Ao final da década de setenta, muitas bandas de Rock foram criadas na cidade de São Paulo, ainda influenciadas pelas estéticas clássicas tradicionais, apesar do vento ter estado a soprar na direção oposta, com a euforia em torno do Punk Rock e seus derivados a se encontrar em alta voga, além de outra corrente, o Heavy-Metal também em crescimento.
E foi nesse bojo de boas bandas que a Santa Gang iniciou a sua trajetória, conduzida pelo seu mentor, o vocalista, Lucio Zapparoli. A intenção imediata do trabalho pendeu para o Rock’n’ Roll com forte base do Blues presente e a produzir na prática um Blues-Rock de qualidade e forte presença interpretativa nas suas apresentações e lançamentos fonográficos.
Rubens Gióia, meu saudoso amigo e colega n'A Chave do Sol, teve uma passagem pela Santa Gang entre 1980 e 1981. Esta foto acima o mostra em ação com a Santa Gang, mas infelizmente eu não tenho melhores informações sobre a circunstância desse registro, tampouco o crédito do fotógrafo. Fonte: Blog 2112, do bom ativista cultural Carlos Retamero
A banda teve uma boa carreira ao atuar na cena até o ano de 1988, com a realização de muitos shows e a obter sucesso. Em sua formação, muitos músicos passaram, alguns com fama construída em outras bandas importantes a posteriori e entrou para a história com todo o mérito.
Lucio Zapparoli em ação com a Santa Gang nos anos oitenta. Fonte: Blog 2112. Click: Antonio "Tony" Carlos Monteiro
Lucio, além de cantor e “band-leader”, também se revelou como um ótimo técnico de áudio para comandar o PA de shows ao vivo. E assim, foram muitas bandas que tiveram a qualidade assegurada em seus shows, sob o comando preciso dele na mesa de mixagem e com a garantia extra dele ser um Rocker convicto e portanto, preparado para atender a demanda, exatamente por conhecer a necessidade de seus pares e a resolver com perfeição, exatamente por também cultivar a mesma paixão mútua pelo Rock.
Foto contida no encarte do CD Lucio Zapparoli Tributo/Santa Gang, mostra a Santa Gang em ação nos anos 1980.
Ao prosperar na atividade técnica e em paralelo à carreira artística, Lucio montou uma empresa de sonorização própria e mediante o seu equipamento, garantiu a realização de uma infinidade de shows musicais de diversos estilos e sobretudo shows de Rock, incluso para a banda deste que voz escreve.
E assim, mesmo depois do término de atividades da Santa Gang, ele jamais deixou de fazer parte da cena, pois atravessou os anos noventa e dois mil a operar shows, portanto a colaborar diretamente com a cena do Rock paulista.
Foi quando surgiu a oportunidade para a banda retornar e mais do que promover um show apenas com caráter nostálgico, houve a intenção de uma retomada com o lançamento de músicas inéditas. Reunida em um estúdio de Fort Lauderdale, Florida, nos Estados Unidos, a banda gravou em abril de 2019 e logo a seguir, marcou uma apresentação em São Paulo.
Dessa forma, eu tive o prazer de assistir ao vivo a reentrada da Santa Gang na cena, através de um belo show, quando fizeram o espetáculo de abertura de uma outra banda moderna que admiro, o Power Blues, nas dependências de uma casa noturna que fora muito famosa na década de oitenta, o “Madame Satã”.
Todavia, a ótima perspectiva que a Santa Gang teve anunciada à sua frente, naquele momento tão feliz de agosto de 2019, mediante um belo show de reunião super bem-sucedido, teve um arrefecimento logo a seguir por conta da explosão da pandemia mundial da Covid.
O pior ainda ocorreu quando em junho de 2021, a notícia do falecimento do Lucio chocou a todos. O seu legado já estava garantido pela história construída e materializado pelo compacto que a Santa Gang lançara em 1981, mas eis que o guitarrista Wagner Anarca, também famoso na cena do Rock paulista dos anos 1980, através do trabalho da sua lendária banda, "Anarca", e que arregimentara toda a condição para que a Santa Gang se reagrupasse e gravasse em 2019, nos Estados Unidos, sendo também ele um músico participante ativo da gravação e compositor, arranjador & produtor da obra, resolveu prensar o álbum em CD físico a acrescentar o áudio na íntegra do show que a Santa Gang realizou no Madame Satã de São Paulo em agosto de 2019, e a compor e anexar uma canção inédita por ele composta, chamada: “Song For Lucio” a se revelar uma bela e justa homenagem ao amigo que partiu.
Portanto, é nesse contexto que o álbum “Lucio Zapparoli Tributo/Santa Gang” foi produzido pelo Wagner Anarca e chegou às lojas e órgãos de imprensa.
Sobre a capa do CD, a foto do Lucio em versão 2019 a cantar ao vivo e com a sua alegria estampada no semblante, revela o quanto estava esperançoso por viver o sonho do Rock com intensidade na volta triunfal da banda. Para edulcorar tal impressão, a foto passou um tratamento a ganhar traços de um desenho feito com crayon ou algo similar e assim, ganhou a beleza lúdica extra.
No encarte, há uma grande profusão de fotos dessa reunião da banda em 2019, algumas com caráter informal e também da banda nos anos oitenta, mediante a presença de um bom texto explicativo sobre a produção e declarações de solidariedade ao Lucio e nesse aspecto, me chamou a atenção que só há a menção ao carinho dos seus amigos e nenhuma fala mais incisiva sobre o seu falecimento. Nesse aspecto, considerei uma tremenda sacada da produção ao não lastimar a sua ausência e sim, enaltecer a sua presença que é eterna como artista e amigo.
Sobre o repertório do disco, tenho outras seguintes considerações para acrescentar. Além das músicas gravadas em 2019, o show ao vivo de São Paulo e a canção póstuma, houve também a inclusão de um tema gravado em ensaio. Dessa forma, cercado de grandes músicos, Lucio perpetrou uma dose maciça de Rock’n’ Roll, Blues e até Hard-Rock através dessas canções gravadas em 2019.
“Chiclete” é uma versão moderna para o clássico da Santa Gang gravado no compacto de 1981, “Chiclete de Hortelã”, e nesta regravação, o Rock’n’ Roll tradicional observado como intenção original da música foi preservado, porém amalgamado com um certo sabor Hard-Rock.
“My Friend” é uma versão livre do standart do Blues, “Sweet Home Chicago”. Na letra adaptada, Lucio discorre sobre essa ponte estabelecida entre velhos amigos Rockers que se encontram em São Paulo e Miami para celebrar o Rock e o Blues, portanto, é autobiográfica praticamente ao descrever essa reunião feliz da banda nos idos de 2019.
“Estamos Indo” é um belo Blues-Rock que também fala sobre a reunião festiva dos velhos e novos amigos em torno do ressurgimento da banda na cena, portanto contém essa carga de emoção. Essa canção ganhou um bonito clip para promoção e infelizmente, dada a constatação triste que o mentor da banda partiu logo a seguir, se tornou uma peça melancólica. No entanto, tenho certeza que o Lucio não desejaria transmitir esse sentimento e assim, que prevaleça a sua alegria contida nas imagens a registrar o momento em que amparado por amigos queridos, estava radiante pela volta da banda para a estrada.
“Blues for Brian” é um ótimo slow blues, com aquela dinâmica que convida o ouvinte a absorver a sutileza da música e viajar longe.
“Meu Negócio” é um Rock’n’ Roll rasgado, acelerado, empolgante, com aquela carga de energia setentista na veia, a honrar as tradições da banda em seus primórdios. Essa faixa é proveniente de um ensaio, portanto, o tratamento sonoro se mostra inferior, mas isso não desabona em nada a sua colocação no álbum e pelo contrário, tem uma energia viva contagiante. Até o fato do som dos pratos da bateria estourar em alguns momentos se revela charmoso de certa forma, pois traz aquela sensação de uma banda de garagem a tocar ao vivo, de forma orgânica, a fazer suar, literalmente as paredes da sala de ensaio.
Já a sexta faixa é aquela contínua a conter o show ao vivo de 2019, na íntegra, realizado no palco da casa noturna Madame Satã de São Paulo e traz exatamente a adrenalina mediante aquela emoção embutida que eu mesmo em pessoa pude testemunhar de forma auditiva e ocular in loco, portanto, fico contente por saber que esse material tenha sido preservado e devidamente anexado ao álbum.
Para encerrar, há a presença da faixa póstuma, gravada como uma justa homenagem ao Lucio. “Song for Lucio” revela esse sentimento sincero de seus amigos que sentem a sua falta. Trata-se de um Slow Blues instrumental muito bonito, melódico e emotivo na dose certa para exprimir a saudade. Lucio vive, o Rock & o Blues nunca morrem.
Para finalizar, está de parabéns o guitarrista Wagner Anarca pelo seu esmero para produzir esta bela homenagem ao saudoso e talentoso, Lucio Zaparolli por tudo o que ele fez em sua vida, como artista, técnico de áudio e ativista cultural, sempre fiel aos seus princípios e mediante a sua declarada paixão pelo Rock.
Faixas 1 a 4 e 7 gravadas no “Studio 107” de Fort Lauderdale, Florida – USA em 21 de abril de 2019.
Selo/editora: Music Anarca (info@anarca.com)
Produção geral: Wagner Anarca
Técnico de captura e mixagem de áudio: Brian Harelick
Faixa 6 (Show na íntegra do Madame Satã de São Paulo
Captura de áudio: Cesar Gavin
Faixa 5 (material de ensaio): não divulgado detalhes sobre a sua gravação
Lucio Zaparolli: Voz
Wagner Anarca: Guitarra
Giovanni Chacon: Voz
Barreto Junior: Voz e bateria
Ricardo Cicarelli: Bateria
Celso Meireles: Teclados e gaita
Brian Harelik: Baixo e teclados
Daniel Gerber: Guitarra
Dalam Junior: Baixo, guitarra e voz
Willian Kusdra: Baixo e guitarra
Fabio Xepa: Bateria
Marco “Magoo” Placha: Baixo
Técnico de áudio e luz ao vivo: Paulo Zapparoli
Para conhecer mais sobre a história da Santa Gang e da trajetória pessoal de Lucio Zapparoli, acesse:
Matéria no Blog 2112:
http://furia2112.blogspot.com/2020/09/arquivo2112-santa-gang.html
Matéria no Blog da Webradio Stay Roc k Brazil:
Podcasting Programa Drops Star Trips/Edição 67:
Entrevista de Wagner Anarca para o site de Antonio Celso Barbieri:
Matéria no Site Gaveta de Bagunças:
https://gavetadebaguncas.com.br/santa-gang-o-genuino-rock-n-roll-feito-no-brasil/
O compacto triplo da Santa Gang de 1981
https://www.youtube.com/watch?v=AxuSvQAcNzs
A apresentação de 2019, filmada por Cesar Gavin (Canal Vitrola Verde):
https://www.youtube.com/watch?v=oNVNyJU3ruI&t=939s
Entrevista de Lucio Zapparoli para o músico e ativista cultural, Cesar Gavin (Canal Vitrola Verde):
https://www.youtube.com/watch?v=bdT2Dw61V-M
Entrevista de Lucio Zapparoli para o músico e ativista cultural, William Kusdra - Programa Direto da Toca - Stay Rock Webradio
https://www.youtube.com/watch?v=JC0dZcnCohQ
Ótimo texto ! . . . . . Tive a sorte de conviver bastante com o Lúcio no final dos anos 70 . . . . . um cara super legal . . . lembro que em meio a loucura generalizada da época , ele era um cara focado em fazer as bandas acontecerem com qualidade , era determinado e disciplinado . . . . . saudades dele . . . . quanto ao falecimento precoce dele , acho relevante lembrar que ele foi vítima fatal do maldito vírus .
ResponderExcluirFico muito contente que tenha gostado do texto e além do mais, por haver acrescentado neste comentário as suas lembranças pessoais a respeito do convívio que teve com o Lucio sob o ponto de vista cultural, artístico e humano, em face à amizade que construíram juntos.
ExcluirDe fato, o Lucio sempre se esforçou para dar o melhor de si como artista e na parte técnica, como um bom engenheiro de áudio, para suprir as necessidades de quem o contratou para sonorizar espetáculos os mais diversos, incluso os shows de Rock, a sua especialidade.
Sim, ele foi vítima da Covid, uma lástima. Não quis especificar na matéria mas fica o registro, sobre a sua causa mortis.
Grato por mais uma participação rica de sua parte, no meu Blog!
Abração, Landoneto!
Que bacana essa matéria, valeu mestre Luiz Domingues!!!
ResponderExcluirFiquei muito contente por saber que gostou do teor da matéria, amigo Adilson!
ExcluirO Lucio fez muito pela cena e merece tal reconhecimento, certamente.
Grande abraço!