgueses. Para piorar, os rapazes levam um troféu a mais, ao dar
carona para uma das garotas que estavam na companhia dos adoradores da
discotheque e nesses termos, foi uma boa piada sobre o embate entre o Rock e a
Disco Music, que para muitos na vida real (exatamente nessa ocasião, final dos
anos setenta), era considerada como uma “inimiga” dos Rockers. E a piada prossegue
com o carro em andamento, visto que a garota vem de outro nicho da sociedade,
teoricamente, e após engolir muita fumaça inebriante que é proporcionada pelos
meninos Rockers ali dentro, ela passa a adotar uma outra postura, portanto, a
configurar mais uma pilhéria.
Quando eles
finalmente chegam à Detroit, nesse instante é bonita a cena a mostrar os
meninos a passar na porta da sede da gravadora Motown, um baluarte da Black
Music norte-americana. Bem, sem ingressos, eles tentam de tudo. Ao saber que uma
estação de rádio faz uma promoção a oferecer ingressos como brinde, vão ao
estúdio para tentar a sorte, mas nada conseguem. Eles separam-se e cada um vai
tentar por si só tentar a sorte e mais piadas boas são geradas.
Um deles chega
a cogitar apelar e assim cometer um crime ao assaltar um supermercado, mas no
momento em que o rapaz vai anunciar o seu falso assalto, um bandido verdadeiro
faz o mesmo, com uma arma pesada em mãos. E de uma forma hilária, o fã do Kiss
captura o verdadeiro bandido e torna-se o herói improvável da noite. O outro (o filho da mãe beata, é surpreendido por uma colega de classe que o seguira para
enfim declarar-se em pleno confessionário de uma Igreja católica, e ante tal
situação, o casal vive um momento romântico. Esse mesmo rapaz finalmente
rebela-se e enfrenta a mãe que discursava em frente ao estádio, na companhia de
suas fanáticas correligionárias.
Em outra piada, um outro
garoto da turma, passa por um sufoco ao ser perseguido por cães ferozes, mas de
uma forma ridícula ele reverte a situação ao ponto dos cães demonstrarem obedecer obedecer o seu comando
para atacar os bandidos que ameaçavam a garota que estava na companhia deles, desde
a estrada.
Eis que uma última ideia absurda surge entre eles quatro, quando reencontram-se
: eles brigam entre si e após ostentar muitos hematomas e sangramento, chamam a
polícia e acusam uma turma que hostilizara um dos garotos em uma cena anterior,
sobre o fato deles supostamente haviam sofrido uma agressão e o consequente roubo
dos ingressos para o show. Os oponentes são presos, após um policial achar uma
carteira do Kiss Army do acusador e mais quatro ingressos entre eles e assim,
os ingressos são entregues aos rapazes protagonistas. Bem, a piada foi boa, mas
a solução prática não pode ser seguida como um bom exemplo a ser enaltecido por
ninguém, sem dúvida alguma, neste caso, pois configurou-se como uma falcatrua.
Enfim o filme
encerra-se com os meninos finalmente a entrar no estádio, e a julgar pelo seu estado físico,
com hematomas, sangramento e mediante semblante assustado, foi realmente uma
vitória épica a ser comemorada. Enfim, cenas reais de um show do Kiss ocorrem e
uma baqueta arremessada pelo baterista, Peter Criss, é agarrada por um dos
garotos, o maior coroamento para o seu esforço, certamente.
A conter uma
trilha sonora muito boa, como um adendo ao filme, a contar não apenas com
muitas músicas do Kiss, logicamente, mas também com o som do AC/DC, Thin Lizzy,
Van Halen, Black Sabbath, T.Rex, Sweet, David Bowie, Cheap Trick, Ufo, The
Runaways, Golden Earring, Blue Öyster Cult, Nazareth, James Gang, Santana, Hot
Chocolate, Ohio Players, Electric Light Orchestra, Captain and Tenille, KC and
The Sunshine Band e outros. Ou seja, uma turma da pesada para dar substância musical
ao filme. Há a ressalva de que nem todas as canções foram extraídas de suas
gravações originais, mas regravações modernas feitas especialmente para a
trilha.
Ao longo do
filme, muitas referências sutis ao Kiss são proferidas. Citações verbais e
visuais são feitas o tempo todo à canções, discos e fatos ocorridos na carreira
do Kiss.
Para citar o
elenco, eis os quatro protagonistas: Hawk (interpretado por Edward Furlong),
Jeremiah “Jam” Bruce (interpretado por Sam Huntington), Lex (interpretado por
Giuseppe Andrews) e “Trip” Verudi (interpretado por James DeBello). Entre os
demais atores: Melanie Lynskey (como Beth Bumsteen), Natasha Lyonne (como
Christine), Lyn Shay (com a senhora Bruce), Shannon Tweed (como Amanda Finch),
Emmanuelle Chriqui (como Barbara) e David Gardner (como o padre), entre outros.
É evidente
que o filme tornou-se imediatamente um objeto de culto entre os fãs do Kiss e
ao levar-se em conta que essa banda não possui fãs, exatamente, mas o chamado, “Kiss
Army”, ou seja, um verdadeiro exército de adeptos, é claro que veio a tornar-se
uma peça cultuada por essa tribo. A crítica foi dura ao chamar a atenção para o
fato de que o filme revelou-se ingênuo, entretanto, creio que nesse sentido a
intenção de seus produtores foi mesmo pela comédia infanto-juvenil, portanto, o
tiro saiu pela culatra ao acusar-se a obra do que ela justamente propôs-se a
ser.
Direção de
arte e fotografia muito boas, eis que o filme realmente parece estar ambientado
nos anos setenta e não em 1999, data da sua produção. Sobre a direção, a opção
pela comédia adolescente a la high school, foi correta se pensar-se nesses
termos, ou seja, não é possível cobrar-se nada além da sua proposta.
Escrito por
Carl V. Dupré, foi dirigido por Adam Rifkin e lançado em agosto de 1999.
Imediatamente ganhou versão para a comercialização em formatos, VHS e DVD, com
direito a relançamento em DVD, mediante bônus e muitos anos depois, a versão em
Blu-Ray, chegou ao mercado. Na internet, é difícil achar uma versão integral e
gratuita. Aparentemente, apenas no portal, Dailymotion, e dividida em duas
partes, está disponível uma cópia para ser assistida desse filme. Fica a ressalva que me baseei no panorama de 2019, quando escrevi esta resenha, portanto, pode ter mudado tal panorama.
Esta resenha foi escrita para fazer parte do livro: "Luz, Câmera & Rock'n' Roll" em seu volume III, e a sua leitura está disponibilizada a partir da página 262.
Nenhum comentário:
Postar um comentário